DemonstraÁ¿o do uso da urna eletrÙnica para as eleiÁ¿es de 2006.
Redação
Bolsonaro tem importante derrota, e abstenções crescem. Por outro lado, fortalecimento da direita coloca desafio de organizar a luta contra ataques.

 

O segundo turno das eleições confirmou, de forma geral, as tendências já apontadas no primeiro turno. Bolsonaro sai como o grande derrotado, vendo seus aliados naufragarem nas grandes cidades e principais capitais, ao mesmo tempo que o número de abstenções tem forte alta, seguindo uma tendência dos últimos anos.

A derrocada de Bolsonaro se expressa no desempenho humilhante dos que receberam seu apoio mais explícito, como Celso Russomano (Republicanos), em São Paulo, que mais uma vez morreu na praia e com a pior votação das três vezes que disputou a prefeitura, ficando em quarto lugar; e Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro, que até foi para o segundo turno, mas só para ser derrotado por Eduardo Paes (DEM) por uma diferença de quase 30%.

As abstenções, por sua vez, tiveram uma média de quase 30% em todo país, quase 10% a mais que nas eleições de 2016. Se é evidente que a pandemia pesou muito para esse resultado, também é fato que ele reflete um processo cada vez maior de desgaste da democracia burguesa. Na capital paulista, por exemplo, 30,8% dos eleitores deixaram de votar, ao passo em que a soma das abstenções, votos nulos e brancos (3,6 milhões) superaram o prefeito reeleito (3,1 milhões). Já no Rio, foi o maior índice de abstenção da história.

Reflexo distorcido

Se a derrota de Bolsonaro e a alta abstenção são alguns dos elementos que emergem das eleições municipais, é preciso ver isso como um fenômeno numa conjuntura. Isso porque as eleições na democracia dos ricos refletem de forma distorcida a realidade e a luta de classes, ainda que seu resultado incida sobre elas. O desgaste do governo e da democracia burguesa não espelham de forma automática uma conjuntura de lutas, em que a classe expressa no voto seu descontentamento. Ao contrário, as eleições ocorrem num momento de refluxo, de alta recorde do desemprego e aumento da pobreza, com uma profunda incerteza sobre o futuro, principalmente por conta da pandemia.

Por isso, o descontentamento que cresce embaixo, se bem se distanciou do Governo Federal, não se refletiu em voto por mudança. Ao contrário, elegeu, em sua maioria, representantes da direita tradicional, democratas burgueses, como o DEM e o PSDB, que, por um lado, tentaram se distanciar da estridente extrema direita e do bolsonarismo e, por outro, pregaram contra os “extremismos”. O discurso pela “moderação” e contra os extremos ajuda a encobrir a real polarização social e o aumento do descontentamento que ocorrem com o acirramento da crise sanitária, social e econômica, porém numa conjuntura de refluxo defensiva.

A vitória de Bruno Covas (PSDB) em São Paulo expressa bem essa tendência. Tentando desvencilhar-se da política abertamente genocida de Bolsonaro e escondendo seu padrinho João Doria, o prefeito reeleito tem uma relativa boa avaliação no gerenciamento da pandemia, ainda que, fechadas as urnas, tenha ficado evidente que, tanto a prefeitura quanto o governo Doria mentiram e esconderam os dados da real situação da doença na cidade.

Enfrentar Bolsonaro, Guedes e o projeto da direita liberal nas lutas

A vitória dos setores da direita tidos como representantes preferenciais da burguesia, como o PSDB, fortalece um programa de ataques contra os trabalhadores com vários pontos em comum com o programa de Paulo Guedes. Isso significa, ao fim e ao cabo, despejar a crise sobre as costas dos trabalhadores. Da mesma forma, embora tenha tido uma derrota eleitoral, Bolsonaro não está morto. Ele, Guedes, Rodrigo Maia e cia. virão com tudo contra a classe trabalhadora no próximo período.

O desejo por mudança, porém, ainda que não tenha se expressado de forma plena nas urnas, avançou, e, mais cedo do que tarde, as mentiras e o que foi encoberto na campanha virão à tona. Fica, assim, ainda mais urgente construir uma unidade da classe na luta para derrotar o governo e esses ataques.

 

DISPERSÃO

Um quadro de fragmentação eleitoral

Eleição reafirma dispersão da ultradireita e da direita tradicional, assim como da esquerda institucional

Analistas burgueses afirmam que essas eleições marcaram uma vitória do chamado centrão. Alguns até relativizam a derrota de Bolsonaro diante do fortalecimento dos partidos que constituem sua base no Congresso Nacional. A realidade é que o centrão é um conjunto amorfo, que expressa melhor uma dispersão da direita. Se o segundo turno levou a certa recuperação da direita tradicional, como DEM e PSDB, também não há hegemonia definida nesse campo.

O PSDB, por exemplo, diminuiu o número de prefeituras que comanda, mas a vitória em São Paulo ajuda a reequilibrar esse resultado. Os tucanos estarão à frente da maior fatia da receita dos 95 maiores municípios do país, um orçamento que totaliza R$ 155 bilhões. O DEM também sai fortalecido, quase triplicando o número de prefeituras, e em capitais como Rio, Salvador, Curitiba e Florianópolis, comandando um orçamento de R$ 91 bilhões.

Já os partidos do centrão tiveram desempenho contraditório. O MDB perdeu prefeituras, mas continua sendo o partido que mais governa municípios. O PSD de Gilberto Kassab e do prefeito reeleito de BH, Alexandre Kalil, cresceu, assim como o PP. Mas PL, PTB e Republicanos retrocederam. A verdade é que o que se chama de centrão é uma colcha de retalhos de partidos fisiológicos e corruptos que, no mais das vezes, representam interesses regionais e, não raro, disputam entrei si nas eleições.

Essa fragmentação ocupou o lugar da antiga polarização do PT versus PSDB, e a polarização eleitoral que ocorreu em 2018, entre PT e Bolsonaro.

 

GOSTO AMARGO

Perda da hegemonia do PT

O PT saiu das eleições com o amargo gosto de derrota política, mostrando que o processo de ruptura de massas com o partido não foi revertido. Apesar de ter levado 15 candidatos nas 57 cidades nas quais houve segundo turno, elegeu apenas quatro prefeitos: em Contagem e Juiz de Fora, em Minas Gerais, e em Diadema e Mauá, no grande ABCD Paulista. Pela primeira vez desde a redemocratização, está fora do comando das capitais.

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ato na Avenida Paulista contra o impeachment e a favor da democracia (Juca Varella/Agência Brasil)

Em 2012, o PT governava 630 prefeituras. Em 2016, ano de sua maior crise, em que viu sua pior performance, levou 256. Agora, são apenas 183. Continua sendo o maior partido da esquerda parlamentar institucional, mas vai perdendo protagonismo. O espaço deixado pelo PT, por sua vez, foi ocupado, em parte, pelo PSOL, dando protagonismo político a esse partido, que chegou ao segundo turno em São Paulo e cravou Guilherme Boulos como um dos principais nomes desse campo político em nível nacional. Nesse sentido, Manuela D’Ávila, do PCdoB, também se fortalece, embora também tenha perdido no segundo turno em Porto Alegre e, em nível nacional, seu partido tenha tido uma derrota eleitoral, inclusive porque Flávio Dino não conseguiu emplacar um candidato seu em São Luís (MA).

Porém o PT não só não está morto, como é um partido muito mais forte e muito mais sólido do que o PSOL.

Já no Nordeste, o PDT de Ciro Gomes ocupa certo espaço da oposição a Bolsonaro ao levar Fortaleza, aliás, com uma diferença mínima de votos, e Aracaju. O PSB, do qual o PDT é aliado, por sua vez, venceu em Recife, inclusive em cima do PT, e Maceió.

 

NO CAMINHO DA CONCILIAÇÃO

PSOL ocupa parte do espaço do PT e aprofunda adaptação

No processo de desgaste do PT, o espaço deixado pelo partido vem sendo ocupado principalmente pelo PSOL, que levou cinco prefeituras, quatro em pequenas cidades e a capital Belém (PA) com Edmilson Rodrigues. Além disso, teve significativo avanço na Câmara Municipal de várias cidades.

Contudo foi em São Paulo que o PSOL ganhou projeção nacional com a ida de Guilherme Boulos para o segundo turno. Capitalizando um forte sentimento de mudança a partir da juventude, Boulos avançou no eleitorado tradicional do PT, quase reeditando o mapa de votos de Haddad em 2018. O resultado final das urnas coloca Boulos como um dos principais representantes da oposição parlamentar.

O crescimento do PSOL, porém, ocorre na mesma proporção em que o partido vai à direita, defendendo a união com partidos e setores burgueses. Em São Paulo, por exemplo, desde o início da campanha Boulos reivindicou a prefeitura de Erundina, sua vice, que governou dentro do sistema e da lógica eleitoral e chegou a reprimir uma greve da antiga estatal de transportes, a CMTC, demitindo mais de 400 trabalhadores. Isso sem dizer que foi ministra do governo de Itamar Franco (PMDB).

No decorrer da campanha, foi aproximando-se de setores empresariais. Reuniu-se com empresários progressistas da Faria Lima, defendeu a manutenção das creches conveniadas, ou seja, creches públicas geridas pela iniciativa privada, e por fim recebeu apoio e doação de setores financeiros, incluindo Luís Rheingantz, que já ocupou a presidência da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec).

A campanha terminou com um chamado a uma frente ampla com vistas a 2022, reunindo de partidos de esquerda a partidos burgueses como o PSB e o PDT. O PSOL, assim, segue avançando rapidamente pelo mesmo caminho trilhado pelo PT.

 

SEM TRÉGUA

Organizar o terceiro turno nas lutas

Esperar as eleições de 2022 para enfrentar Bolsonaro ou apostar num programa de conciliação de classes é o caminho certo para a derrota

Durante as eleições, vivemos um período de certa trégua. O governo Bolsonaro, o Congresso Nacional, os governadores e os próprios prefeitos deram uma segurada no conjunto de ataques preparado, esperando só as urnas fecharem. Nem bem o segundo turno terminou, estão avançando com a aprovação da reforma tributária no Congresso, com a reforma administrativa que representa um duro ataque aos serviços e servidores públicos, além da privatização e da entrega do país.

Estão todos juntos nesse projeto de responder ao aprofundamento da crise despejando ainda mais seus efeitos nas costas dos trabalhadores, de Bolsonaro e Guedes, passando pelo Congresso e governadores e até os recém-empossados prefeitos. Em São Paulo, João Doria escancarou o estelionato eleitoral do PSDB, que passou a campanha inteira negando o avanço da pandemia e, horas depois da votação, decretou o retrocesso na liberação da economia, pois a contaminação está descontrolada no estado.

Ao mesmo tempo, o corte do auxílio emergencial pela metade já jogou milhões de pessoas na miséria. O desemprego oficial, de 14,1% é recorde, tendo aumentado em 3,6 milhões o número de trabalhadores sem emprego só de maio a outubro. O fim definitivo do auxílio a partir de janeiro ou a sua redução a apenas uma parcela dos antigos beneficiários aprofundará ainda mais a crise social num momento em que vivemos uma alta no preço dos alimentos e que a pandemia recrudesce pela ação irresponsável e genocida dos governos.

 

UNIDADE

Frente única e unidade para lutar

É urgente organizar uma luta unificada contra esses ataques e em defesa da vida, do emprego, do salário, da renda e da soberania. É justamente na luta direta que podemos resistir e derrotar Bolsonaro, Guedes, Congresso Nacional, governadores e prefeitos. Priorizar o jogo eleitoral esperando até 2022 para enfrentar o governo é o caminho certo para a derrota, assim como a aposta num programa de conciliação com a burguesia e a sua política de ajuste, no atacado, e penduricalhos sociais no varejo.

Devemos exigir a unificação das lutas para barrar o conjunto de ataques do governo Bolsonaro e Guedes, que serão ataques encabeçados também pela direita democrática liberal que acabou de ter uma vitória nas eleições.

Nesse sentido, em vez de uma frente ampla com partidos da burguesia, como o PSB ou o PDT (que em Salvador apoiou o DEM), além de empresários e banqueiros supostamente progressistas, para as eleições de 2022, as direções do movimento e de partidos como PSOL, PT e PCdoB deveriam estar empenhadas em organizar a classe, o povo pobre e os setores oprimidos para enfrentar e derrotar já Bolsonaro e seus planos e uma saída de independência de classe para a crise, não a defesa de frente ampla de colaboração de classes, como apontou Boulos no encerramento das eleições.

 

SAÍDA

Uma alternativa de classe e socialista

Derrotar o governo genocida de Bolsonaro e sua política vai tornando-se cada vez mais uma questão de vida ou morte. Não é possível enfrentar até o fim e barrar o ajuste em aliança com os capitalistas. É preciso luta e independência de classe, porque aliança com a burguesia amarra as mãos da classe trabalhadora, bloqueia sua força e não permite que ela atue no seu terreno.

É necessário apontar um horizonte estratégico para os trabalhadores e o povo pobre, que signifique uma real mudança em nossas condições de vida. É preciso apontar para a superação do capitalismo e uma sociedade de outro tipo, socialista, sem exploração nem opressão.

Para isso, é preciso também seguir defendendo e construindo uma alternativa de classe, revolucionária e socialista, que defenda um governo socialista dos trabalhadores em conselhos populares organizados nos locais de trabalho, nas periferias, nas escolas etc., que seu próprio destino seja colocado nas mãos dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido, que são a ampla maioria da população.