Julgamento de um dos maiores escândalos de corrupção pode terminar sem ninguém preso

A condenação dos réus do mensalão, o maior escândalo de corrupção do governo Lula, que abalou o país em 2005, surpreendeu muita gente. Ao todo, foram condenadas 25 pessoas, incluindo figurões do PT como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, o deputado e ex-presidente do partido José Genoíno e João Paulo Cunha. O resultado do maior julgamento da história abriu a perspectiva de vermos cenas inéditas, como o de políticos que ocuparam a linha de frente do governo indo parar atrás das grades por crimes de colarinho branco.

Os últimos lances dessa novela que se arrasta há oito anos no Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, nos faz lembrar do caráter de classe dessa Justiça que, ao mesmo tempo em que é dura e implacável com os pobres e marginalizados, coloca à disposição dos ricos e poderosos toda sorte de recursos. Algo que, invariavelmente, resulta em impunidade.

“Embargos infringentes”
Desta feita, quando tudo parecia concluído, eis que aparecem os tais dos “embargos infringentes”, uma espécie de recurso que os réus podem utilizar para que os juízes reavaliem decisões aprovadas com uma votação apertada. Enquanto fechávamos essa edição, tudo caminhava para a aceitação do recurso, que pode beneficiar 12 dos condenados. Cinco ministros haviam decidido por acolher o recurso, enquanto outros cinco foram contra. O desempate estava nas mãos do ministro Celso de Mello que, em 2012, já havia declarado ser favorável ao embargo.

Controvertido, os embargos infringentes constam do regulamento interno do STF, podendo ser requerido contra votações que tiverem pelo menos quatro votos de diferença. A discussão é se a Constituição de 1988 manteve esse instrumento ou não. A legalidade dos embargos é tema polêmico que divide os juristas.  


STF amanheceu sitiado por seguranças no dia da votação dos embargos

O que é indiscutível é que se trata de algo absolutamente descabido no caso. Qual o sentido de um tribunal reavaliar algo que acabou de decidir? No caso do mensalão, foram meses de discussão. Não há outro sentido para isso que não o de livrar a cara dos principais protagonistas do escândalo, desta vez apostando num novo julgamento mais favorável aos réus. Os dois ministros indicados por Dilma, Teori Zavascki e Roberto Barroso, já demonstraram não ter escrúpulos em devolver o favor votando em benefício dos mensaleiros.

Os embargos abrem uma verdadeira avenida para os réus, podendo descambar para a reversão de condenações, prescrição de crimes e a redução das penas. Ou seja, o julgamento vai se estender indefinidamente e pode, ao final, terminar sem nenhum dos principais condenados presos. O máximo de pena que gente como José Dirceu e Genoíno terá será, no pior (ou melhor) das hipóteses, prisão em regime semi-aberto.

Desgaste
Durante as jornadas de junho, uma das reivindicações mais sentidas era justamente o fim da impunidade. Não foi por acaso que a figura do ministro Joaquim Barbosa, atual presidente do STF, foi extremamente reivindicada. Diante do profundo desgaste das instituições, principalmente o Executivo e o Legislativo, o judiciário, mais especificamente o Supremo, permaneceu como uma espécie de “reserva moral” do país. Agora, diante da impunidade do mensalão, o STF se revela uma instituição tão falida e viciada quanto todas as outras.

Joaquim Barbosa: igual aos outros
Com a descrença generalizada nos políticos, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, passou a ser visto como uma espécie de justiceiro. Nas redes sociais, sua silhueta com a toga é comparada à capa de um super-herói, como um Batman na luta contra a corrupção. O fato de ter sido relator do processo do mensalão ajudou a projetar a sua figura e hoje o ministro é um dos mais citados nas pesquisas de intenção de voto para presidente, mesmo não sendo candidato.

Mas será que corresponde à verdade essa imagem que o ministro conserva? Infelizmente, Joaquim Barbosa é tão igual quanto os seus colegas do legislativo. Nepotismo, defesa de privilégios e irregularidades que tanto abundam do Congresso fazem parte da vida de Barbosa. A última dele foi a revelação de que comprou um apartamento de R$ 1 milhão em Miami, utilizando uma empresa de fachada.

Barbosa também defendeu o aumento salarial dos juízes do STF. De acordo com projeto de lei enviado ao Congresso por ele, o salário dos ministros passaria de R$ 28 mil para mais de R$ 30 mil. Como o salário do STF é o teto constitucional para outros vencimentos, esse aumento geraria um efeito cascata abrindo a porteira para aumentos também para os políticos.

Joaquim Barbosa foi envolvido ainda na farra do uso dos aviões e helicópteros oficiais para fins privados. O ministro do STF não tem um helicóptero à disposição para fazer as compras do mês no supermercado, como o governador do Rio, Sérgio Cabral, mas usou passagens institucionais do cargo, ou seja, dinheiro público, para ver o jogo do Brasil na Copa das Confederações.

Relembrando o mensalão
Sempre que o assunto vem à tona, ressurgem as surradas teorias conspiratórias sobre o “golpe das elites” e todo o discurso de vitimização do PT e do governo Lula. Em síntese, esse discurso, reproduzido até mesmo por uma folclórica seita da ultraesquerda, diz que o mensalão nunca existiu e que tudo não passa de uma urdida trama da direita para enfraquecer o Partido dos Trabalhadores.

Farta documentação reunida no processo pelo Ministério Público, porém, além do que foi reportado pela própria imprensa, mostram um esquema de corrupção, desvio de recursos públicos e compra de votos. E tudo isso para manter a “governabilidade” do PT em meio a uma frágil base aliada e aprovar projetos como a reforma da Previdência, a lei de Falências e todo um programa típico da direita. As denúncias, na época, surgiram, aliás, da própria base do governo, através do então deputado Roberto Jefferson.

É fato que há interesses envolvidos por trás das decisões do STF que culminaram nas condenações do mensalão, que passam bem ao largo do bem público. É fato também a política de boa parte da imprensa de desgastar o PT para ajudar seus aliados, ou seja, o PSDB e o DEM, nas eleições. É também fato que o mensalão mineiro, do PSDB, não foi tratado da mesma forma, muito pelo contrário.

Tudo isso, porém, não tornam o mensalão menos real. Foi um escândalo de corrupção que, sim, manchou a história do governo Lula e do PT. E o pior, para atender aos interesses que sempre foram da direita.

Publicado originalmente no Opinião Socialista 468