Impossibilitado de encaixar sua nova guerra por petróleo dentro da legalidade burguesa, atrás da “guerra justa contra o terrorismo” no Afeganistão e da tentativa do golpe na Venezuela para restaurar a “democracia”, Bush inicia agora sua “guerra preventiva” contra o Iraque. A população norte-americana deve sofrer a nova iniciativa militar imperialista contra Saddam baseada na mais nova figura jurídica da “legalidade” burguesa internacional: se por acaso Saddam… A hipocrisia imperialista não conhece limites e se vê obrigada a burlar suas próprias regras, cumpridas a ferro e fogo pelo Iraque, através de inúmeras “inspeções”, como expressava o ex-chefe da comissão da ONU para o desarmamento do Iraque, Scott Riffer, que afirmou “é impossível que o Iraque tenha podido desenvolver armas químicas, bacteriológicas ou atômicas”.
Desmascarada a desculpa de derrotar o terrorismo, e impossibilitados de usar a desculpa dos direitos humanos, autorizada pelo imperialismo europeu, o cheiro de petróleo toma conta da hipócrita discussão sobre as razões desta nova guerra colonial. Apesar do bloqueio ao qual o Iraque está submetido, seu petróleo abriu uma fenda no comércio mundial às custas das empresas de petróleo dos Estados Unidos. E se algo está nos planos do imperialismo norte-americano é o controle absoluto do mercado mundial de petróleo. Assegurados os poços da Ásia Central com a ocupação do Afeganistão, agora busca pôr em xeque o Iraque e o Irã. Nisto resulta o caráter “preventivo” da nova carnificina empreendida pelo imperialismo: manter o controle do mercado antes que o Iraque derrame milhões de barris de petróleo pelas mãos de outras empresas, comprometendo os lucros das companhias de Bush, Cheney e Rumsfeld.

A crise do Bloqueio

É difícil encontrar na história contemporânea um país que tenha sido tão castigado pelo imperialismo como o Iraque. Quando o ex-coordenador do programa da ONU Petróleo por Alimentos, Dennis Halliday, renunciou a seu cargo em 1998 denunciando que a política dos EUA para o Iraque era um genocídio, não poupou palavras: em 1991, os 42 dias de bombardeios, com 110 mil ataques aéreos, jogaram 88.500 toneladas de bombas, o equivalente a sete vezes e meia a potência da bomba atirada sobre Hiroshima. Nestes dias, foram assassinadas entre 150 e 200 mil pessoas. Depois da completa destruição de toda a infra-estrutura do país foi decretado um bloqueio comercial que tirou a vida de 1,2 milhões de iraquianos. A Unicef informava que entre 4 mil e 6 mil crianças morriam por mês, devido ao bloqueio de medicamentos, por desnutrição ou doenças curáveis.
Segundo a resolução 687 da ONU, com o cumprimento das inspeções de armas, acabariam as sanções. Depois do cumprimento das inspeções pelo Iraque, os critérios e as novas exigências eram forjados pelos Estados Unidos até o ponto que, em um “ato falho”, Clinton afirmava que ”as sanções seguirão vigentes por toda a eternidade ou até que dure Saddam”. Na ocasião, o inspetor de armas da ONU, Scott Ritter afirmava “a equipe de Clinton estava disposta a manter as sanções apesar do cumprimento por parte do Iraque…”.
O governo de Bush, que não pode ser acusado de não velar pelos interesses das companhias de petróleo, encontra um novo quadro, que é descrito da seguinte maneira pela revista Foreign Affairs (nov/dez de 2001): “A superioridade pariu seu contrário… O poder ganho na Tempestade do Deserto não foi duradouro. Cedo ou tarde, Iraque e Irã, com seu grande peso demográfico e econômico, se imporiam novamente. A região se afundou mais na pobreza, o preço do petróleo baixou e a guerra foi muito cara para os países produtores de petróleo que a financiaram” (…) “Os países vizinhos começaram a violar as sanções. O comércio do Iraque com a Jordânia, Turquia, Síria e Egito cresceu e estimulou essas economias. Logo a Rússia, França e China reataram o comércio com o Iraque, que lhes concedeu contratos de importação valorizados em 6 bilhões. Com a Rússia negociou um acordo para um projeto de desenvolvimento durante 23 anos do campo de petróleo de Ourna, no oeste do país, com um valor potencial de 20 bilhões. No ano passado, o valor dos produtos de exportação alemães para o Iraque se quadruplicou a 1,2 bilhões de marcos”. O New York Times expressava o problema: “Depois de passar anos como pária econômico, Iraque tem amigos nas capitais de muitos países”.
Desta maneira, a nova agressão contra o Iraque obedece a um critério: o petróleo iraquiano só regressará ao mercado mundial pelas mãos das companhias ianques e ponto final. Quando Cheney declara que “Os Estados Unidos e somente os Estados Unidos levarão esta campanha até a vitória” não é um lamento pela falta de compreensão do imperialismo europeu, senão a expressão de uma política. Na situação atual, as “bombas inteligentes” cairão sobre investimentos franceses e russos. As diferenças entre o imperialismo europeu e norte-americano residem no fato de que quase a totalidade do petróleo consumido pela Europa é controlada pelas companhias americanas, o que se aprofundou após a ocupação ianque na Ásia Central. Se Saddam comercializar com empresas européias, russas e chinesas, prejudicará amédio prazo os EUA como principal provedor de petróleo do mercado mundial.
Atrás da ameaça de atacar o Iraque vem a sinalização da possibilidade de um acordo. É o jogo dos “bons e maus policiais” que faz o governo Bush, deixando para Collin Powell a “carta na manga”. Ao não chegar a um acordo, apesar das diferenças interimperialistas, Bush está disposto a atacar o Iraque e a única força que pode detê-lo é uma grande mobilização de massas. A imprensa ianque já dava conta de que “não se viu uma transferência desta magnitude de comandantes de alta patente para o sudoeste da Ásia desde a guerra do Golfo em 1991”.
Entretanto, não está escrito que a guerra seja inevitável. Bush necessitará “legitimá-la” diante do povo norte-americano. Já se levantam vozes contra, como do ex-fiscal geral dos Estados Unidos, Ramsey Clark, que numa carta dirigida aos países membros do Conselho de Segurança da ONU, diz que “Não há base legal nem justificativa moral para atacar o Iraque”. Porém, mais do que diferenças entre os imperialismos, é necessária uma grande mobilização em todo o mundo para deter a sede assassina.
Post author Ricardo Ayala,
de Barcelona
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