Francinildo foi contratado como carpinteiro pelo CCBM
Diego Cruz

Operário de Belo Monte fala ao Portal do PSTU sobre as condições dos trabalhadores da obra e as recentes grevesEntre as delegações que participam do I Congresso da CSP-Conlutas, destacam-se quatro operários vindos diretamente da região de Altamira (PA). Eles trabalhavam na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e estiveram à frente da revolta dos trabalhadores contra as más condições de trabalho e superexploração.

O Portal do PSTU conversou com Francinildo Teixeira Faria, carpinteiro que trabalhava na obra tocada pelo Consórcio Construtor Belo Monte há 70 dias. Francinildo, de apenas 29 anos e natural de Altamira mesmo, viu no início das obras da hidrelétrica uma chance de finalmente ter carteira assinada e recolher para a Previdência, assegurando um futuro melhor para si, a esposa e a filha pequena. Mas quando chegou no canteiro de obras, se deparou com uma situação de total precariedade, pouco caso e violência das empreiteiras contra os operários.

Qual a situação dos trabalhadores em Belo Monte?
O que desanima é que você é contratado para uma função e chegando lá vai fazer outras tarefas, como descarregar caminhão, coisas que não são sua função. A minha visão sobre a obra é a seguinte: é um sonho de muita gente, mas quando ela entra lá vira um pesadelo, devido à forma de ser tratado. Os que são mais bem tratados são o pessoal do RH, que são mais ‘considerados’ do chefe. E os trabalhadores mesmo, que realizam a obra, não são bem tratados.

Em que setor você trabalhava?
A gente trabalhava na infraestrutura, que é a parte dos alojamentos, os refeitórios, as cozinhas. A barragem em si ainda não começou a ser construída, vai começar daqui um ano e meio ou dois anos.

E qual é o salário?
É R$1020 na carteira, mas você trabalha o mês todinho. A jornada de trabalho é muito alta. Era para ser de sete horas e vinte, mas se contando do momento em que se bate cartão dá nove horas e trinta. Todos os dias. E não estão pagando essa diferença. Não pagam hora extra.

Como começou essa revolta dos trabalhadores?
Começou na infraestrutura. Os funcionários de outros setores até falavam que o pessoal da infraestrutura nunca reclamava de nada, que aguentava tudo calado. Começou na parte de transporte. Esses ônibus que estão lá atualmente para transportar o pessoal são ônibus que não roda mais em São Paulo, em Goiânia, em Boa Vista, Manaus, já passaram do tempo de validade. Aí, o que eles fazem? Contratam uma empresa terceirizada e ela pega esses ônibus que muitas vezes estão estacionados na garagem, dá uma maquiada nele, e leva pra lá. Lá já aconteceu de ter ônibus sem freio, com buraco no teto. Já teve vez de os funcionários terem que andar de capa de chuva dentro do ônibus! Existe sim transporte caro, de luxo, confortável, mas para os encarregados, para os chefes lá, que andam de caminhonete, picape…

E qual foi o estopim para as paralisações?
Foi um acúmulo de reivindicações que nunca foram atendidas. Foi feita uma greve em novembro do ano passado, mas não cumpriram nem 15% das reivindicações. E aí o que começou a acontecer esse ano? Começou a ter acidente no perímetro da cidade para a obra. Em menos de dois meses teve seis acidentes. Primeiro foi um acidente com um caminhão em que teve duas vítimas fatais. Uma semana depois caiu outro caminhão, mas graças a Deus não morreu ninguém. Depois caiu outra carreta. Aí começamos a reclamar da qualidade do transporte, que estava ruim. Mas ao invés de atender às reivindicações, o atendimento que davam era chamar para o escritório e mandar recolher as coisas que já estava mandado embora. Quando comecei a reclamar, diziam que os acidentes não tinham nada que ver com a empresa. Mas eu falava, ‘não tem agora, mas essas latas velhas que a gente anda sem freio, que de 20 quebra 4, qualquer dia pode acontecer uma tragédia, com um ônibus desses cheio de trabalhadores’. Porque tem uma curva lá que, se cair, pode dizer ‘mamãe to indo embora’… Então foram todos esses problemas.

Como começou a greve?
A primeira paralisação foi no mês passado (março) por volta do dia 26. A gente planejava fazer uma paralisação, mas em uma sexta-feira, mas aí outro pessoal resolveu paralisar antes. Fechou a estrada antes que nós. Mas como já queríamos parar, entramos no bolo. Ficamos parados de mais ou menos sete dias. A empresa pediu um prazo para resolver as reivindicações. Mas respondemos que eles já tinham as reivindicações. Aí demos prazo de cinco dias para negociar. Mas aí dia 10 não apareceu ninguém, dia 11 também não, dia 12 foi quando fomos desligados da empresa. Aí foi o dia em que revoltou os companheiros e dia 13 parou tudo de novo. Fomos demitidos, mas não assinamos nada. Cinco dias depois disso chegou um telegrama em casa informando a nossa demissão. Foi tão absurdo que fomos dispensados e não assinamos nada, não fizemos nenhum exame… até as ferramentas e a roupa de trabalho não tivemos que devolver, está lá em casa. Mas pra mim não serve de nada, vai servir é como prova para botar a empresa e o sindicato na Justiça…

Fale sobre a atuação do sindicato
Do meu ponto de vista, e pra uns 95% dos funcionários da empresa, é um sindicato pelego, que não serve de nada, que já é do lado do patrão. Estão agora dizendo que suspenderam a liminar que considerava a greve ilegal. Estão espalhando isso para os funcionários. Mas na verdade não fizeram nada disso. O que o juiz fez foi dar um prazo para eles de cinco dias, para convencerem os funcionários que estão em greve a voltarem o trabalho até quarta-feira. E se não voltarem ao trabalho, o juiz vai dar uma multa de R$ 200 mil pra cada dia parado. Eu sinceramente queria que passasse um mês assim, que é pra gastar pelo menos um terço de tudo o que esse sindicato rouba dos funcionários. Se não fosse o Atnágoras (nota: Atnágoras Lopes, dirigente da CSP-Conlutas) ir lá e dar apoio, dizer aos funcionários quais eram seus direitos, não estava acontecendo essa greve. Inclusive o pessoal do sindicato está morrendo de medo da CSP-Conlutas entrar lá. Sabe o que estão dizendo? Isso eu ouvi eles dizerem: ‘eles estão querendo comer a nossa boia’. Porque é muito dinheiro que rola lá.

E como é a atuação da polícia em meio a esses conflitos?
A polícia lá não está trabalhando para a sociedade. A ROTAM de Belém, que é uma polícia filha da p*** mesmo, que chega batendo em trabalhador, está todo dia almoçando, merendando e tendo regalia no mesmo refeitório em que o trabalhador, pra usar, tem desconto no contracheque. Eles comem, almoçam, merendam e andam com metralhadora dentro do refeitório do consórcio. Andam com pistola, com fuzil, todo tipo de arma. Inclusive agora o consórcio alugou ônibus com ar condicionado para a Força Nacional que chegou lá. E para o funcionário tem.

Qual o sentimento dos operários da obra?
É revolta total pelo tratamento dado aos trabalhadores. Principalmente aos ‘pequenos’, que é o servente, o pedreiro, carpinteiro… Esse tipo de funcionário são os que realizam a obra e não são valorizados.

O que você espera do futuro?
Olha, eu sou uma pessoa que sobrevive de qualquer jeito, dignamente, trabalhando. Sei fazer várias coisas, já trabalhei com eventos… Mas por que não me retirei ainda dessa luta? Porque eu quero mudar alguma coisa, quero ver se consigo mudar alguma coisa para os próximos que vão vir. Porque se a gente não levantar essa bandeira, não reagir, a burguesia vai continuar fazendo a mesma coisa. O governo vai continuar fazendo a mesma coisa.