Marine Le Pen, da Frente Nacional da França

Além da grande abstenção, que em alguns países chegou a mais de 80%, o resultado das eleições europeias é considerado por alguns meios da imprensa imperialista como um verdadeiro terremoto político.[1]

As vitórias do partido de ultradireita Frente Nacional de Marine Le Pen na França (25% dos votos) e do populista de direita UKIP de Nigel Farage na Inglaterra (29%) e, em outro sentido, a vitória eleitoral do Syriza na Grécia, expressam o quadro de polarização social crescente no continente. E o aprofunda.

A estes dois elementos agrega-se um terceiro, a débâcle dos partidos oriundos da socialdemocracia, cuja tendência geral foi de aprofundamento de sua crise e, salvo exceções, a derrota da maioria dos partidos governantes.

Todos notam um fato inquestionável: o resultado mais geral destas eleições indica, apesar das desigualdades nacionais e contradições, um voto contra a austeridade, contra a UE e o Euro, capitalizado pela direita, à exceção da Grécia e do Estado Espanhol, como veremos adiante.

Um voto contra os governos
Com exceção da Alemanha e Itália, onde os partidos governantes foram os mais votados nestas eleições (colocamos o Estado Espanhol como um caso à parte, pois, apesar do PP ter sido o partido mais votado, caiu de 42,23% em 2009 para 24% em 2014, perdendo 2,5 milhões de votos), os partidos governantes que aplicam os planos de ajuste, seja da direita tradicional ou da socialdemocracia, sofreram uma profunda derrota. Foi claramente um voto contra os cortes e o desemprego que atinge o número fabuloso de 26 milhões de trabalhadores, sendo que, no caso da juventude, a taxa de desemprego na Grécia chega a 60% e no Estado Espanhol alcança 55%.

Os votos no CDU de Ângela Merkel aumentaram de 30% para 35,3% em relação a 2009 e no SPD [socialdemocrata] de 20% para 27% (há um governo de coalizão entre estes partidos na Alemanha) e, no mesmo sentido, na Itália (o PD passou de 26,13% em 2009 para 40%). No entanto, tomando a votação de conjunto na Europa, o grupo parlamentar da Democracia Cristã (PPE, Partido Popular Europeu) caiu de 35,72% para 28,5%. O mesmo castigo sofreram os partidos do governo em Portugal, o PSD e o CDS caíram de 31,71% em 2009 para 27,7%. No entanto, esta perda foi capitalizada pelo PS, que conseguiu 31,5% dos votos, contra 26,53% em 2009.

O alto índice de abstenção nas eleições não condiz com a grande propaganda de que foi mantido o índice de 2009. Em países como a Eslováquia, a abstenção foi de 87%; na República Checa 80,5%; na Polônia se aproximou dos 80%. Ou seja, em todo o leste europeu, submetido ao saque e exploração dos países imperialistas centrais, particularmente da Alemanha, o índice de abstenção foi muito superior aos números globais alardeados pela imprensa.

No ocidente, a abstenção em Portugal foi de 66% e na Inglaterra de 64%, e expressa o mesmo fenômeno, com profundas diferenças no interior de cada país. Nas regiões e bairros operários das grandes cidades, a abstenção é superior, indicando que amplos setores do proletariado se negaram a votar.

A partir daí, entramos na zona do propalado “terremoto político”. O PASOK grego caiu de 36,65% em 2009 para 8%, ficando em quarto lugar. A crise se aprofunda com votações adjetivadas de históricas na trajetória eleitoral destas organizações que foram o sustentáculo dos regimes da democracia burguesa europeia e se confundiam com o Estado de Bem-estar Social que elas mesmas estão destruindo, servindo de aríete ao capital financeiro.

Assim, o discurso populista, racista e contra a UE de Nigel Farage do UKIP na Inglaterra obteve o primeiro lugar, deixando trabalhistas e Tories em segundo e terceiro lugar, o que não ocorria desde 1910. Leve-se em consideração o fato de que os trabalhistas estão na oposição na Inglaterra. O mesmo ocorre com o PSOE na Espanha que, mesmo na oposição, baixa de 38% em 2009 para 23% e perde três milhões de votos. O resultado das eleições levou à renúncia de seu secretário geral e à convocação de um congresso extraordinário. Esta mesma crise é ainda mais profunda na França, onde o PS teve o pior resultado eleitoral de sua história e foi parar no terceiro lugar com 14% dos votos.

Os partidos com origem na velha socialdemocracia convertidos em social-liberais apresentaram a UE como um modelo de integração que acabaria com as desigualdades no continente. Mas foram seus governos que impuseram “os critérios de Maastricht” e aprovaram a “estratégia de Lisboa”, dando início, nos anos 90, ao ajuste estrutural e à destruição das conquistas históricas da classe trabalhadora. A alternância nos governos com a Democracia Cristã, que marcou a maioria dos governos europeus depois da segunda guerra, chega ao fim. Esse é o fato mais relevante destas eleições.

Mas este processo não se dá sem contradições, ele não somente libera forças à esquerda. O crescimento da ultradireita e de organizações fascistas como o Aurora Dourada já é parte da realidade política da Europa.


Nigel Farage, representante da ultradireita no Reino Unido

A ultradireita capitaliza o descontentamento social
A imprensa apresenta a vitória eleitoral de Nigel Farage (UKIP) na Inglaterra e Marine Le Pen (Front National) da França como um terremoto ultradireitista. O profundo significado político do resultado eleitoral não está concentrado somente no peso adquirido por estes partidos no parlamento europeu[2] mas, no fato de que não se pode conceber a UE sem o acordo entre os imperialismos alemão e francês. E, por mais distorcido que seja o resultado eleitoral, houve um profundo rechaço à UE na França, capitalizado pela Frente Nacional.

O partido da Frente Nacional é mais conhecido por suas posições racistas e xenófobas, pelas quais acusam os imigrantes pelo desemprego e pela redução do valor das aposentadorias dos franceses, causada, segundo Le Pen, pelas ajudas sociais aos trabalhadores imigrantes. Mas este discurso é somente uma parte de sua agitação. Nestas eleições, a FN foi às ruas defender algo mais do que seu racismo habitual. Em seu programa afirmaram claramente: “A saída do euro e da UE. Necessitamos recuperar a nossa moeda nacional e as prerrogativas do Banco da França para dinamizar nossas exportações, nossa indústria e o emprego”.

Sobre o acordo de livre comércio entre a UE e os Estados Unidos, defenderam: “Não ao tratado de livre comércio com os EUA”.Afirmando que este país é uma “máquina de guerra ultraliberal, antidemocrática, antieconômica e antissocial”. E caso o acordo seja adotado, significaria que “todas as normas ambientais, agrícolas e alimentares serão modificadas em benefício das grandes multinacionais”.

O fato é que um em cada quatro eleitores franceses votou nestas posições. Em outras palavras, votaram claramente pela saída do Euro. Segundo um jornalista, o programa da FN é uma defesa nostálgica dos velhos Estados-nação.

Na verdade, a nostalgia é pelo papel que o imperialismo francês ocupou como chefe da Europa. Sendo a UE um instrumento do imperialismo francês, ela não dita a política dos governos franceses. São os capitais financeiros francês e alemão que ditam a pauta do ajuste estrutural europeu. A UE é tão somente o instrumento de sua aplicação na maioria dos países dominados.

Ocorre que a decadência da França não é somente o resultado da crise iniciada em 2007. Esta somente exacerba a queda das exportações, o fechamento de fábricas, a deslocalização de empresas e o aumento do desemprego. Para o capital financeiro francês não há outra saída a não ser avançar nas reformas, ou seja, no ataque aos trabalhadores e suas conquistas históricas.

O nacional-imperialismo de Le Pen nega a UE e reafirma o imperialismo francês, agora o segundo na fila da UE; por isso é profundamente reacionário. Expressa a crise dos pequenos e médios empresários arruinados pela crise e pela livre circulação de capitais. Estes encontram na Frente National e seu discurso anti-UE uma explicação para sua ruína, bem como os trabalhadores desempregados e a pequena produção agrícola.

A fraude eleitoral representada pela eleição de Hollande, pois este fez o oposto do que prometeu ao iniciar um programa de cortes de 50 bilhões de euros do orçamento logo depois das eleições municipais, abriu o caminho para a Frente Nacional. Infelizmente, na França não houve nenhum setor da esquerda que, desde uma perspectiva anticapitalista e anti-imperialista, levantasse a necessidade de destruir a UE, este instrumento a serviço do capital financeiro europeu e particularmente do francês.

Mesmo não sendo a opção prioritária do capital financeiro francês, os processos políticos marcam o seu próprio ritmo. O aumento da polarização social e o discurso populista abriram o caminho eleitoral entre setores do proletariado. A vitória de Le Pen não questiona a política de ataque aos trabalhadores. Mas o resultado das eleições, como se pode ver no debate sobre a indicação do presidente da CE (Comissão Europeia), atuará no sentido de mudar a agenda da socialdemocracia francesa, tanto no que se refere ao aprofundamento do ataque aos trabalhadores imigrantes quanto no sentido de pressionar a Alemanha para afrouxar o torniquete.

Ainda que incomparavelmente distinto da França e Inglaterra, tampouco a Alemanha ficou de fora do fenômeno político que arremeteu contra a UE e o Euro. O Alternative für Deutschland (AfD), partido que surgiu de uma ruptura da CDU alguns meses antes das eleições nacionais de 2013 e que defende abertamente a ruptura com a UE, teve 7% dos votos. E na Itália, apesar da vitória do Partido Democrata (PD), o segundo lugar (com 21,2% dos votos) foi conquistado pelo Movimento Cinco Estrêlas de Beppe Grillo, um partido populista e reacionário contra a UE, enquanto a Liga Norte, um partido de direita que esteve a ponto de desaparecer depois das eleições legislativas do ano passado, devido à crise de sua direção histórica (Bossi), se recupera. Defendendo claramente, a partir do imperialismo italiano, a saída do Euro (além de uma política contra os imigrantes), alcançou 6,16%.

O mais preocupante para os trabalhadores gregos e europeus é o resultado de duas formações que se reivindicam claramente fascistas – o Aurora Dourada na Grécia, com 9,4% dos votos e 3 deputados eleitos, e o nazista Partido Nacional Democrático da Alemanha, com 1% dos votos e um deputado. Ao contrário da ultradireita parlamentar, estes partidos claramente fascistas ainda não conseguiram utilizar métodos de guerra civil contra o proletariado, embora tenham tentado. Refletem um grau superior de polarização social.[3]

A esquerda reformista
Ao contrário da França e Inglaterra, tanto na Grécia quanto no Estado Espanhol as eleições refletiram um giro eleitoral à esquerda. Foi onde o neorreformismo conseguiu ocupar a crise aberta pelos partidos social-liberais. Na Grécia, a vitória eleitoral do Syriza com 26,6% (6% para o KKE e 0,75% para a Antarsya) reforça sua posição como uma alternativa eleitoral real nas próximas eleições gerais. Apesar de seu programa defender a reestruturação da dívida e não enfrentar a necessidade de uma ruptura com a semicolonização da Grécia, a maioria dos trabalhadores considera este partido um instrumento para mudar suas vidas.

E no Estado Espanhol, o fenômeno eleitoral de Podemos (7,97%), que conseguiu ser a expressão política do 15M e do movimento dos indignados, é o fato novo mais importante das eleições. Centrado na figura de Pablo Iglesias (comentarista político em programas televisivos e professor universitário), elegeu cinco eurodeputados. Embora seu programa se situe em muitos elementos à direita da Izquierda Unida, o Podemos aparece não somente como expressão da crise social, mas também expressa a bronca com os partidos do regime, o “não nos representam” gritado nas manifestações, o desgaste da democracia burguesa e do bipartidarismo, que dificilmente Izquierda Unida, que governa com o PSOE na Andaluzia, poderia expressar.

Se ao resultado de Podemos agregarmos a votação da IU (9,99%) e a votação histórica da Esquerra Republicana, o partido mais votado na Catalunha, e de Bildu no País Basco, estas organizações expressaram o rechaço às medidas de Rajoy e da UE[4] e aprofundam a crise do regime.

Entre os partidos mais importantes do PEE (Partido da Esquerda Europeia, que congrega os partidos reformistas e neorreformistas) além dos que mencionamos acima, apesar de votações importantes, não chegaram a capitalizar a bronca e a polarização social. DieLink na Alemanha teve 7,40% dos votos; a Front de Gauche de Melenchon na França (6,34%); na Itália, a coalizão L’Altra Europa – Con Tsipras, conformada pelo SEL (Sinistra e Libertá) e Rifondazione, chegou a 4,3%, um resultado bem abaixo das eleições de 2009 (6% e menos votos em números absolutos). Em Portugal, o Bloco de Esquerda baixou de 10,72% em 2009 para 4,56% (perdeu 250 mil votos). Em contraste, o PCP aumentou dos 10,64% obtidos em 2009 para 12,67%, um crescimento menor do que a perda de votos do BE.

Os partidos à esquerda da Front de Gauche na França, o NPA (0,3%) e a Lutte Ouvriere (1%)  obtiveram resultados piores que em eleições anteriores.

A campanha das seções da LIT
Estamos profundamente orgulhosos da campanha eleitoral das seções da LIT, que participaram das eleições europeias pela primeira vez. Sendo os resultados eleitorais modestos, reafirmaram a batalha política por um programa e a necessidade de construir uma alternativa da classe trabalhadora. Tanto o MAS em Portugal quanto a Corriente Roja no Estado Espanhol abriram suas listas para os ativistas das lutas. Em Portugal, a incorporação de companheiros da luta dos transportes da cidade do Porto e ativistas dos Callcenters e a denúncia de que o Euro afunda o país; a reivindicação das grandes manifestações contra a Troika nos programas de TV e a defesa da luta dos trabalhadores como única alternativa marcaram a campanha eleitoral do MAS, que obteve 0,38% dos votos (12.440 votos).

A Corriente Roja teve cinco mil votos, e também abriu sua lista a ativistas independentes, incorporando trabalhadores da limpeza de Madri, que recentemente realizaram uma importante greve que polarizou a cidade, e dois mineiros das Astúrias. A lista foi encabeçada por um trabalhador da UPS (empresa multinacional de logística), símbolo da luta contra as demissões em Madri. Os programas de TV mostraram a greve de mais de sete meses dos trabalhadores da Pan Rico, na Catalunha, contra o corte nos salários e demissões.

Instabilidade no continente se mantém
Por fim, os quatro elementos que descrevemos ao longo deste artigo, combinados em proporções diferentes e refletindo a crise e o grau do ajuste estrutural em cada um dos países, definem o resultado destas eleições: se mantém uma grande abstenção eleitoral seguindo uma tendência decrescente de votos nas eleições europeias, com níveis superiores nos países do leste; os partidos da Democracia Cristã (PPE) e os social-liberais (PSE) que governam a maioria dos países de Europa perdem votos, com raras exceções na Alemanha e Itália; com exceção de Grécia e do Estado Espanhol, o neorreformismo europeu capitaliza somente uma parte da crise. E o crescimento da ultradireita nos países centrais, incluindo setores claramente fascistas, foi o fato político central.

Mas, independente da forma e do peso com que os elementos acima se combinem, em nenhum caso estes resultados apontam para um período de estabilidade política.

[1] http://www.economist.com/blogs/charlemagne/2014/05/european-elections-0

[2] Definidos como eurocéticos, a ultradireita, populistas e diretamente fascistas, chegaram a quase 13% do parlamento europeu.

[3] Alguns resultados da ultradireita não citados no texto: DF foi o primeiro  partido na Dinamarca, passou de 14% para 26%; na Áustria a FPOE chegou a 20%; na Hungría, o  Jobbik teve  15%; a Liga Norte de Salvini na Italia se recuperou depois dos escândalos de corrupção (6,15%). Na Letônia: Tudo por Letônia com 14% (em aliança). Lituania: Ordem e Justiça com  14,27%; Finlândia: Verdeiros Finlandeses,  12,90%.

[4] Comparado com as eleições europeias de 2009, quando o PP e o PSOE juntos tiveram 80% dos votos, agora estes partidos perdem 30% dos votos.