George Bezerra, de Fortaleza (CE)

A Primavera dos povos árabes não cessou

As massas egípcias se entregam, de forma apaixonante, à luta política. Derrubaram Mubarak e, agora, colocaram abaixo o governo de Morsi. Escrevem mais um capítulo da revolução árabe. Querem liberdades democráticas, alimentos mais baratos, melhores condições de vida e trabalho e o fim do desemprego, que se abate, principalmente, sobre a juventude. Querem um governo não aliado a Obama e ao Estado de Israel, o rompimento de acordos que os governos fizeram com o imperialismo, expresso em planos econômicos que jogam o país num grave quadro social. Solidarizam-se com seus irmãos árabes que também lutam contra o julgo de governos tiranos e o imperialismo. 17 milhões foram às ruas do Egito e várias praças Tahir se formaram nestes últimos dias.

Certo articulista escreveu no dia 2 de julho um artigo intitulado ”quando o golpe vem das ruas”. No dia 3, a grande imprensa mundial divulgou uníssono: “um golpe de Estado depõe Morsi!” Muitos ativistas podem pensar: houve um golpe de Estado naquele país contra a democracia? Afinal de contas, Morsi é o primeiro presidente civil eleito do Egito? Quem derrubou Morsi? A revolução ou os militares? Os trabalhadores e a juventude lutam pelo o quê? Torcem pelo regime militar ou almejam um regime democrático?

As palavras de ordem dos milhões nas ruas eram: “Saia Morsi! Queremos novas eleições!” Além disso, seguem reivindicando mudanças na situação econômica e social do país. Isso não é golpe. As mobilizações no Egito são progressivas e dão continuidade ao vigoroso processo revolucionário que sacode o mundo árabe e o norte da África. Mais do que isso, a revolução egípcia fez cair um “governo civil”, mas que no fundo preservou o regime militar e os negócios da burguesia militar egípcia.

Como diz a declaração da Liga Internacional dos Trabalhadores: “estamos diante de uma imensa vitória das massas, que a entendem e a festejam como tal nas ruas e praças de todo o país. É uma vitória porque o elemento determinante da derrota de Morsi foi a colossal mobilização das massas. É este o conteúdo essencial do fato e do processo. Por isso, não podemos nos enganar ante a forma em que se deu a deposição final de Morsi: uma intervenção direta ou golpe político do Exército”.

Havia sim o risco das Forças Armadas assumirem o poder de forma mais direta.* Nas revoluções, não cabe espaço para ingenuidade política. O que a heroica revolução egípcia confirma, a cada novo desenlace, é a máxima elaborada por Trotsky: ”A crise da humanidade é sua crise de direção revolucionária”. Em outras palavras, na ausência de uma alternativa de direção que surja das mobilizações, com autoridade conquistada perante as massas, uma estratégia que impulsione a ação direta, a construção de um poder alternativo ao do regime militar, dotada de um programa anticapitalista e anti-imperialista que abarque a resolução dos problemas democráticos, sociais e econômicos egípcios, pode ocorrer o fato de uma nova direção burguesa assumir o controle do país ou das Forças Armadas arbitrarem mais incisivamente sobre a vida política através de um governo militar ou cívico-militar.

Nos dias que antecederam sua queda, Morsi era um presidente que já não governava. Os militares trabalharam com a possibilidade de formar um amplo governo de colisão que incorporasse a Irmandade Mulçumana e as forças burguesas oposicionistas. Quer dizer, um novo governo burguês que preservasse o regime militar no país, mas com uma cara civil. Diante da grave crise de cúpula, a saída adotada foi sacrificar o governo de Morsi e empossar o atual chefe da Corte Suprema Constitucional, Adly Masour, cuja tarefa é elaborar uma nova constituição e conduzir um processo de transição até a convocação de novas eleições. Fizeram isso não por vontade própria, mas para tentar desviar o curso das mobilizações.

A queda de Morsi pela força das mobilizações provoca um maior enfraquecimento do regime militar, o qual queimou mais um cartucho para preservar seus interesses e do imperialismo. O governo que assume é débil e não atenderá as demandas mais imediatas da revolução. Pode ser que a paciência das massas se esgote, estragando o roteiro pensado pelos militares. As vitórias conquistadas até o presente momento alavancaram a moral povo egípcio e o deixa em melhores condições para lutar por liberdades democráticas e mudanças na estrutura social e econômica do país.

Cedo ou tarde, a revolução egípcia vai se colocar, de maneia mais aberta, contra a corrupta Forças Armadas e seus membros, que, pelo seu passado de luta contra o imperialismo, ainda goza de prestígios em parcelas importantes da população.

Há muito tempo que o Exército egípcio abandonou a luta contra o imperialismo e o Estado de Israel. A alta cúpula dessa instituição dirige os negócios do Estado e forma o grosso da elite e da burguesia nacional egípcia, que mantém laços fortes com as multinacionais imperialistas. Controlam cerca de 40% da economia do país e recebem a singela “ajuda” de US$ 1,4 bilhão do governo norte-americano por ano. Esses dois dados dão pistas para entender o caráter de classe do exército e suas posições políticas, principalmente de sua alta hierarquia. Não estamos falando mais das Forças Armadas da época de Nasser. Se agudiza a situação revolucionária, a tendência é que as Forças Armadas se choquem brutalmente contra a revolução em curso para manter o controle do Estado, seus negócios e os do imperialismo.

A revolução vai enxergar, nessa instituição, um dos seus principais inimigos. Os trabalhadores e a juventude egípcia vão encontrar o caminho, saberão distinguir seus inimigos e aliados e forjar a unidade necessária para resolver os problemas nacionais que Mubarak, Morsi, o regime militar e a burguesia nacional são incapazes de resolver.
*Falamos em as Forças Armadas assumirem o poder de forma mais direta, porque, na verdade, o regime militar se manteve, apesar de mais enfraquecido, após a queda de Mubarak e também após a queda de Morsi. O exército egípcio é a maior força política do país.