Água tomou conta de ruas, impedindo deslocamento das famílias

Famílias que já tinham muito pouco perderam tudo: móveis, eletrodomésticos, roupas e documentos

 
Os trabalhadores da região metropolitana de Porto Alegre tiveram momentos terríveis nas últimas semanas. Se as demissões, a violência, as péssimas condições de trabalho, transporte e moradia já não eram suficientes, na segunda quinzena de julho choveu muito, e o povo sofreu com as enormes enchentes. Muitas famílias, que já tinham muito pouco, agora perderam tudo: móveis, eletrodomésticos, roupas e documentos. Como tudo na sociedade capitalista, os trabalhadores são os que mais sofrem. Nas mansões e prédios dos bairros ricos não tem alagamento.
 
Na segunda-feira, 27, após trabalhar um dia ensopado numa fábrica da região, Ricardo chegou ao seu bairro, Vila São Geraldo, em São Leopoldo, e sequer conseguiu chegar perto de sua casa. A água estava acima da cintura. Ele tentou sair ao meio-dia da fábrica pra tentar salvar alguma coisa, já que as enchentes no bairro dele ocorrem todos os anos. Mas, como outros colegas sequer tinham ido ao trabalho por causa das enchentes, o chefe disse: “Não dá Ricardo. Senão, quem vai tocar a produção?”.
 
Segundo o último balanço da Defesa Civil estadual, divulgado no final da tarde do dia 15 de julho, 4.856 pessoas já tinham sido atingidas pela chuva. Dessas, 716 estão desabrigadas e foram levadas para abrigos do poder público. Já eram cerca de 4.100 desalojados que estavam na casa de familiares e amigos. A chuva já afetou 41 cidades no estado. Mais de 60 mil pessoas ficaram sem luz por alguns dias. O número certamente é maior, porque em vários locais o auxílio das prefeituras e órgãos públicos ainda não chegou.
 
Esteio foi a cidade mais atingida. Até o dia 16 de julho, ao menos 600 pessoas permaneciam fora de casa. Os bairros mais afetados são os próximos ao arroio Navegantes, perto da Morada I e II. Em Sapucaia do Sul, segundo a Defesa Civil, 70% dos bairros tiveram algum tipo de alagamento, e centenas de casas estão debaixo de água nos bairros Fortuna e Carioca, próximos ao arroio Carioca.
 
A culpa é de São Pedro?
Os prefeitos, vereadores e grandes empresários querem se livrar de qualquer responsabilidade pelas enchentes dizendo que “a culpa é de São Pedro” que está mandando muita chuva. É verdade que choveu muito. “A média de chuva no mês de julho, no estado, é de cerca de 120mm. Somente de domingo a terça, tivemos 200mm. Ou seja, quase o dobro do mês todo”, disse ao site da Globo o subchefe da Defesa Civil do estado, tenente-coronel Alexandre Martins de Lima.
 
Mas é mentira que a chuva pegou os governos desprevenidos. As enchentes na região, principalmente nas vilas e bairros populares, não são nenhuma novidade. Conversamos com antigos moradores de Esteio que vivem na cidade desde que ela era um distrito de São Leopoldo. Eles afirmam que todo ano tem enchente em Esteio. Segundo a comunidade, isso piorou muito depois da inauguração da Rodovia do Parque (BR 448).
 
Isso acontece porque a rodovia separou uma grande área de banhado que antes servia como escoadouro da água. Agora, a água dos arroios não tem para onde ir e, por isso, alaga ainda mais. Além disso, foi inaugurado um dique de contenção do arroio Sapucaia, em Esteio, há três anos, que desmoronou. Não ficaremos surpresos caso a obra tenha sido superfaturada a exemplo de tantas outras.
 
Além disso, a região metropolitana de Porto Alegre é responsável por 48% de toda a atividade industrial do RS. Seu PIB representa, sozinho, mais do que todo o PIB do Equador e é semelhante à Eslováquia, no leste europeu. O problema é que os capitalistas sugam toda a riqueza produzida, e o povão fica com nada.
 
“Não faltam recursos. O problema é que os recursos dos municípios vão parar no bolso dos grandes empresários pelas isenções de impostos, benefícios e renúncias fiscais. E uma boa parte vai para o Estado e para o governo federal que, dali em diante, manda para os banqueiros e outros bandidos. Fora todos os privilégios dos políticos. Além disso, a especulação imobiliária, em parceria com os governos municipais e a conivência dos órgãos de fiscalização, levam a população pobre para os piores locais de urbanização, principalmente os morros, banhados e zonas mais distantes dos serviços públicos”, afirmou Matheus Gomes, ex-candidato a deputado federal pelo PSTU.
 
Ele destacou ainda: “É um absurdo que famílias inteiras fiquem em meio ao esgoto e ao lixo e percam os bens adquiridos com muito suor. É humilhante, ainda mais quando sabemos que nas áreas ricas, onde moram os políticos, a chuva não faz estrago. Eles nos exploram e roubam o dinheiro público que poderia ser investido no saneamento básico e em obras de infraestrutura e ainda riem à toa. Mas a solidariedade da população trabalhadora é encantadora, muito maior que a hipocrosia dos governantes”.

O biólogo Jackson Müller (leia a entrevista) levanta alguns fatores para os frequentes alagamentos na região: “verifica-se que há grandes falhas quanto aos aspectos de manutenção das estruturas de drenagem da(s) cidade(s), além (…) de fatores (…) como intensa impermeabilização, ocupação das planícies de inundação de arroios e córregos, aumento das chuvas torrenciais, assoreamento, drenagens urbanas insuficientes para os picos de chuvas, disposição de lixo nos bueiros e entupimentos”.

 
A culpa é do governo e da elite que manda no governo
Esteio e Sapucaia estão nas mãos do PT há, pelo menos, oito anos. O partido tem maioria na Câmara de Vereadores. Depois de oito anos de governo, o que mudou nas cidades? O que fez o PT de lá para cá? Acompanhando a revolta contra o governo federal, é com essas perguntas que os trabalhadores chegam à conclusão de que o PT age igual aos outros partidos.
 
Esse é o sentimento nas fábricas, onde muitos tiveram familiares ou foram diretamente atingidos pelas enchentes. Hoje, o PT na região é um sócio ou, pelo menos, um cão de guarda das famílias Bettanin, Reis, Rocha, Pedrotti e Gerdau, empresários que mandam nas cidades.
 
Começaram a aparecer na cidade de Esteio placas e faixas dizendo que a culpa é do PT e do PMDB que juntos governam a cidade. Mas os financiadores desta ideia são os representantes dos partidos burgueses de oposição que governaram Esteio por oito anos e fazem isso para livrar sua cara e sair na frente na disputa eleitoral do ano que vem. Não, não mesmo! São cúmplices desse crime contra o povo!
 
O que fazer?
A previsão do tempo indica continuidade de chuva forte para os próximos dias. O pesadelo ainda não acabou. Enquanto os trabalhadores não saírem às ruas exigindo imediatamente soluções, o problema seguirá. Os prefeitos, vereadores e o Judiciário não virão em auxílio, a não ser que sejam pressionados a isso. 
 
O urgente é cuidar dos impactos. Que o prefeito intervenha e utilize os hotéis da família Klein e Pedrotti para a moradia das pessoas. Deixar a população dormindo em ginásios com frio de menos de 10ºC é um absurdo. Assim como deve ser utilizado também os estabelecimentos privados de saúde, como a Unimed e a Doctor Clin, para cuidar dos feridos, sem ressarcimento da prefeitura.
 
Depois, há de se comprar vacinas e buscar tratamento para as doenças decorrentes dos alagamentos, como leptospirose, dengue e hepatite. Também é necessário exigirmos que se abra um processo para punir e confiscar os bens dos responsáveis, seja por ação, seja por omissão.
 
Da mesma forma, os prefeitos da região devem exigir que o governo Dilma intervenha, editando medidas provisórias contra o desconto no salário dos trabalhadores atingidos pelos dias não trabalhados, o confisco dos prédios desocupados para as famílias dos desabrigados e um grande plano de obras públicas para reformar as estruturas de drenagem, além da construção do dique dos arroios Sapucaia e Carioca, em Esteio e Sapucaia, respectivamente, e um projeto habitacional gratuito para as famílias que vivem em áreas de risco.
 
Desde o início do segundo mandato da presidente Dilma, a ordem do dia é o ajuste fiscal. Com ele, sob o comando da burguesia, o PT vende a ideia de que todos devem dar sua parcela para a reconstrução do Brasil. Coisas muito duras são exigidas dos trabalhadores. Que os ricos paguem pela solução do problema na região metropolitana de Porto Alegre.