Leticia Hastenreiter, pediatra do SUS, e Luisa Rosati, professora da rede pública de Ensino

Em meio à pandemia que já matou mais de 224 mil pessoas no país e uma segunda onda assustadora, o debate sobre a reabertura das escolas ressurge com força. O fechamento das escolas e universidades foi uma das primeiras medidas tomadas logo no início da pandemia, e desde então esse tema desperta polêmicas e fervorosas opiniões.

Desde que se percebeu que a situação da pandemia seria duradoura e começaram as pressões dos governos e do empresariado pela retomada das atividades, o movimento de profissionais da educação se organizou contra a reabertura. Durante todos esses meses, as escolas seguiram fechadas na maior parte do país graças a essa resistência, somada aos alertas das instituições científicas e ao apoio da opinião pública. Em julho do ano passado, diante das medidas de afrouxamento do isolamento social anunciadas pelos governos, a Fiocruz emitiu uma nota técnica que afirmava que a volta às aulas podia “representar um perigo a mais para cerca de 9,3 milhões de brasileiros”. Em agosto, pesquisa do Datafolha revelava que 78% dos brasileiros defendiam que as escolas permanecessem fechadas nos próximos dois meses.

Porém, decorrido quase um ano de pandemia, novos elementos entraram em debate, e começa a crescer o número de pessoas que se colocam como favoráveis à reabertura. Organizou-se inclusive um movimento, encabeçado por pediatras e outros profissionais da saúde, que defendem o retorno das crianças às escolas. Muitas pessoas alegam, com razão, que a manutenção das crianças em casa está sobrecarregando as famílias, sobretudo as mulheres, além de ter impactos na saúde mental das crianças.

Defender um posicionamento nessa discussão deve partir de compreender a situação como muito complexa. Não existe solução fácil, e os danos causados nesses meses serão inúmeros. Estamos diante de uma pandemia num país extremamente desigual, onde grande parte da população vive sem as condições básicas de moradia e saneamento, sob um governo que nega a ciência e se nega a tomar medidas contra o vírus.

Antes de entrarmos na polêmica, duas observações: em primeiro lugar, esse é um assunto que interessa a toda a sociedade, sobretudo à classe trabalhadora, impactada diretamente pelas políticas e serviços públicos. Não achamos que a saúde é assunto exclusivo dos médicos e sanitaristas, tampouco que só professores e outros profissionais da educação possam falar sobre as escolas. O debate deve ser livre e sem discursos de autoridade, e as conclusões devem resultar em ações concretas e unificadas.

Em segundo lugar, achamos que neste caso atrapalha a discussão tratar de antemão uma determinada posição como mais “combativa”. Não são necessariamente mais “de esquerda” os que são contrários a qualquer movimentação que indique a reabertura das escolas, assim como os que defendem o retorno não são os únicos preocupados com a saúde mental das crianças ou com a sobrecarga de tarefas das mulheres trabalhadoras. Aqui, se trata de entender qual é a melhor saída pra nossa classe, amparada pela ciência, e não uma competição por posições mais radicais.

Profissionais da educação e a luta em defesa da escola pública

Se ainda temos educação pública para os filhos da classe trabalhadora, isso se deve à luta e resistência dos profissionais da educação, em conjunto aos alunos que por ali passam e as comunidades escolares como um todo. Não é de hoje que os movimentos alertam para as precárias condições das escolas públicas, salas de aula superlotadas, falta de suprimentos de higiene e limpeza, e até merenda. Portanto, temos que partir disso: qualquer debate hoje deve levar em consideração que a defesa da educação das crianças e jovens das famílias trabalhadoras é uma bandeira que vem sendo bravamente carregada por estes profissionais nas últimas décadas.

O alerta do movimento dos trabalhadores da educação parte de um conhecimento da realidade das escolas públicas no Brasil. Da forma como está, não há estrutura física ou de pessoal para implementar as medidas de retorno seguro. Mesmo com as turmas lotadas, a maior parte das escolas já sofre de falta de espaço físico, como salas ou espaço aberto para atividades físicas. Em muitas escolas, a aula de educação física acontece em uma sala de aula convencional. Sendo assim, fica difícil imaginar como cumprir algum tipo de distanciamento social sem uma mudança estrutural.

O funcionamento das escolas não impacta apenas crianças e adolescentes.  Há toda uma estrutura de funcionários que precisa estar ali para garantir isso, tais como trabalhadores de limpeza, segurança, cozinha, secretaria, professores, transporte escolar, etc. Além disso, há o deslocamento desses alunos, que aumenta o fluxo de pessoas no transporte público, obriga responsáveis a sair de casa para levar e buscar e etc.

No Rio, informes do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) nos permitem ter uma dimensão do impacto da volta às aulas. No final do ano passado, as escolas foram reabertas apenas para o 9º ano, em caráter voluntário, o que levou pouquíssimos alunos a frequentar, já que a população não se sentia segura. Os profissionais da educação iniciaram então uma Greve pela vida, denunciando que não havia condições para trabalho seguro.  Eles estavam certos: Mesmo com poucos alunos e parte dos trabalhadores em greve, em um mês de funcionamento mais de 360 escolas tiveram que ser fechadas por casos de Covid se disseminando entre os trabalhadores. A pandemia piorou, e o prefeito acabou sendo levado à voltar atrás, fechando tudo novamente.

No “Manual sobre biossegurança para reabertura de escolas no contexto da Covid-19”, a Fiocruz orienta que o retorno das atividades deve levar em consideração o contexto, e para isso devem ser respondidas as seguintes perguntas: a Covid-19 está controlada no território? ; O sistema de saúde tem condições de responder ao aumento de casos?; O sistema de vigilância em saúde pode identificar a maioria dos casos e os seus contatos? Antes mesmo de passar às condições das escolas para receber os alunos, vemos que nenhuma dessas condições está assegurada. A pandemia está descontrolada, o sistema de saúde está em colapso e não há testagem para a população.

Mesmo asseguradas as condições no território mencionadas acima, o manual apresenta ainda uma série de práticas de biossegurança que devem ser seguidas pelas instituições escolares para um retorno seguro das aulas. Priorizar atividades ao ar livre, boa ventilação nas salas, distanciamento de no mínimo 1,5 m entre cada mesa, cuidados extras de limpeza, além de mecanismos de vigilância e monitoramento de suspeitas e casos confirmados. Não é preciso conhecer profundamente nossas redes públicas para imaginar que não há como cumprir esses critérios nas atuais condições.

O manifesto dos pediatras

Foi lançado há alguns meses um manifesto denominado “Lugar de criança é na escola”, encabeçado por dezenas de pediatras e que tem tido uma grande repercussão na mídia e nas redes sociais. Um de seus principais expoentes é o pediatra Daniel Becker, que é hoje parte do “Comitê especial de combate à COVID 19” da prefeitura do Rio de Janeiro, que encaminhou retorno às aulas das escolas municipais para o dia 8 de fevereiro (não presencial) e dia 22 de fevereiro (presencial).

O manifesto parte de preocupações reais a partir da constatação de que mais que 40 milhões de crianças no Brasil estão fora das escolas há praticamente 1 ano. E propõe uma luta pela melhoria da educação pública para que as escolas tenham condições de voltar a receber seus alunos em 2021. Temos pleno acordo com a necessidade dessa luta. Como dissemos, há uma luta histórica encabeçada pelos profissionais da educação. E achamos ótimo que aqueles que assinam o manifesto se juntem a essa luta. O problema é que, apesar dos defensores do manifesto repetirem que a luta é pela melhoria da educação pública do país, o eixo ordenador do movimento não é esse, e sim a volta às aulas. E não é possível, hoje, concordar com esse movimento.

O documento trata de várias questões importantes e, de fato, preocupantes. Reconhece o abismo entre as crianças pobres das escolas públicas e as que estudam em caras escolas particulares, que inclusive, depois de proporcionar ensino remoto, já puderam receber estudantes presencialmente em várias cidades brasileiras. Levanta a questão da dificuldade que as famílias da classe trabalhadora têm para cuidar dos filhos fora das escolas, citando as “creches” clandestinas das periferias. Destaca os prejuízos para a saúde mental e para o aprendizado que tantos meses fora do ambiente escolar causaram e continuarão causando às crianças. E ainda outros prejuízos, como o aumento da insegurança alimentar e dos índices de violência doméstica.

O questionamento que fazemos é: a abertura das escolas resolve esses problemas? Aulas presenciais seriam a solução? Ou será que se tornariam mais um problema?

A ciência até este momento demonstra que as crianças, felizmente, só raramente apresentam a forma grave da COVID. Alguns estudos vêm demonstrando que elas não são fortes transmissoras do vírus, mas também que é mais difícil que adultos consigam manter isolamento social com crianças, ou seja, não conseguimos não beijar, abraçar ou dar colo aos nossos filhos, sobrinhos, netos… E mais: os estudos publicados também vêm documentando que as escolas não têm sido focos importantes de transmissão da doença. Negar esses fatos atrapalharia o debate honesto. Porém, algumas ponderações são necessárias.

Em primeiro lugar, afirmar que formas graves da doença são raras na faixa etária infantil não significa dizer que elas não existem. Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, até dezembro de 2020, houve 1118 óbitos comprovadamente por COVID de pessoas até 19 anos, com quase metade disso de crianças até 5 anos. O número é praticamente o dobro quando se trata de óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de causa não especificada, que provavelmente abarca muitos casos de COVID não notificados. Se é verdade que, proporcionalmente ao número de óbitos total, as crianças morrem menos, não é verdade que o coronavírus poupa por completo a faixa etária infantil. Mesmo que a porcentagem de mortes em crianças seja baixa em relação ao total de óbitos, quando estamos falando dos nossos filhos, isso vira 100%. Esse risco não deve ser minimizado.

Quem tem filho pequeno ou quem trabalha em escola, principalmente com educação infantil, sabe: crianças que frequentam creche ficam muito mais doentes do que as que estão em casa. De fato, diversos estudos comprovam que as crianças que estudam apresentam de 2 a 3 vezes mais chance de apresentar infecções virais de vias aéreas superiores, por exemplo. Portanto, o retorno às aulas presenciais não só acarretará riscos de COVID, como também certamente demandará muito mais do sistema de saúde, já tão saturado por conta da pandemia.

Em relação às exitosas experiências internacionais de retorno seguro às aulas, uma primeira observação se faz necessária: mesmo nos países em que o retorno não tinha sido acompanhado por uma nítida piora do quadro de transmissão do vírus, a partir de um cenário de maior descontrole da pandemia, as escolas foram fechadas, como é o caso recente de Portugal. Ou seja, não há qualquer justificativa ou bom exemplo de retorno às aulas presenciais em um momento de descontrole da pandemia, números crescentes de casos e óbitos e sistema de saúde sobrecarregado ou, em algumas regiões colapsado, como é o nosso caso atualmente.

Além disso, é de se estranhar que seja necessário dizer que os exemplos europeus não se encaixam na realidade brasileira. Os números podem demonstrar que, por lá, foi seguro retornar às aulas. O problema é que isso somente é verdade quando são respeitados os protocolos de segurança e higiene no ambiente escolar. Então, usar experiências mundiais nesse sentido para supostamente provar a segurança da volta às aulas por aqui não nos parece razoável.

Segundo dados do Observatório do Marco Legal da Primeira Infância, no Brasil, 28% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas na pré-escola estudam em estabelecimentos sem todos os itens de saneamento básico, ou seja, não têm acesso a pelo menos um desses serviços: água filtrada, esgotamento sanitário e coleta de lixo. Nas creches, 21% das crianças até os 3 anos de idade não têm acesso ao serviço básico. E o problema é mais profundo do que parece, já que muitas vezes essas crianças também não tem saneamento em suas casas. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, nem metade do esgoto recebe tratamento. Como confiar que nesse tipo de ambiente será possível higienização frequente de mãos? Ou limpeza constante dos ambientes? Não há protocolo que resista ao sucateamento da educação pública…

Saúde mental e reabertura

Outro tema bastante importante é o prejuízo à saúde mental das crianças diante de tão prolongado isolamento social. O ser humano é um ser social e, de fato, depende de uma vida social para ter saúde mental. Portanto, a pandemia e o isolamento em diversos níveis levaram adultos e crianças a uma situação de vulnerabilidade.

Uma carta assinada pelo sindicato dos psicólogos do Rio de Janeiro e diversas associações, coletivos e institutos ligados à psicologia e à educação, após reforçar os possíveis danos causados pelo isolamento, reflete muito bem:

O retorno às aulas presenciais da educação infantil ao ensino superior, por si não garante a preservação da saúde mental. As escolas que (re)encontraremos serão outras e com as marcas que a pandemia imprime nas vidas que nelas transitam. É preciso ter em conta a produção de sofrimento e adoecimento que o retorno pode produzir se não for garantida a segurança dos trabalhadores da educação, crianças, adolescentes e seus familiares. Precisamos considerar a submissão dos trabalhadores e estudantes ao contágio, como produtores de efeitos para a saúde mental, assim como as rígidas regras dos protocolos de segurança que impedem o abraço, o beijo, o colo e o compartilhamento de objetos entre crianças pequenas. Como serão organizadas as atividades para estudantes que precisam tocar nos objetos para ler e sentir, para serem cuidados, ler lábios para entender? Lábios vedados pelas máscaras. Muitas e muitas máscaras.”

E ainda destaca:

A possibilidade de agravamento da pandemia e a sombra de uma nova interrupção das aulas também se constituem em potenciais prejuízos emocionais.”

Ou seja, é necessário reconhecer os prejuízos à saúde mental que o fechamento da escola produziu e ainda produz. No entanto, esperar que a sua reabertura seja a garantia do retorno à normalidade é ignorar os riscos da pandemia em si, os limites inerentes à educação e ainda a possibilidade de um agravamento da vulnerabilidade emocional diante de qualquer tropeço durante o processo.

A verdade é que está sendo atribuído à escola o papel de “salvadora da pátria”. Não pode ser que agora os enormes e complexos problemas que vivemos no país, por responsabilidade dos governos, tenham que ser resolvidos a partir do retorno às aulas presenciais. A insegurança alimentar pela qual passam as crianças e adolescentes é uma vergonha e deveria ser resolvida há muito tempo, independente da escola. Os índices de violência doméstica e abuso são enormes e devem ser ferozmente combatidos. Mas não necessariamente será a escola a responsável por resolver essa triste realidade.

Um plano emergencial em defesa da vida e das crianças! Por vacina para todos já!

Mas então, quando que poderemos programar o retorno às aulas presenciais?  Não é fácil dizer exatamente quando isso será possível. Ninguém queria que as nossas crianças estivessem há tanto tempo fora das escolas. Mas o que podemos afirmar categoricamente é que agora o retorno às aulas seria uma medida extremamente irresponsável e perigosa.

Então, em primeiro lugar, temos que exigir medidas emergenciais que façam parar a sangria descontrolada da pandemia no Brasil. Muitos defensores da volta às aulas argumentam que não pode ser que bares e shoppings fiquem abertos enquanto as escolas estão fechadas. É de fato um absurdo! Mas não se pode argumentar em cima de um erro. É claro que os serviços não essenciais devem ser imediatamente fechados. E devem ser asseguradas as condições para que os trabalhadores fiquem em casa em segurança, inclusive os donos dos pequenos comércios e seus funcionários. É um escândalo que não tenha nem mais o já insuficiente auxílio emergencial. O problema é que os governos não querem enfrentar o grande empresariado que não está nem aí pra vida e pra saúde das pessoas e só pensa em seus lucros. O capitalismo se mostrou 100% incapaz de assegurar uma coisa básica: a vida.

Junto com isso, é urgente que se acelere a vacinação da população brasileira. Se não fosse a política deliberadamente genocida e boicotadora do Bolsonaro e se não fossem os interesses mesquinhos das indústrias farmacêuticas e as patentes, a vacinação no Brasil já poderia estar muito mais avançada e o controle da pandemia mais próximo. Então, é fundamental a luta pela vacinação para todos já! E a quebra das patentes, para aceleração da produção da vacina. Tanto o Butantã como a Fiocruz têm condições para produzir mais de 1 milhão de vacinas por dia. Existem condições para conduzir uma campanha de vacinação em massa que garanta em alguns meses que a maioria da população esteja vacinada.

E é impensável pensar em volta às aulas se os profissionais das escolas não estiverem imunizados! Seria um risco para estes e também um risco maior para as crianças e suas famílias.

Enquanto não há condições para o retorno seguro, é possível lutar por um plano que, por um lado, enfrente os problemas estruturais da nossa educação e, por outro, busque aliviar os prejuízos causados pelo fechamento das escolas. Não podemos mais aceitar corte de verba para a educação! É necessário revogar já a PEC 241 e qualquer medida que restrinja orçamento para os serviços públicos. Por mais investimento público no ensino público! Do ensino infantil às universidades.

Com mais verba, é possível (e necessário) fazer obras emergenciais que enfrentem a situação de completo desrespeito crônico à educação pública, que foi ainda mais escancarada durante essa pandemia. É possível haver contratação de mais profissionais, através de concurso público e incorporação dos profissionais que hoje são terceirizados. E a qualificação e cursos para os profissionais da educação. Ao mesmo tempo, deve haver medidas emergenciais pra acabar com a insegurança alimentar das crianças e famílias, como a distribuição de cestas básicas ou refeições, de uma forma que não coloque em risco funcionários e estudantes.

É necessário, também, que façamos uma ampla discussão democrática sobre ensino remoto e condições pra acabar com a exclusão digital dos estudantes. Independente da pandemia, esse é um tema que deve ser debatido amplamente, com protagonismo dos profissionais da educação. Se é verdade que é necessário pensar sobre novas formas do ensino, e em aproveitar as tecnologias para melhorar a educação; é mais verdade ainda que o que vemos hoje é uma precarização da docência a partir do ensino à distância. Então, é necessário, com calma, enfrentar esse debate.

Os governos que agora dizem se preocupar com as crianças e adolescentes por estarem há tanto tempo sem aulas são os mesmos que durante esse tempo todo não moveram uma palha para reformar escolas ou para amenizar os prejuízos à saúde mental e ao aprendizado dos alunos.

Teria sido possível, por exemplo, ter investido em locais de lazer a céu aberto, com profissionais contratados para garantir segurança e cumprimento dos protocolos. Se fosse necessário, poderia ser organizado um rodízio de horários para evitar aglomerações em parques e praças.  Outra possibilidade seria a contratação de profissionais pra dar aulas de esportes ou danças ao ar livre para adolescentes. Ou cursos online gratuitos de temas de interesse dos adolescentes, assegurando acesso à internet.

Mas os governos nada fizeram nesse sentido. E agora querem promover o retorno às aulas presenciais, como se eles estivessem realmente preocupados com a situação delicada em que crianças e adolescentes se encontram.

Como dissemos, é difícil prever exatamente quando será possível ter retorno seguro. O que está colocado é que não se pode retornar agora, sem qualquer embasamento técnico científico e sabidamente sem qualquer condição para a mínima segurança dos profissionais, dos estudantes e suas famílias.

Mas sabemos também que os prejuízos seriam enormes se tivermos que esperar que toda a população seja vacinada para que as escolas voltem a funcionar. Não há qualquer viabilidade que isso aconteça. Até porque não há qualquer previsão no mundo de início de vacinação nas crianças, pois os estudos publicados até agora não contemplam a faixa etária pediátrica. Esse é mais um motivo para que a vacinação atinja o quanto antes a população em geral, pois alguns grupos (crianças e grávidas, por exemplo) não podem ser vacinados e dependem da vacinação do restante das pessoas para que fiquem também seguras. É necessário então nos debruçarmos sobre o tema das crianças e a pandemia. Esse debate pode nos ajudar a encontrar um caminho para a mobilização conjunta de profissionais da educação, da saúde e a classe trabalhadora de conjunto, que não nos coloque mais em risco, mas cobre dos governos soluções concretas. Precisamos fortalecer a luta em defesa da escola pública, essa que vem sendo atacada há décadas, que só parece ser importante quando os profissionais entram em greve. Essa que desejamos que nossos filhos frequentem com segurança.

Apesar de todo o boicote do Bolsonaro, o processo da vacinação já começou. Após o início da vacinação e a implementação de medidas de controle (como isolamento social) seria esperado um maior controle da pandemia. Mas infelizmente os governos agem na direção oposta a isso. O que nos leva a afirmar que a luta pelo Fora Bolsonaro é uma luta literalmente a serviço da manutenção das nossas vidas. Todos os defensores da volta às aulas deveriam se engajar nessa luta. Porque não estamos falando de ataques quaisquer de um governo. Estamos falando de uma política deliberada de extermínio da população, principalmente os mais pobres.

Nada será como antes. Mais cedo ou mais tarde, essa pandemia vai passar. Mas as consequências continuarão a ser sentidas por muito tempo. Seja pela ausência de quem se foi – nossos familiares, amigos, colegas de trabalho – seja pela crise que se aprofunda, pelo avanço na precarização dos direitos.  Vai deixar também marcas nas nossas crianças e adolescentes, que estão perdendo experiências fundamentais para seu desenvolvimento, principalmente os filhos da classe trabalhadora mais pauperizada, cujas famílias não puderam se dedicar a promover alternativas de socialização, ou mesmo compensar a ausência da escola por uma convivência familiar de qualidade, por exemplo.

Diz-se muito por aí que nada será mais como antes. E nem deve ser. O capitalismo nos trouxe até aqui, e esse caminho foi pavimentado com desigualdade, miséria e o sofrimento de nossa classe. Há em curso um genocídio da juventude negra – essa que está em idade escolar, mas para quem as oportunidades são negadas diariamente. Dados do IBGE mostram que, antes mesmo da pandemia, dez milhões de brasileiros abandonaram a escola em alguma das etapas da educação básica. Entre eles, a maioria de negros e mulheres, obrigados a deixar a escola para trabalhar ou cuidar da casa e da família. As escolas públicas estão longe de serem os espaços de qualidade que almejamos para nossos filhos.

Portanto, precisamos fazer desse debate, que hoje mobiliza diversos setores da sociedade, uma oportunidade para avançar na luta pelo direito à infância em nosso país. É preciso unificar esses setores que hoje debatem a necessidade ou não de reabrir as escolas para seguir lutando por uma educação pública de qualidade, que garanta perspectivas para nossa juventude.

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