Uma das conseqüências da crise econômica internacional é levar o debate entre a esquerda para um terreno estratégico. A profundidade da crise exige uma resposta programática de fundo por parte de todos os setores envolvidos.

A enorme campanha do imperialismo que afirma que o capitalismo é a única alternativa e que o socialismo morreu atingiu fortemente a consciência dos trabalhadores. No auge do neoliberalismo, essa ideologia tinha uma base material. Agora, a crise está vindo com força e toda essa falsa consciência vem abaixo. O debate capitalismo x socialismo está se restabelecendo.

Mas não se trata de uma discussão fácil. Depois da restauração do capitalismo no leste europeu, não temos mais a barreira do stalinismo. Mas por outro lado deixou de existir uma referência de sociedade não capitalista. Por isso, é muito importante retomar o debate estratégico neste momento, sob um referencial socialista.

Por que Chávez não é uma alternativa ao capitalismo
O governo venezuelano é uma referência para muitos setores da esquerda que acreditam no “socialismo do século 21” de Chávez. A sociedade venezuelana, porém, continua tão capitalista como nos tempos passados.

As multinacionais controlam a principal riqueza do país, o petróleo. Chávez apenas aumentou um pouco mais a participação do Estado nos lucros. As multinacionais são donas de 49% do petróleo e das instalações dos poços petroleiros e campos. No caso do gás, podem ser donas de até 100%.

Não estamos falando de pequenas empresas, mas do “socialismo” com a Exxon Mobil, a Chevron Texaco e a Repsol. Os bancos venezuelanos têm altíssimos lucros, exatamente como no Brasil.

Uma nova classe dominante muito forte está se formando a partir do aparato de Estado venezuelano, com o apoio direto de Chávez – a chamada “boli-burguesia”, ou burguesia bolivariana. Inclui figuras como Diosdado Cabello, que comprou as indústrias dos grupos Sosa Rodríguez e Montana, três bancos comerciais e várias empresas de seguro, formando um dos maiores conglomerados do país.

Já os trabalhadores vivem na miséria. Dos 26 milhões de habitantes, cerca de 10 milhões vivem na pobreza. Segundo o órgão governamental INE, 33,9% dos lares são pobres e 10,9% extremamente pobres. Existem pelo menos 1,2 milhões de desempregados, e metade dos empregados está no setor informal.

Igual a Lula e o Bolsa Família, Chávez combina a manutenção do capitalismo com programas sociais compensatórios (as “missões” chavistas), financiados pela renda do petróleo. Não existe nenhuma diferença de qualidade entre a vida material de um trabalhador venezuelano e a de um brasileiro – apesar do “boom” petroleiro e do discurso sobre o “socialismo” chavista.

O diagnóstico é claro: sem romper com o capitalismo não é possível resolver os problemas básicos dos trabalhadores, como salário e emprego.

O governo Chávez não é e nem pode ser uma modelo de alternativa à crise do capitalismo. Trata-se de um governo burguês nacionalista, como foram, em seus momentos, Perón, na Argentina, e Velasco Alvarado, no Peru.

Chávez tenta ocupar espaço, com apoio da direção do PSOL
O chavismo vai buscar se apresentar como alternativa anticapitalista no meio dessa crise econômica. Recentemente foi realizado em Caracas uma Conferência Internacional de Economia Política, em que se votou um programa para a crise.
Como era de se esperar, a conferência patrocinada por um governo burguês votou um programa burguês de reformas, e não um programa socialista.

Segundo a principal proposta do evento, “devem ser criadas novas instituições econômicas (multilaterais), sobre novas bases, que disponham da autoridade e os instrumentos para atuar contra a anarquia da especulação”.

Essa é a mesma proposta de Ignacio Ramonet, um dos fundadores do Fórum Social Mundial, que defende um “novo Bretton Woods”, a conferência de 1944 que fundou o FMI e o Banco Mundial.

Ou seja, não é preciso acabar com o imperialismo, mas criar novas instituições para buscar um capitalismo mais humano. Todos esses setores defendem uma alternativa por dentro da estrutura capitalista e imperialista atual. Nenhum deles defende uma ruptura com a dominação imperialista sobre nossos países e nem com a estrutura capitalista. Todos têm boas relações com o imperialismo europeu (Chávez, por exemplo, vive elogiando os governos europeus, como alternativa à Bush) e manifestam expectativas no governo Obama.

Assim, a estratégia dos reformistas é mais uma utopia reacionária de humanizar o capitalismo. Mas as grandes multinacionais vão continuar atuando sob a lógica de sempre nas crises: descarregando a conta sobre os ombros dos trabalhadores, com miséria e desemprego.

Infelizmente, o PSOL aderiu às resoluções dessa conferência de Caracas. Em sua reunião da executiva nacional, adotou uma resolução que diz: “Por isso, em termos gerais, o PSOL apóia as medidas sugeridas pelos participantes da Conferência Internacional de Economia Política, recentemente realizada em Caracas”.

Alba: um novo Mercosul
Segundo a resolução de Caracas, “será chave em tal sentido desenvolver a maior complementação e a integração comercial regional em forma equilibrada, potenciando as capacidades industriais, agrícolas, energéticas e de infra-estrutura. Iniciativas como a Alba e o Banco do Sul deverão ampliar seu raio de ação e consolidar sua perspectiva para uma maior integração alternativa que inclua uma nova moeda comum, na perspectiva de uma nova arquitetura financeira mundial que viabilize outra inserção do Sul na divisão internacional do trabalho.”

A Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) é definida pelo próprio Chávez como uma área de “livre comércio”. Essa seria a alternativa. Mas ao não serem estatizadas, as grandes multinacionais continuarão controlando qualquer espaço econômico comum. A Alba é, assim, uma espécie de Mercosul, uma área de livre comércio ocupada pelas multinacionais instaladas no Brasil e Argentina. Um Mercosul com mais discursos antiimperialistas, mas com a mesma realidade capitalista.
A experiência dos trabalhadores brasileiros demonstra que o Mercosul não melhorou em nada a nossa vida. Melhorou sim para as multinacionais aqui instaladas, como as montadoras de automóveis que podem exportar para os países vizinhos com menos taxas. E ainda levou a uma maior exploração dos trabalhadores de países como o Paraguai e Uruguai.

O nosso horizonte estratégico não pode ser rebaixado a um “grande Mercosul”. A necessidade real é a da ruptura com o imperialismo e com a dominação das multinacionais.

Nem Chávez e nem Lula vão expropriar os bancos e as multinacionais. Não é por acaso que a resolução da Conferência de Caracas não fala nada das multinacionais. Em relação aos bancos propõe o “controle, intervenção, ou nacionalização sem indenização”. Ou seja, propõe alternativas que vão desde o “controle” defendido por Bush até a “nacionalização sem indenização” que nós defendemos. E Chávez, até agora, não adotou nenhuma delas.

A luta pela libertação real diante do imperialismo terá de se dar contra estes governos. Devemos exigir delas a nacionalização sem indenização dos bancos, a estatização das multinacionais, o não pagamento da dívida pública, para garantir aos trabalhadores a estabilidade no emprego, um plano de obras públicas que assegure emprego a todos, assim como aumentos salariais.

Para construir uma real alternativa dos trabalhadores é preciso manter a independência política diante dos governos burgueses de nosso continente.

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