Imagens da marcha
Fotos Diego Cruz

No sábado, 19 de maio, cerca de 5 mil pessoas tomaram as ruas de São Paulo contra a criminalização do uso das chamadas “drogas”. Atos semelhantes estão ocorrendo em outras 36 cidades do país. Na capital paulista, a manifestação teve início com uma aula pública.

Palco para a concentração das mais importantes manifestações em São Paulo, o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi sacudido, por volta das 17 horas do último dia 19 por uma palavra-de-ordem cantada por milhares de pessoas, que certamente fez estremecer o coração dos mais conservadores.

Naquele momento, com a empolgação de quem sabia que estava celebrando uma importante conquista, jovens na sua maioria (mas também muita gente que cresceu embalada pelos anos 1960) começaram a tomar a Avenida Paulista ritmando com palma e bumbos um uníssono grito: “eu sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor” .

Sem esconder um misto de mal-estar e raiva, centenas de policias não puderam fazer nada mais do que acompanhar a saída da marcha, contendo a visível vontade de partir para a violenta repressão que é característica da forma como a PM persistentemente trata os usuários.

Uma contenção imposta por uma importante vitória arrancada do Supremo Tribunal Federal que, recentemente (depois do criminoso ataque da polícia à Marcha de 2011), foi obrigado a votar que é constitucional sair às ruas para defender a descriminalização e legalização das drogas.

A irreverência como marca
Apesar de caracterizada por uma participação um tanto despolitizada por parte dos manifestantes, a marcha também mantém a tradição de ser recheada por palavras de ordem que mesclam irreverência com reivindicações políticas.

A maior bandeira agitada na passeata era um exemplo disto. Verde, “cor de erva”, nela podia se ler: “Legalize. Dilma vez!”. O mesmo tipo de humor politizado ecoava em palavras de ordem como “Contra a ganância do Capital, vou plantar maconha no meu quintal”, “Quem mata é o Capital, maconha não faz mal”, “Que contradição, maconha é crime, homofobia não”, “Dilma Roussef, legaliza o beck” e “Arroz, feijão, maconha e educação”.

Particularmente inspirada, contudo, foi o canto entoado em frente de uma loja do MacDonald’s na Paulista: “Maconha é natural, Big Mac é que faz mal”. No meio de tudo isso, Raul Seixas, obviamente, tinha que se fazer presente. Enquanto faziam o longo percurso, de mais de duas horas, sempre havia um grupo com disposição para entoar, aos berros, “Sociedade Alternativa”, do “maluco beleza” por excelência.

Igualmente bem-humorados foram muitos dos adereços, fantasias e cartazes exibidos pelos manifestantes. Enquanto “baseados” gigantes (um deles expelindo fumaça colorida) passavam de mão em mão sobre a cabeça das pessoas, vários circulavam envoltos em “sedas” improvisadas, vestidos de “folhas”

Irreverência à parte, o Manifesto da Marcha, amplamente distribuído durante o percurso até a Praça da República, no centro da cidade, deixava bastante claro os objetivos do protesto: “O debate está em jornais, revistas, redes de televisão. Tomou ruas, internet, livros, personalidades, políticos e campanhas eleitorais (…) e mostra cada vez mais a falência da política proibicionista em termos humanos, de segurança, de direitos, liberdades e saúde pública. O Brasil se tornou um dos mais sangrentos campos de batalha da guerra às drogas, um sistema racista, antigo e ineficiente para lidar como uma questão complexa e urgente. Uma lei que redunda em morte e gastos públicos elevados e de nenhuma forma ataca o consumo entre jovens e adultos, muito menos o abuso: apenas desloca-o para uma esfera ainda mais intocável.”

Direito ao corpo versus os interesses do Capital
A Marcha da Maconha foi antecedida por uma aula-pública, proferida no vão livre do museu, que contou com a participação do professor de História da Universidade de São Paulo e militante do PSTU Henrique Carneiro e do presidente da Associação de Juízes para a Democracia, José Henrique Rodrigues Torres.

Explorando os muitos prejuízos provocados pela política repressiva e proibicionista do Estado, Carneiro lembrou que a negativa em legalizar as drogas “não é só um atentado ao direito ao próprio corpo, mas também significa a cooperação com o tráfico e a cumplicidade com todos os setores do Capital que lucram com a ilegalidade, movimentando um negócio de cerca de US$ 400 bilhões”.

Em sua fala, Carneiro também lembrou dos muitos benefícios que particularmente a legalização da canabis poderia proporcionar. Além de servir de base para a fabricação de fibras e tecidos e milhares de outros produtos, a planta é reconhecidamente importante no tratamento terapêutico de várias enfermidades, inclusive a AIDS e o câncer o que, como lembrou o professor, “é mais um exemplo da conivência do Estado (e contra os interesses e necessidades da população) com outro lucrativo setor do mercado: a indústria farmacêutica”.

Liberdade e justiça
Em sua fala, o juiz José Henrique Rodrigues Torres apresentou uma série de princípios jurídicos que fazem da própria criminalização das drogas um ato ilegal. Lembrando que as lutas devem se dar nas ruas, mas não podem menosprezar as conquistas que podem ser feitas nos tribunais, o juiz começou afirmando que “nenhum crime existe como realidade, mas, sim, é sempre uma criação dos legisladores, pautados em suas convicções políticas e seus interesses econômicos”.

Ainda segundo o juiz, no caso específico das drogas, a criminalização, além de estar a serviço da militarização do Estado, fere princípios básicos de qualquer Estado de Direito, a começar pela própria eficiência da legislação criada, já que está mais do que comprovado que a “guerra às drogas”, baseada na legislação repressiva e proibicionista, não tem resultado em nada mais do que na prisão de milhões, assassinato de uns tantos outros e no gasto inútil de trilhões de dólares.

A fala do juiz foi particularmente festejada quando ele lembrou que a proibição rompe inclusive com o direito da igualdade, ao criar a distinção entre drogas lícitas e ilícitas, quando se sabe que muitas das que pertencem à primeira categorias (como o álcool e o tabaco) são reconhecidamente danosas à saúde e, no caso das bebidas, estão na raiz de inúmeros e sérios problemas sociais.

Como ressaltou em uma entrevista concedida ao Portal do PSTU, o principal argumento tem a ver com a própria liberdade. “Minha participação aqui se deve ao fato de que acredito que a criminalização fere até mesmo a liberdade de pensamento. Mesmo depois da resolução do STF, ainda há repressão, mas só a liberdade, que só pode ser garantida pela discriminalização, pode permitir que o debate aconteça, única forma possível para a construção de uma verdadeira e justa política para as drogas”.

O PSTU também está nessa luta
Marchando ao lado das faixas da Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre (Anel), militantes do partido agitavam as bandeiras vermelhas enquanto outros distribuíam o panfleto preparado pela Juventude do PSTU.

Logo em sua abertura o texto deixa claro o porque o partido, desde de sua fundação, apoia a legalização das drogas: “A ilegalidade permite a lavagem de dinheiro, a criminalização da pobreza, a militarização das favelas e todas as consequências nocivas do tráfico. Além disso, a política proibicionista dos governos impede o avanço nos estudos das finalidades terapêuticas de várias substâncias”.

Lembrando que “declarar guerra às drogas” só tem significado “declarar guerra à juventude negra e pobre”, o panfleto do partido também destaca que a luta pela legalização tem que ser acompanhada de um programa que se volte contra aqueles que, até hoje, tem lucrado com a ilegalidade.

Defendendo a “estatização da grande produção e do comércio, sob o controle do Estado”, o texto ainda propõe “uma política democrática de nacionalização para todas as drogas” (lícitas e ilícitas” e que ”o dinheiro arrecado deve ser destinado a fundos de investimentos sociais, ao orçamento da Saúde e, inclusive, ao tratamento de dependentes” .

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  • Entrevista com o professor e pesquisador da USP, Henrique Carneiro