Mursi, candidato islâmico declarado eleito pela Junta Militar

Após alguns dias de suspense finalmente foi divulgado, no último dia 24, pela Comissão Eleitoral egípcia, o resultado das eleições presidenciais do país. O resultado reconheceu a vitória de Mohammed Mursi, candidato da Irmandade Mulçumana. Pouco mais de 50% do conjunto dos eleitores inscritos votaram no segundo turno das eleições presidenciais. Segundo a Comissão Eleitoral, a Irmandade Mulçumana obteve 52 % dos votos válidos contra Shafiq, candidato da Junta Militar e ex-premiê da ditadura de Mubarak.

Todo o processo eleitoral foi marcado por crises desencadeadas pela pressão dos militares. Antes das eleições, a Junta Militar anunciou a dissolução do Parlamento – no qual a Irmandade tinha maioria – que havia sido eleito democraticamente como parte do processo de transição negociado com os próprios militares. Assim, todo o poder legislativo voltou para as mãos das Forças Armadas até que se realizem novas eleições parlamentares. A medida impediu que o Parlamento redigisse uma nova Constituição o que, portanto, redefiniria as atribuições das instituições no país, inclusive das Forças Armadas e do próprio presidente.

Mas a dissolução do Parlamento foi acompanhada por outras medidas anunciadas pela Junta. Todas elas reduziram drasticamente os poderes do presidente eleito. Por meio de “emendas”, a Junta Militar atribui pra si a exclusiva para decidir sobre os assuntos militares, como a declaração de guerra, orçamento militar etc. Aqui, não só os privilégios dos militares que estão em jogo. A medida responde a todo ordenamento geopolítico do Oriente Médio, começando pelos acordos de paz de Camp David, que asseguram o enclave imperialista israelense. Tanto os militares como o imperialismo norte-americano não confiam essa tarefa à Irmandade Mulçumana, mesmo que essa se esforce em dizer que vai respeitar todos os acordos com Israel.

Outros decretos transferiram o poder de legislar para as Forças Armadas, que assumiu o poder de veto sobre qualquer artigo de uma futura nova Constituição do país, sancionando apenas aquilo que estritamente de seu interesse. Além disso, os militares poderão decidir sobre a dissolução ou não de uma futura Assembleia Constituinte.

É importante lembrar que a cúpula das Forças Armadas é mais do que uma casta privilegiada incrustada no aparato de Estado. É parte (e talvez a fração mais importante) da burguesia do país. Analistas avaliam que pelo menos 40% da economia do Egito estejam sob o controle dos militares. Décadas de ditadura permitiram que a cúpula militar pudesse usufruir em beneficio próprio o enorme fluxo de recursos do aparato de Estado. A Junta Militar teme perder o controle sobre essas empresas

Pressão e ameaças
Por outro lado, as medidas anunciadas representam uma clara tentativa da Junta Militar impor um golpe, uma derrota às jornadas revolucionárias que derrubaram a ditadura de Mubarak.

Como se não bastasse, a Junta Militar demorou uma semana inteira em reconhecer os resultados. Em meio à crise, Shafiq, o candidato dos militares, se auto-proclamou vencedor das eleições. É importante lembrar que a Junta revogou a lei que proibia a candidatura do primeiro ministro do Mubarak à presidência da Republica. Assim, estava se preparando uma fraude eleitoral, orquestrada pelos militares. Se Shafiq fosse declarado vencedor, a revolução sofreria um duro golpe que desataria uma onda de repressão sangrenta por parte das forças da ordem.

Em resposta, a Irmandade chamou seus apoiadores a saírem às ruas e a ocupar a Praça Tahir, ao mesmo tempo em que Mursi se proclamava como vencedor das eleições. Milhares de ativistas ocuparam a praça, pressionando a Junta Militar para reconhecer a vitória da Irmandade. Enquanto isso, a Junta chantageava a Irmandade para tentar obrigá-los a negociar com eles e, sobretudo, para que aceitassem as novas “regras do jogo”.

Os 16 meses em que os militares ficaram à frente do poder acabaram permitindo que as Forças Aramadas pudessem recuperar suas forças. Por outro lado, Irmandade Muçulmana, principal partido de oposição, aceitou todas as condições exigidas pelos militares após a queda de Mubarak. Assim, tentavam canalizar a “primavera” pela via morta das eleições.

A presença dos militares à frente do governo representa um claro obstáculo a qualquer avanço. Ao mesmo tempo, há motivos de sobra para não confiar no novo governo da Irmandade Mulçumana que vai buscar a conciliação política com os militares. Só a volta das mobilizações de massas à Praça Tahrir poderá derrotar os militares e fazer avançar a revolução.