Daniel Sugasti

Quando falamos de crise econômica é comum pensar que são momentos em que “todos perdem”. Mas isto nunca foi assim em nenhuma sociedade de classes, muito menos no capitalismo. Uma das características essenciais deste modo de produção são exatamente suas crises cíclicas, que a classe dominante sempre tenta superar a custa de uma maior exploração e um aumento brutal das penúrias das classes dominadas.

A esta altura está evidente que uma combinação entre os efeitos da crise sanitária e econômica está levando o mundo a uma crise que os próprios especialistas burgueses só podem comparar à de 1929.

Há tempos em que a dinâmica econômica apontava a possibilidade de uma nova crise ou recessão em escala mundial. Entre 2014 e 2019, por exemplo, o crescimento da América Latina e do Caribe foi só de 0,4%, o mais baixo desde a década de 1950. Faltava um detonador para que a crise, que estava incubada, explodisse com igual ou maior força que a de 2008. Então veio a pandemia da Covid-19 – um agente extra econômico, mas não por isso impossível de prever -, que terminou por abrir as comportas para um colapso econômico de magnitude histórica.

Isto abre uma perspectiva muito difícil para a classe trabalhadora mundial: ataques mais duros por parte dos governos capitalistas, perda de direitos trabalhistas, desemprego, pauperização de amplos setores.

Enquanto a classe trabalhadora é a que tem a maior quantidade de infectados e mortos e está vendo como seu nível de vida se deteriora sem trégua, um punhado de multimilionários não só não perderam nada, como aumentaram sua fortuna durante a pandemia.

Isto é o que revela o recente informe da OXFAM sobre a América Latina, elaborado a partir de dados da conhecida revista Forbes. Entre março e junho de 2020, ao menos 73 multimilionários aumentaram suas fortunas em um total de US$ 48,2 bilhões. Isto, segundo essa entidade, equivale a um terço do valor de todos os chamados pacotes de estímulos econômicos adotados pelos governos da região.

O capitalismo está nu. No momento em que milhões de pessoas enfrentam a Covid-19 em condições infra humanas de emprego, moradia, atendimento médico, etc, um grupo de pessoas que poderiam caber em um ônibus fica mais ricos e poderosos.

Não só os super ricos ficaram mais ricos, mas a pandemia gerou novos super ricos. Desde o início da pandemia e das (tíbias) medidas de distanciamento social surgiram oito novos multimilionários na região, um a cada duas semanas. Este é o capitalismo: para cada infectado, para cada morte, aqueles que controlam a economia se fortalecem.

O dado é mais grotesco no Brasil, país que lidera o triste ranking de infectados e mortos por Covid-19 depois dos EUA. Existem 42 multimilionários brasileiros que aumentaram suas fortunas em um total de US$ 34 bilhões. Seus patrimônios líquidos passaram de US$123 bilhões a US$ 157,1 bilhões no inicio de julho[1].

Isso, considerando que no Brasil existem mais de 13 milhões de desempregados. Desde o começo da pandemia foram perdidos ao menos cinco milhões de empregos na principal economia latino-americana.

Enquanto estes magnatas engordam suas contas bancárias, a OIT [Organização Internacional do Trabalho] constatou que existem mais de 41 milhões de desempregados na região. Além deste “recorde histórico”, esse organismo estima que 60% dos trabalhadores/as estão sujeitos a perder seu emprego[2]. O Banco Mundial prevê que em 2020 se perderão 25 milhões de empregos, elemento que propiciará a que 50 milhões de latino-americanos fiquem abaixo da linha da pobreza[3].

A crise é tão profunda que a estimativa de crescimento pífio de 1,3% para a América Latina do começo deste ano, se desvanece agora ante a perspectiva de um colapso econômico de 9% do PIB.

Fora da América Latina é possível constatar o mesmo fenômeno: o patrimônio líquido das 500 pessoas mais ricas do mundo soma agora US$ 5,93 trilhões, em comparação com US$5,91 trilhões de inicios do ano[4].

Jeff Bezos, dono da Amazon.com.Inc., superou sua própria marca anterior quando as ações de sua empresa aumentaram 4,4% e, com isso, sua fortuna pessoal subiu de US$ 167,7 bilhões (em setembro de 2018) para US$ 171,6 bilhões, de acordo com Bloomberg Billionaires Index. O mesmo aconteceu com outros magnatas da tecnologia, como o CEO da Tesla, Elon Musk, que acrescentou US$ 25,8 bilhões à sua fortuna desde 1 de janeiro, ou o fundador da Zoom Video Communications Inc., Eric Yuan, que com a pandemia quase quadruplicou sua riqueza, calculada em US$ 13,1 bilhões.

O mesmo ocorreu com os principais banqueiros dos EUA. Quando começou a pandemia e o mercado entrou em pânico, a Federal Reserve começou a comprar dívidas do governo e prometeu comprar todos os tipos de ativos privados, incluindo dívidas corporativas. Essa injeção de dinheiro público criou uma ganancia em Wall Street. No segundo trimestre, os lucros do Citibank, Goldman Sachs e JP Morgan quase duplicaram os níveis de 2019. Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento, aumentou seus lucros em 41%[5].

Estes são os parasitas que exigem todo tipo de sacrifício aos povos do mundo a partir de suas mansões, enquanto acumulam fortunas que equivalem às economias de países inteiros.

A encruzilhada entre socialismo ou barbárie está apresentada de maneira concreta. O que está em jogo é qual classe pagará os custos da crise pandêmica e a recessão (ou possível depressão) econômica. Ou eles, ou nós.

O programa da burguesia mundial é categórico nesse sentido. E eles agem em de acordo com ele. A disjuntiva que esse punhado de multimilionários apresenta à sociedade é entre expor-se à morte pelo novo coronavírus ou morrer de fome. Esse programa é o da barbárie.

O mais importante é que a classe trabalhadora está dando sinais de estar disposta a lutar contra os ataques capitalistas no Chile, Hong Kong, Oriente Médio e, principalmente, nos EUA, onde explodiu um processo revolucionário em meio à pandemia. Agora é necessário dotar as lutas de um programa revolucionário, que responda aos problemas mais urgentes da classe apresentando medidas que apontem para uma ruptura com o capitalismo e a luta pelo poder operário e o socialismo. Esse é o sentido do Programa de Emergência contra a pandemia e a crise econômica que a LIT-QI apresentou há um mês.

Não basta que os fiscos burgueses taxem de maneira mais dura os mais super ricos, como apresenta a OXFAM e organizações neorreformistas. O que é necessário é que todo esse patrimônio seja expropriado e socializado, isto é, colocado a serviço da sociedade. Só expropriando as grandes empresas e planificando a produção, a humanidade poderá romper o círculo de crises cíclicas e atender às suas necessidades urgentes.

Fazemos nossas as palavras de Altino Prazeres, coordenador do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e dirigente do PSTU do Brasil, que ante o questionamento realizado por um apresentador do jornal da manhã da poderosa Rede Globo sobre a pertinência de uma greve de seu setor, disse: “errado é os bilionários de este país ficarem mais ricos durante a pandemia e nós pagarmos a conta da crise”. A réplica de Altino viralizou em todo o Brasil porque a desigualdade social é cada vez mais palpável e repugnante para a classe trabalhadora.

Para “não pagar pela crise” é necessário transformar a raiva em ação coletiva, auto organizar-se democraticamente e lutar com a perspectiva de uma revolução socialista que situe o proletariado triunfante no posto de comando da política e da economia global. E, para alcançar essa estratégia, é indispensável construir em cada luta uma direção revolucionária.

Notas:

[1] Ver: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/27/patrimonio-dos-super-ricos-brasileiros-cresce-us-34-bilhoes-durante-a-pandemia-diz-oxfam.ghtml>.

[2] Ver:  <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/01/oit-diz-que-america-latina-atingiu-recorde-de-41-milhoes-de-desempregados.ghtml>.

[3] Ver: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/24/banco-mundial-america-latina-perdera-25-milhoes-de-empregos-em-2020.ghtml>.

[4] Ver: <https://einvestidor.estadao.com.br/negocios/jeff-bezos-mais-rico/>.

[5] Ver: <https://www.economist.com/finance-and-economics/2020/07/18/what-wall-streets-results-tell-you-about-americas-economy>.

Tradução: Lilian Enck