No final de novembro, enquanto se celebrava o Dia Internacional Combate à Violência Contra a Mulher, a imprensa divulgou uma série de crimes motivados pelo machismo. Lamentavelmente, este tipo de crime não é raro nem é a única expressão da opressão machista. Pelo contrário. Marginalização, discriminação e violência são práticas cotidianas em um sistema que procura reduzir as mulheres ao papel de “objetos”, seja a serviço dos homens ou do capital. Uma situação onde só há uma coisa a fazer: lutar sem tréguas.

Nem sempre a mulher foi oprimida. Durante um longo período da história a mulher exerceu seus direitos em pé de igualdade com o homem. A destituição da mulher de seu posto de igualdade e de suas funções de comando na sociedade ocorreu por determinações sócio-econômicas e não por motivos “naturais”, como prega o discurso dominante.

Durante séculos, e até hoje, para justificar a opressão criou-se o mito da inferioridade biológica feminina. Esta fábula não resiste ao mínimo estudo antropológico. A função de nutrir e cuidar das crias levou a mulher a empreender o caminho da atividade produtiva, organizando as primeiras formas de vida social e a partir daí ocupando uma posição dirigente em suas comunidades.
Segundo antropólogos, o matriarcado ou o status igualitário das mulheres foram substituídos pelo patriarcado quando surgiram o excedente de produção e apropriação individual deste pelos homens. A idéia era simples. Para que os homens pudessem passar bens aos seus filhos era necessário um novo modelo familiar: monogâmico e patriarcal.

Para estudiosos como Engels (autor de “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”), essa foi a “grande derrota histórica do sexo feminino em todo mundo”. A partir daí a história da mulher foi a da sua opressão.

Algo muito real no capitalismo que, apesar de não ter “inventado” o machismo, sempre se utilizou dele, o transformou em um dos pilares do sistema. O que, conseqüentemente, torna impossível a tarefa da libertação da mulher no capitalismo.

Capitalismo e os limites da luta antimachista
No decorrer dos séculos, as mulheres, arrancaram importantes vitórias, mas estas conquistas vivem sob constante ameaça. Em alguns países imperialistas, conquistas trabalhistas e o direito ao aborto deixaram de existir com o neoliberalismo. Ao contrário dos avanços propagados, o que vemos é uma crescente degradação das mulheres, tratadas como seres inferiores e, não raramente, transformadas em mercadoria, em objetos de consumo, seja nos anúncios de cerveja, ou pela condenação à prostituição.

Já não podendo sustentar com muita facilidade o mito da “inferioridade biológica”, a elite (masculina) criou novas “versões”, geralmente revestidas de bobagens pseudocientíficas, que são disseminadas em nosso cotidiano.

A reelaboração de argumentos que justifiquem o machismo tem na sua origem uma contradição criada pelo próprio capitalismo: na mesma medida e proporção em que as mulheres foram chamadas a reintegrar as atividades produtivas surgiram as condições objetivas para o questionamento da opressão. Ou seja, ao transformarem-se em parte integrante do proletariado, as mulheres também se tornaram parte fundamental da única classe que pode por fim ao sistema.

Algo que, de imediato, se traduz em duas lições fundamentais. Em primeiro, o capitalismo é incapaz de promover a real emancipação das mulheres. Em segundo, em sua luta, as mulheres trabalhadoras deverão ter como aliados estratégicos os homens da classe trabalhadora contra homens e mulheres da burguesia.

O gênero nos une, a classe nos divide
Há muito, o movimento feminista tem se dividido em duas vertentes, que também determinam suas formas de organização e de luta: aquelas que entendem que a luta pela emancipação da mulher é inseparável da luta pelo socialismo (as marxistas) e as que defendem que as mulheres têm interesses e objetivos idênticos, independente de sua classe (tese defendida por reformistas).

Nós, do PSTU, não abrimos mão da visão marxista e nos opomos radicalmente à visão “sexista”, ou de conciliação de classes. Nossa compreensão sobre este tema está sintetizada no título do livro de Cecília Toledo, feminista e militante do PSTU – “Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide”.

Para entender melhor é necessário resgatar a relação entre dois conceitos: opressão e exploração. A opressão (ou seja, o “aproveitamento de desigualdades para pôr em desvantagem e submeter um grupo social com base em diferenças”.) é sempre utilizada para ampliar e justificar a exploração (a apropriação dos frutos do trabalho coletivo por uma minoria).

No capitalismo, esta relação opressão-exploração da mulher se manifesta de várias formas. A começar, na família, pelo trabalho doméstico não-remunerado, que desobriga o Estado burguês de cumprir um papel social (oferecendo serviços como lavanderias, creches etc.). Mas isto também se estende ao mercado de trabalho, onde a mão-de-obra feminina é amplamente utilizada em troca de salários mais baixos.

A desigualdade de gênero afeta tanto mulheres burguesas como trabalhadoras, mas as afeta de forma distinta. Qualquer tipo de opressão que Condolezza Rice, Secretária de Estado de Bush, possa ter sentido como negra e mulher é completamente diferente daquela sofrida por uma trabalhadora negra. Uma operária que não tem condições de fazer um aborto em um hospital morre ou fica com seqüelas, uma mulher burguesa paga um bom médico. Quando sofre violência doméstica, a burguesa tem condições financeiras para sair de casa e contratar bons advogados, à trabalhadora resta suportar as agressões. Enquanto a maioria das assalariadas tem que cumprir tarefas domésticas, após longas jornadas, as burguesas, mesmo que trabalhem, podem relegar a outras mulheres essa atividade.

Isto tudo não quer dizer que eventualmente, não possamos fazer ações unitárias com mulheres burguesas para combater aspectos genéricos da opressão. Mas não podemos nos esquecer de um princípio fundamental: apenas as mulheres trabalhadoras podem lutar contra a opressão, de forma conseqüente e até o fim.

Feminismo e socialismo: uma rima a ser construída
Por isto mesmo, temos grandes diferenças com a Marcha Mundial de Mulheres, que em sua carta de 2004, afirma que apesar de ainda haver desigualdades, as mulheres estão conquistando mais espaços e construindo um mundo melhor.
Essa afirmação tem por trás uma visão completamente falsa: a de que é possível emancipar as mulheres dentro do capitalismo. Qualquer luta das mulheres hoje, seja por melhores salários ou por igualdade de oportunidades, passa necessariamente pela luta contra a exploração capitalista.

No Brasil, isso se traduz no enfrentamento com Lula e seu governo, que, ao aplicarem os planos de recolonização do imperialismo, retiram direitos e atacam brutalmente os trabalhadores, prejudicando especialmente as mulheres.

Tampouco concordamos com aqueles que diluem a luta feminista na luta pelo socialismo, como se essa fosse uma tarefa para um futuro distante, após a conquista do poder, ou como se bastasse destruir o capitalismo para acabar com a opressão. A verdadeira luta pelo socialismo deve incorporar a questão da libertação das mulheres, antes, durante e depois da revolução.

Essa compreensão deve se traduzir na militância cotidiana e enfrentada também no interior da nossa classe, onde a ideologia burguesa do machismo se faz muito presente. É necessário reafirmar, sempre, que a real luta feminista é parte da luta de todos os trabalhadores. Por isso, os sindicatos, entidades do movimento e os partidos operários devem assumir as bandeiras das mulheres e criar formas de organização próprias para impulsionar estas lutas.

Post author Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU
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