Dez de fevereiro de 1980. No pátio do colégio Sion, em São Paulo, 1.200 delegados aprovam a fundação de um partido dos trabalhadores. O surgimento do PT naquele momento representava um passo à frente em relação às mobilizações operárias que sacudiram o ABC Paulista nos dois anos anteriores. Na plenária, os rostos apreensivos de ativistas, trabalhadores e intelectuais sabiam da importância histórica daquele momento.

Dezenove de fevereiro de 2010. Em meio às comemorações dos trinta anos, o PT realiza seu 4º Congresso, em Brasília, cujo auge é o lançamento da pré-candidatura de Dilma Rousseff à Presidência. No palco, o vice-presidente José Alencar (PR), um dos maiores empresários do país, ostenta o tradicional broche da estrelinha vermelha. O empresário, ou o “patrão”, que há 30 anos era visto como o inimigo dos trabalhadores, agora é aplaudido e ovacionado pelos militantes do PT.

“partido sem patrões” a Alencar
Essas duas imagens ilustram bem o caminho trilhado pelo partido nessas últimas três décadas. O PT é fruto direto das mobilizações operárias do final dos anos 70. Aquelas lutas, deflagradas por reivindicações econômicas, bateram de frente com a ditadura militar, apressando sua queda, e mostraram aos operários os limites da ação sindical. Era necessário organizar-se politicamente, ou seja, fundar um partido independente.

Ao mesmo tempo, aqueles trabalhadores guardavam na lembrança a experiência derrotada do velho trabalhismo do PTB e da política de aliança de classes do PCB e PCdoB. O choque com os patrões e o governo, por outro lado, deixava clara a oposição. Ou seja, era evidente naquele momento que os interesses dos trabalhadores eram contrários aos dos patrões. Daí o forte sentimento classista que marcou a fundação do partido.

O manifesto de fundação, de 1º de maio de 1979, dizia: “não acreditamos que partidos e governos criados e dirigidos pelos patrões e pelas elites políticas, ainda que ostentem fachadas democráticas, possam propiciar o acesso às conquistas da civilização e à plena participação política a nosso povo”. O PT, junto com a CUT, que seria fundada em 1982, se fortaleceu nas greves que balançaram o país durante toda aquela década. As bandeiras vermelhas eram presença constante nos grandes movimentos de massas, como na campanha pelas Diretas Já em 1984.

Mas o que aconteceu nesses anos para que as estrelinhas vendidas pelos militantes petistas a fim de obter recursos nas campanhas financeiras passassem das banquinhas ao peito de um dos maiores empresários do país? É o mesmo processo que levou Lula a governar com os patrões nesses últimos sete anos, impedindo qualquer mudança de fundo na vida dos trabalhadores.

anos de adaptação
Nos anos 80, o PT foi se tornando uma referência não só nas lutas, mas nas eleições. Em 1988, o partido conquistou a prefeitura de 33 cidades, entre elas capitais como São Paulo e Porto Alegre. O avanço eleitoral do PT, aliado à sua direção burocrática comandada por Lula e José Dirceu, foi desviando cada vez mais os caminhos do partido para o labirinto da institucionalidade burguesa.
Isso significa que, em vez de priorizar as mobilizações, o PT foi se afastando progressivamente de seus princípios para conquistar espaço eleitoral. Esse processo apareceu de forma dramática durante o “Fora Collor”, em 1992. A direção do PT foi, até o último momento, contra essa bandeira, chegando a expulsar a Convergência Socialista (corrente que daria origem ao PSTU) de suas fileiras por defender a queda do presidente.

Após o impeachment de Collor, em vez de defender a convocação de eleições gerais, apoiando-se nas mobilizações das massas naquele momento, o PT apostou na tática do “Feliz 94”, que resultou na vitória de Fernando Henrique. Depois, veio o “Feliz 98” e, eleição após eleição, o PT abandonava o seu programa original, aliava-se a empresários e a partidos de direita, apostando no vale-tudo para vencer as eleições.
Em 2002, um novo marco nesse processo de adaptação. Em plena campanha eleitoral, em que Lula aparecia como franco favorito, o PT lança a famosa “Carta aos Brasileiros”. Na verdade, um compromisso com o sistema financeiro internacional de que a política econômica de FHC não seria alterada.

é possível mudar governando com os patrões
Hoje, quase ao final do governo, pode-se afirmar que Lula cumpriu o que prometera. Não alterou em nada a política econômica. Colocou o governo à disposição dos banqueiros e empresários, quadruplicou os lucros das empresas só no primeiro mandato e proporcionou lucros recordes aos bancos.

Aproveitando-se de sua história como líder operário, assim como da própria história do PT e de um cenário de crescimento econômico internacional, Lula obteve grande apoio. Mas isso não esconde o essencial: seu governo não provocou qualquer mudança estrutural no país. O salário mínimo segue defasado, sendo hoje de apenas um quarto do que o Dieese recomenda.

A crise econômica e as demissões em massa mostraram, por sua vez, que o Brasil não está mais fortalecido. Mesmo a chamada “recuperação” da economia no último período se dá através da superexploração dos trabalhadores, com horas extras e salários rebaixados.

Não é por menos que, nas últimas eleições, a candidatura de Lula tenha sido a que mais recebeu dinheiro dos bancos e empreiteiras, mais que o próprio PSDB. Também não é à toa que o presidente seja “o cara” para Obama e os líderes europeus. Diferentemente de 1989, o Lula de hoje é praticamente consenso entre a grande burguesia e o imperialismo.

Em entrevista ao Estadão no dia 19 de fevereiro, Lula tentou justificar a adaptação do PT atacando o PSTU: “Vocês acham que o PSTU ganharia eleição com o discurso deles?”. Poderíamos perguntar a ele: “Você acha que dá para mudar o país, melhorar realmente a vida dos trabalhadores, governando com os patrões?”. Lula sabe que não.

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