Revolução egípcia continua e agora enfrenta o regime militar, resquício da ditadura Mubarak; repressão já matou 30 pessoasMeses após a onda de revoltas que estremeceu o norte da África e derrubou a ditadura de Mubarak, as massas egípcias entram novamente em cena e mostram que a revolução não terminou. Desta vez, o alvo principal é a Junta Militar que substituiu o ditador e tenta agora se perpetuar no poder. Milhares de jovens tomaram mais uma vez a Praça Tahrir, no último dia 18, no centro do Cairo, exigindo a saída dos militares e a transição para um governo civil, via eleições.

A resposta do regime militar foi brutal. A repressão começou já no dia seguinte, com centenas de soldados e policiais. Duas pessoas teriam morrido nos enfrentamentos pelo controle da Praça Tahrir. Assim como na ditadura Mubarak, a repressão empreendida pelo governo só reforçou os protestos. Nas horas seguintes, milhares de jovens se encaminhavam à praça para enfrentar as forças de segurança.

O centro se transformou em uma enorme batalha campal pelo controle da praça. No dia 20 de novembro, segundo a imprensa internacional, 10 pessoas morreram. No dia 21, foram mais 14 pessoas. Enquanto fechávamos esse texto, o número de mortos chegava a 30. Já o número de feridos ultrapassava os 1700. Médicos que tratavam dos feridos em hospitais de campanha na praça afirmavam que muitos foram atingidos por armas de fogo.

Expressando a crise que atinge a cúpula do atual governo egípcio, o ministro da Cultura Emad Abu Ghazi renunciou, no dia 20, em protesto contra a repressão aos manifestantes. Na tarde desse dia 21, o governo interino (de fachada dos militares) encabeçado pelo primeiro-ministro Essam Sharaf apresentou sua demissão ao Conselho Supremo das Forças Armadas (Scaf, na sigla em inglês).

Golpe
Quando os jovens egípcios derrubaram a ditadura de Hosni Mubarak em 25 de janeiro último, pondo fim a 29 anos de ditadura, as Forças Armadas se colocaram como mediadoras rumo a um governo civil. Aproveitaram a autoridade que a instituição goza no país para se colocarem como forças supostamente neutras, mas logo revelaram suas verdadeiras intenções. Apesar de o povo egípcio ter arrancado importantes conquistas democráticas após a revolução, a repressão às manifestações continuou. Antigos líderes de Mubarak permanecem livres e impunes e os órgãos de repressão intocados.
A Junta também atua para se manter seu poder. No dia 28 de novembro estavam marcadas as eleições legislativas que elegeriam os parlamentares responsáveis por aprovar a nova constituição do país. A Junta, pelo cronograma anunciado, ficaria no poder até pelo menos o final de 2012, já que as eleições para o Executivo sequer estão programadas. Além disso, os militares querem manter seu poder aprovando medidas extra-constitucionais que manteriam a instituição independente do governo eleito. Teriam, na prática, poder de veto a qualquer medida de um futuro governo civil eleito nas urnas. Vários partidos anunciaram o boicote à farsa das eleições.
À frente do Scaf, e na prática no poder de fato do país, está Mohamed Husseni Tantawi, antigo aliado de Mubarak e seu ex-ministro de Defesa por 20 anos. Tantawi manteve intacta a estrutura autoritária da ditadura e comanda a repressão contra os manifestantes.

Revolução democrática prossegue
O povo egípcio, com os jovens à frente, por sua vez, não recua mesmo diante da dura repressão dos militares, que rapidamente vai se desgastando junto à população, na medida em que revela seu verdadeiro papel. Ao mesmo tempo em que tenta se perpetuar no poder, porém, o Scaf não tem forças para reimplantar uma ditadura nos moldes da Era Mubarak. A resistência nas ruas mostra que a população não aceita o retrocesso da revolução e os ânimos revelam que os milhares de jovens não recuarão até que a Junta Militar caia.

“As pessoas se sentem enganadas, e que eles mudaram de uma autocracia para uma ditadura militar”, afirmou à rede CNN o ativista Mosa’ab Elshamy. “O conselho militar é lixo. Mubarak ainda está vivo e bem, e as pessoas estão morrendo” disse Zahra, expressando a insatisfação da população. Além da manutenção de um governo autoritário, a pobreza, um dos principais motivos da revolta, continua fustigando principalmente a juventude egípcia.

O Movimento 6 de Abril, um dos protagonistas do levante contra a ditadura Mubarak, divulgou um comunicado em que exige a imediata convocação de eleições presidenciais, a serem realizadas até abril de 2012. Além disso, o movimento exige o julgamento dos líderes da repressão e a saída imediata de Tantawi. “O Movimento 6 de Abril declara que seus membros estarão protestando na Praça Tahrir até que esses objetivos sejam alcançados”, diz o comunicado.

“Estamos aqui hoje e estivemos esses dias nessa que é provavelmente a maior mobilização após Mubarak ter caído no dia 11 de fevereiro, para continuar essa revolução e terminar o trabalho que ficou inacabado, que é erradicar esse velho regime”, afirmou ao canal Al Jazeera o manifestante Hossam el-Hamalawi.
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