Leilão do Campo de Libra, nesse dia 21 no Rio
Foto: Agência Brasil

Nos últimos dias, enquanto parte significativa da militância da esquerda e dos movimentos sociais, inclusive dos partidos que compõe hoje a base do governo Dilma, fazia campanha e manifestações contra o primeiro leilão do Pré-sal, o Comitê Central do PCdoB elaborava uma nota de apoio à maior entrega já realizada nesse país. Em nome da soberania e do desenvolvimento nacional, o partido declarou seu apoio entusiasmado à privatização do campo de Libra.

Segundo a nota divulgada pelo PCdoB, sua posição segue as diretrizes de se “fortalecer o Estado nacional, suas empresas estratégicas e seus bancos, com a elevação do investimento público para explorar as riquezas nacionais e promover o desenvolvimento”. Pois bem, não causaria espanto se, logo a seguir, o partido não dissesse que “é preciso agregar investimentos privados, por mecanismos diversos, entre os quais, na área petrolífera, contratos de concessão ou de partilha de produção”.

Em síntese, a nota divulgada pela direção do PCdoB parte dos três mesmos pressupostos defendidos pelo governo Dilma: o de que o país não teria recursos próprios para explorar o Pré-sal; o de que o regime de partilha seria benéfico para os interesses nacionais e, por último, de que o dinheiro vindo da exploração de Libra iria para áreas sociais como saúde e educação.

O primeiro argumento foi amplamente respondido por Ildo Sauer, o ex-diretor da Petrobras nos primeiros anos do governo Lula. Nenhuma empresa sozinha tem os recursos necessários para explorar todo o petróleo do Pré-sal. Vão buscar isso no sistema financeiro e a Petrobras ficará apenas como uma espécie de intermediária nessa transação. Além disso, o PCdoB cita o “atual nível de desenvolvimento das forças produtivas no Brasil” para a entrega do petróleo ao capital internacional. Fosse assim, nunca teríamos construído a Petrobrás, já que na década de 1950 o Brasil era um país ainda essencialmente agrário.

O que ocorre é que o Estado, através da Petrobrás, investe fortemente na busca e pesquisa dos blocos de petróleo, uma das partes mais caras do processo e, quando encontra, entrega de bandeja ao capital privado. Já que o Estado investiu na busca, poderia também cuidar da exploração, custeando isso com os próprios lucros do petróleo. Lucros esses que estarão, com a entrega do Pré-sal, nas mãos das empresas estrangeiras. Tratam os investimentos estrangeiros como se fosse doação filantrópica esquecendo que, daqui a alguns anos, retornarão a seus países várias vezes mais na forma de lucros.

O argumento de que o regime de partilha é melhor tampouco é sério, e muito menos o modelo posto em prática pelo governo Dilma. O padrão de partilha dos países exportadores de petróleo é que o Estado fique com 80% do petróleo extraído (já abatido os custos). No leilão de Libra, o pagamento mínimo foi de apenas 41,65%. Isso num campo em que se sabe existir petróleo e que o risco para exploração é quase zero é simplesmente escandaloso.

Mas e os recursos para a educação? Segundo a regra de partilha, três quartos iriam para a Educação e um quarto para a Saúde. Mas esse montante será obtido apenas quando o campo de Libra estiver produzindo com total capacidade, lá pelos idos de 2019. E o “excedente” de petróleo, os tais 41,65% que ficariam nas mãos do Estado? Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, descontados os custos de produção e demais redutores, esse índice pode cair para apenas 9,9%. E disso apenas metade seria destinada às áreas sociais. Isso só reforça que não vale a pena entregar nosso petróleo ao capital estrangeiro para ter recursos nas áreas sociais.

Em nome do desenvolvimento e da soberania, a direção do PCdoB apoia a maior entrega que já se fez dos recursos naturais desse país, sem que haja a mínima possibilidade de que a contrapartida financeira represente qualquer mudança qualitativa na saúde ou educação. Em nome do desenvolvimento, apoia um crime de lesa pátria, tão ou maior que os praticados pelo governo FHC.

Infelizmente não é de se estranhar essa posição do partido que um dia já lutou contra a ditadura e o imperialismo. Sob seu comando, através de Haroldo Lima, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou os leilões durante o governo do PT, sendo cúmplice da desnacionalização do petróleo brasileiro.

Esse dia 21 de outubro ficará marcado como o dia em que se realizou a maior privatização da história. E justamente por um governo que se elegeu condenando as privatizações do governo do PSDB. Enquanto parte da militância honesta do PCdoB estava nas ruas contra o leilão, enfrentando a polícia, o Exército e a Força Nacional de Segurança ao lado de companheiros de outras organizações, como o PSTU, a direção do partido redigia a nota de apoio a esse entrega vergonhosa.

É preciso que esses ativistas reflitam sobre isso e percebam que o PCdoB já não cumpre qualquer papel progressivo. Muito pelo contrário, assim como apoiou os latifundiários na reforma do Código Florestal, hoje esse partido é parte de um governo que ataca diretamente a soberania nacional.Vale a pena dedicar a vida para ajudar a construir um partido assim? Não é o caso de repensar essa estratégia?

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