Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida

Morte e Vida Severina – Chico Buarque

Mais um ano se inicia e o que era para ser um tempo de paz e descanso tem sido de medo e terror para cerca de 2 mil famílias que vivem na Zona Sul de São José dos Campos. Essa famílias estão acostumadas a vida difícil, não nasceram em berço de ouro. Famílias de lutadoras e lutadores que com muito esforço construíram seus lares de forma coletiva, com poucos recursos com a força que a necessidade impôs. São mais de 7 mil trabalhadoras e trabalhadores, crianças, aposentadas e aposentados que através da luta e mobilização conquistaram o que devia ser seu por direito. A constituição Brasileira reconhece em seu Art.6º a moradia como um direito social:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Sendo um direito social devia ser garantido pelo estado. Porém em nossa curta história de democracia brasileira, a “democracia dos ricos”, as palavras “direito” e “social” costumam andar separadas, e não ia ser diferente para essas 2 mil famílias. Vítimas de uma violenta expulsão ocorrida em 2004, quando estes sem-tetos ocupavam um terreno no Bairro Campo dos Alemães, e sem a garantia de um local para morar estas famílias ocuparam em fevereiro do mesmo ano uma área abandonada na Zona Sul de São José dos Campos. O que era um terreno abandonado, inclusive com dívidas milionários em IPTU e que não cumpria sua função social, hoje, oito anos depois, é uma comunidade: Comunidade do Pinheirinho.

Sem muito desenrolar e de maneira direta a história poderia ter um final no parágrafo a cima. Simplesmente a constituição da Comunidade do Pinheirinho poderia ser o final da história da luta pela moradia para estas famílias. Infelizmente a realidade é muito mais complexa e cruel. O terreno de 1,3 milhões de metros quadrados ocupado por estas famílias pertencia a massa falida da empresa Selecta, empresa essa pertencente ao mega milionário libanês Naji Nahas, suspeito, entre outras coisas, por lavagem de dinheiro (chegou a ser condenado a 24 anos de prisão) e próximo do banqueiro Daniel Dantas. No vocabulário popular, “Peixe Grande”, ou melhor, “Tubarão” da especulação financeira!

Essa luta entre “Davis” e “Golias” expõe uma dura realidade brasileira: o déficit habitacional no Brasil é de 5,8 milhões de domicílios, se multiplicarmos por 3 (média de moradores por domicílios) teremos que cerca de 10% da população Brasileira não tem onde morar. Em São José dos Campos estima-se que o déficit habitacional seja de 20 mil casas. Também é o déficit habitacional um dos maiores responsáveis pelas tragédias que assolam o país a cada temporada de chuvas. As pessoas não tendo onde morar são obrigadas e construir suas casas em áreas precárias e de risco. Mas se é verdade que há muita gente sem ter onde morar, também é verdade que há muito terreno, casa e apartamentos vazios que só servem para especulação imobiliária. Vejamos o outro lado da moeda. Segundo o último Censo há somente na cidade de São Paulo cerca de 350 mil domicílios particulares não ocupados, se formos analisar os dados no Brasil, há cerca 10 milhões de domicílios não ocupados.

O leitor atento aos números já deve estar reflexivo. Por um lado há estudos que apontam um déficit habitacional no Brasil em torno de 6 milhões de domicílios, por outro há um estoque de domicílios não ocupados no país de mais de 10 milhões. Como pode o déficit habitacional ser um problema tão grande? Isso se deve a luta entre os “Davis” que não possuem nada, nem mesmo um lar, e “Golias” que possuem tudo, inclusive um sistema de leis e regramentos que tem como elemento fundador a defesa da propriedade privada. Os “Davis” tem como armas os seus punhos, a mobilização, a conscientização, o trabalho coletivo e são milhões. Os Golias tem a polícia, o estado e a mídia e são milhares. O saldo dessa luta é milhares de “Davis” mortos a cada novo verão e milhões sem lar.

Voltando a Comunidade do Pinheirinho podemos analisar o desenrolar dessa cruel realidade. Desde que a Juíza Márcia Faria Mathey Loureiro desenterrou um pedido de reintegração de posse (pedido esse amparado em outro pedido que ainda carece de decisão do judiciário) a comunidade vive momentos de terror. Seja por ser invadida às 5 horas da madrugada pela Polícia Militar do estado que sem maiores explicações realizou uma blitz na comunidade buscando drogas, armas e foragidos, numa tentativa de criminalização dos Movimentos Sociais, seja por ter sua imagem depreciada em impressos da região, seja pela insegurança de não saber o dia de amanhã.

O Mais contraditório de tudo é que realizar uma desocupação é contrário a tudo que vinha se desenhando até o momento. A legalização da área já esta encaminhada juntos aos órgãos competentes que justamente já se manifestaram favoravelmente. As negociações para resolver o conflito e regularizar a área estão bem adiantadas, entre o Ministério das Cidades e a CDHU, já havendo visitas ao acampamento e afirmativas quanto a possibilidade da regularização da área. Mas os interesses econômicos contrários a essa regularização movem montanhas.

Novamente as trabalhadoras e trabalhadores da Comunidade do Pinheirinho só tem uma alternativa diante dos fatos: a mobilização, a luta permanente. Nesse espírito é que na sexta-feira passada cerca de 3 mil pessoas fizeram um grande ato, que parou a Via Dutra (sentido Rio de Janeiro), denunciando e cobrando do governador Geraldo Alckmin e exigindo um posicionamento do governo federal – que até então era a favor da regularização da área. Os moradores da comunidade construíram suas vidas neste local nos últimos oito anos, usaram todos os recursos de que dispunham ou conseguiram adquirir, para construir suas casas e comprar os utensílios que estão dentro delas. Não vão abandonar tudo isso para serem colocados no olho da rua sem ter para onde ir. Vão resistir. E o saldo de tudo, vai ser contado em número de cadáveres se for necessário.

Frente a uma tragédia que se anuncia, se faz urgente e necessário uma ampla corrente de solidariedade à Comunidade do Pinheirinho que se mostra não apenas como uma alternativa para aquelas famílias, mas que é também um símbolo da possibilidade de luta por uma outra sociedade, na unidade entre sindicato e Movimento Social.