Eduardo Sorans foi um dos principais dirigentes da Brigada Simon Bolívar, grupo militar internacionalista constituído a partir de uma iniciativa de Nahuel Moreno para lutar contra a ditadura nicaragüense de Anastácio Somosa. Nessa entrevista concedida ao Portal do PSTU , Sorans conta em detalhes a ação militar da Brigada na revolução nicaragüense de 1979. Sorans é hoje um dos dirigentes da Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT), cuja sessão brasileira é a Corrente Socialista dos Trabalhadores, hoje no PSOL.
Na entrevista, o dirigente também avalia a importância do ato em homenagem á Moreno. “Pela primeira vez tenhamos nos encontramos e possamos iniciar um intercâmbio de diferenças, de posturas, para ver se não pode haver um reagrupamento de revolucionários morenistas” avalia.

Em primeiro lugar, nós gostaríamos que você nos falasse sobre um pouco sobre sua experiência com a Brigada Simon Bolívar e a relação desta política com Moreno

A Brigada Simon Bolívar foi um grande acerto de Nahuel Moreno, em 1979. Uma iniciativa não só dele, como de toda a LIT, que tiveram a iniciativa de formar uma brigada de combatentes, retomando uma tradição que foi abandonada pelo stalinismo desde a Guerra Civil Espanhola, em 1936, com as Brigadas Internacionais. Desde então nunca mais tinha havido uma brigada assim, de voluntários, de combatentes. Foi Moreno, nossa corrente, o trotskismo que, no caso da guerra civil niguaraguense, retomamos esta tradição. Foi uma Brigada baseada na unidade de ação, que na luta pela tomada de poder, na guerra civil contra Somoza, a Brigada combateu na Frente Sul. Tivemos companheiros que foram mortos, muitos foram feridos e também formou uma Coluna, na qual eu participei, que tomou, na Costa Atlântica, a cidade de Bluefield [uma região majoritariamente compostas por negros, como reflexo do período de colonização, que falavam um dialeto específico da região] onde tomamos o poder, em unidade com um outro setor (que era Sandinista, mas não estava organicamente organizado) e começamos a formar as milícias, a fundar sindicatos. Era e é uma cidade importante para a Nicarágua, devido ao porto existente lá. Assim começou o confronto com a milícia, porque, nesta cidade, não constituímos o mesmo tipo de governo que estava sendo constituído nacionalmente, com partidos burgueses, como o de Violeta Chamorro. Os “chamorritas” da cidade foram discutir com o Sandinismo como resolver este “problema” de uma Brigada Latino-Americana que havia tomado o poder na região. Este foi um dos muitos conflitos que tivemos com os sandinistas.

Depois, a Brigada fundou os primeiros sindicatos, o que aumentou ainda mais o conflito. Os Brigadistas eram colombianos, panamenhos, argentinos, costa-riquenses, com diferentes formações. Os trotskistas eram a minoria. Era uma Brigada fundamentada na unidade de ação e éramos independentes das políticas do sandinismo. Então, depois formamos os sindicatos e houve um forte confronto com o governo que terminou com a nossa expulsão, porque defendíamos que não houvesse ministros burgueses no governo, que a reforma agrária e as expropriações fossem aprofundadas etc, e por isso fomos expulsos.

Na época o companheiro militava em que setor e aonde?

Eu militava no PST argentino, na clandestinidade. Eu e Nora Ciapponi fomos os argentinos à Brigada.

Qual a importância das orientações de Moreno no que se refere à organização da Brigada e, fundamentalmente, no balanço sobre o processo? Já que os escritos de Moreno sobre a Nicarágua, até hoje, são considerados alguns de seus principais aportes.

O balanço foi positivo no sentido que foi um marco no que se refere às orientações de Moreno, de ser bastante flexível com as táticas. Por exemplo, Moreno nunca foi defensor da política guerrilheira, mas, neste caso, defendeu a relação com uma guerrilha que tinha sido foquista, mas que, neste momento, em 1979, se converteu num movimento de massas. Não era um foco guerrilheiro. E diante disto, tivemos uma unidade semelhante a que Trotsky defendeu em relação à Frente Republicana, na Guerra Civil Espanhola. Com independência política.

No operativo que fizemos em Bluefields foi a tentativa de criar um pólo independente. O problema é que o comando do Sandinismo, justamente o atual presidente, Daniel Ortega, ou os Ortegas, que dirigia a Frente Sul não permitiu que a Brigada atuasse como uma Coluna independente, como foi o caso das Brigadas Internacionais na Espanha. A integração dos combatentes tinha de ser feita em bases individuais. O operativo na Costa Atlântica, do qual eu participei, foi uma tentativa de desenvolver um papel independente, como também, do ponto de vista militar, tivemos uma política independente. O mesmo se deu depois da tomada do poder. Também, a experiência na Nicarágua também revelou que é muito difícil construir um partido em um momento como aquele, a partir de um pequeno grupo. É uma lição de que o partido tem que ser construído em um período bastante maior. Não que a iniciativa de construir o partido tenha sido errado, porque foi um marco político importante e uma tentativa correta de se construir um partido revolucionário. Tanto é assim que o Sandinismo e o Castrismo nos expulsaram exatamente para cortar pela raiz a possibilidade de se construir um pólo revolucionário na Nicarágua.

Quase 30 anos depois da Brigada e 20 anos desde a morte de Moreno, e com Daniel Ortega, de novo, no poder, como você avalia o ato e o resgate da trajetória da vida e do legado de Moreno?

Eu creio que, realmente, é uma confirmação da orientação que tivemos naquele momento, de independência frente ao Sandinismo, porque quase 30 anos da Revolução Nicaragüense e 20, desde a morte de Moreno, se confirma que o Sandinismo, como corrente pequeno-burguesa, nacionalista e que defendia um suposto socialismo colaborando com a burguesia e compactuando com o imperialismo se demonstrou com um discurso vazio. E, agora, quando Daniel Ortega volta a governar, através dos votos, com um governo de total conciliação de classe e com o imperialismo e a Igreja. Chegamos ao cúmulo de ver que o vice-presidente de Ortega é um ex-contra [grupo financiado pelo imperialismo que lutou contra os sandinistas após a tomada do poder] e que, inclusive, Daniel Ortega vive na casa deste vice-presidente, que foi tomada e expropriada pessoalmente por ele próprio. É, como se diz, uma daqueles situações em que Marx diria que “a história se repete como tragédia”.

Naquele momento, para a esquerda latino-americana nossa postura era tida como sectária. Muitos, inclusive nas fileiras do trotskismo, “justificavam” nossa expulsão, dizendo que nossa posição era “exagerada”, ultra-esquerdista. Isso era dito tanto pela trotskismo revisionista mandelista, pelo castrismo e outros setores da esquerda e lutadores de então, que viam o Sandinismo como um caminho. O mesmo que dizem hoje, quando criticamos a Chávez. Mas o fato de ter constituído um ponto de partida frente àquele foi fundamental para educar e continuar educando uma camada de revolucionários.

Neste sentido, eu acho que o ato foi muito lindo, muito importante. Sem dúvida, foi o ato mais importante no mundo em homenagem a Nahuel Moreno. Creio que o ato demonstrou o fortalecimento da presença do PSTU, com milhares de trabalhadores e jovens no Brasil que se reivindicam de Moreno. Por outro lado, a presença de dirigentes de organizações de outros países que também se declaram morenistas, como nosso caso, da Unidade Internacional dos Trabalhadores, que somos uma corrente internacional, que estamos na Argentina, Brasil, Venezuela, Bielo-Rússia, Panamá, Peru. Acredito que tenha sido um passo positivo que a LIT tenha tido uma atitude unitária e nos convidado, como também a outros dirigentes. Vemos como um passo positivo também, porque, desde a morte de Moreno, pela primeira vez tenhamos nos encontramos e possamos iniciar um intercâmbio de diferenças, de posturas, para ver se não pode haver um reagrupamento de revolucionários morenistas.