Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

A pandemia do coronavírus é uma catástrofe mundial de proporções imprevisíveis. Não é só pela terrível perda de vidas ou pelo colapso dos sistemas de saúde ao redor do mundo, mas também pela depressão econômica mundial que se seguirá em razão da paralisação de boa parte da economia.

A frase “o mundo não será o mesmo depois dessa pandemia” já é um lugar-comum. Mas a realidade vai muito além: essa catástrofe é um momento de crise e ruptura, comparável às guerras mundiais do século 20. O mundo que conhecemos está caindo aos pedaços.

O que isso traz de novo para a classe trabalhadora mundial? Quais as lições que os trabalhadores devem tirar desse processo?

Capitalismo é responsável pela pandemia, mas é incapaz de acabar com ela

Primeiro é preciso entender por que se deu esse desastre. Essa não é uma catástrofe natural como um terremoto ou a erupção de um vulcão. O vírus foi transmitido aos seres humanos porque o sistema capitalista invade e destrói todos os ambientes naturais de forma predatória. A produção de alimentos transgênicos e a criação de gado, porcos e aves em escala industrial agridem o meio ambiente. A mineração sem controle, a extração de petróleo por métodos agressivos, como o fracking, a poluição dos oceanos e dos rios e o aquecimento global, tudo isso cria as condições para o surgimento de inúmeras enfermidades.

A única coisa que interessa às empresas privadas é o lucro individual de seus proprietários ou acionistas, não importa a que custos sociais ou ambientais. O interesse social coletivo da humanidade, incluindo o planeta em que vivemos, não tem a menor importância para a classe dos proprietários privados dos meios de produção, ou seja, a burguesia mundial.

Um único organismo econômico

O vírus se disseminou com uma velocidade espantosa porque a produção e a distribuição de mercadorias são cada vez mais socializada e mundial. As cadeias de produção, os meios de transporte e a circulação de pessoas interligam o mundo inteiro em horas. A economia é socializada em nível mundial.

Esse extraordinário desenvolvimento das forças produtivas, que deveria ser um bem, traz uma contradição: o mundo continua dividido em estados nacionais que são uma trava para as forças produtivas. As decisões políticas são dos governos de cada país que, por exemplo, nunca se coordenaram para combater a epidemia. O governo da China tentou esconder a epidemia e depois encobrir seu verdadeiro alcance. Trump, Boris Johnson (Reino Unido), o governo italiano, o espanhol e líderes do mundo inteiro não queriam parar a economia, pouco importando-se com as vidas perdidas. Depois tiveram que se render às circunstâncias, mas à custa da generalização da pandemia e de centenas de milhares de mortos.

Essa contradição adquire um caráter criminoso com a concorrência entre os países mais avançados e a exploração dos países pobres pelos países ricos. As guerras comerciais que já existiam antes (EUA e China, por exemplo) ganharam um novo caráter, muito mais sinistro, como a disputa entre diferentes países por máscaras, respiradores e outros equipamentos essenciais para enfrentar a pandemia. As empresas fabricantes desses equipamentos promovem um “leilão da morte”, duplicando ou triplicando o preço desses produtos para ver quem dá mais.

Aumento da pobreza e desigualdade

Além disso, a incessante ação da burguesia para tentar manter sua taxa de lucro num mundo em que o declínio econômico do capitalismo empurra para baixo essas margens tem levado ao aumento crescente das políticas de eliminação de direitos trabalhistas, precarização do trabalho e cortes dos gastos públicos em saúde e benefícios sociais.

Essas políticas sistemáticas aumentaram a pobreza, a desigualdade social e a vulnerabilidade dos trabalhadores e das camadas mais pobres. Da mesma forma, debilitaram os sistemas públicos de saúde. Assim, quando se deu a pandemia, apesar dos vários alertas de cientistas e de pandemias anteriores, a burguesia foi e é incapaz de proteger a vida dos trabalhadores e do povo pobre do mundo.

Burguesia é incapaz de defender a humanidade

Há recursos e conhecimento científico no mundo mais que suficientes para acabar com a pandemia e a crise econômica. O desenvolvimento das forças produtivas na atualidade (mesmo dentro do capitalismo) poderia garantir a vida, a saúde, o emprego e a renda da população com tranquilidade. O Estado poderia arrecadar e gerir os fundos públicos que deveriam garantir os serviços públicos essenciais. Mas a burguesia se mostrou incapaz de evitar a pandemia e de defender a vida e a saúde da humanidade.

DOIS INIMIGOS

O inimigo da humanidade não é só o vírus, é a burguesia mundial

Em todo o mundo os governantes, os meios de comunicação e os empresários repetem o mantra: “o inimigo é um só: o vírus”. No entanto, a prática tem mostrado que para os trabalhadores e o povo pobre há um inimigo muito mais terrível: a burguesia mundial.

Ataques

Em todo o mundo, a burguesia tem se voltado ferozmente contra a classe trabalhadora para defender a sua parte da renda nacional e fazer com que os trabalhadores paguem pela crise com suas vidas. A primeira medida dessa guerra social foi a demissão de milhões de trabalhadores. Só nos Estados Unidos foram 22 milhões em um mês.

O desemprego em massa será uma das consequências mais terríveis para a classe trabalhadora mundial. Não só isso. Em todos os países, em maior ou menor medida, a burguesia aproveitou a crise para retirar direitos já pensando na situação de depressão após a pandemia.

Parasitas

A burguesia mundial é cada vez mais uma classe totalmente parasitária, que não cumpre nenhuma função social útil. Seu único objetivo é sobreviver, manter sua riqueza, seus privilégios e seu domínio de classe. Os supostos gestos de “solidariedade” e contribuições de empresários não passam de esmolas de “caridade” para tentar encobrir seus crimes e mostram bem a mesquinhez dessa classe de parasitas.

UM NOVO PLANO MARSHALL?

Salvar o capitalismo significa prolongar o sofrimento da humanidade

A pandemia nem sequer foi controlada e ainda ameaça continentes inteiros, como a África, as Américas do Sul e Central e o subcontinente indiano. No entanto, diversos dirigentes dos países imperialistas já têm pressa em relaxar as medidas de isolamento social e retomar aos poucos o funcionamento normal da economia.

Outros falam da necessidade de organizar planos de estímulo estatal para a economia mundial semelhantes ao New Deal dos Estados Unidos, posto em prática depois da crise de 1929 e durante a Grande Depressão; ou o Plano Marshall, implementado nos países da Europa destruídos pela Segunda Guerra Mundial; ou mesmo os planos de auxílio aos bancos e às empresas durante a crise de 2008.

Iludir o povo

Os governantes burgueses se aproveitam da angústia da população para iludir o povo. A maioria das pessoas, obviamente, quer voltar o mais rápido ao “normal”. Ou seja, ter de volta seus empregos, sua fonte de renda mesmo que precária; não sofrer mais a insegurança de ficar doente ou ver seus pais ou parentes idosos morrerem; voltar a ter segurança de poder alimentar sua família no dia seguinte; voltar a ter o convívio social e familiar; não se angustiar com a quarentena. Todos querem isso.

O problema é que voltar ao “normal” pode levar anos. Não há uma vacina contra o vírus e é provável pelo próximo um ano e meio. Enquanto isso, o vírus dará voltas pelo mundo. Quem irá à praia, a um “show”, a um estádio de futebol ou fará turismo com tranquilidade? A economia pode demorar anos para voltar a crescer e retomar o nível em que estava. A continuidade da catástrofe está anunciada. Milhões vão morrer de fome e de doenças causadas pela desnutrição e pelas péssimas condições de vida.

Novas catástrofes

Os planos de estímulo estatal da economia do tipo do New Deal e do Plano Marshall são os preferidos de alguns setores burgueses e dos partidos reformistas e oportunistas do mundo inteiro, mas não solucionam nada, porque têm como objetivo manter e desenvolver o capitalismo novamente.

O sistema que levou a esse desastre continuará funcionando e, portanto, possíveis recuperações serão sucedidas por novas e mais profundas crises. Isso é a lógica de um sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, do lucro, das forças incontroláveis do mercado, dos estados nacionais e do imperialismo de um punhado de países ricos sobre a maioria do mundo. Esses planos preparam novas calamidades, guerras e crises econômicas.

SAÍDA

Só a revolução socialista impedirá a barbárie

O capitalismo levou mais uma vez a humanidade à barbárie. Tão próximo quanto só uma guerra mundial poderia levar. Mas essa catástrofe coloca uma nova oportunidade para que a humanidade varra de vez esse sistema em decomposição, da mesma forma que a Primeira Guerra Mundial abriu caminho para a Revolução Russa de 1917.

Que essa primeira experiência tenha se degenerado não é motivo para que a humanidade não faça um novo e renovado esforço. Uma nova revolução socialista para destruir o capitalismo é uma questão de sobrevivência antes que esse sistema e a burguesia mundial destruam o gênero humano por guerra, doenças ou fome.

Reformistas de todo o tipo, dos sociais-democratas aos stalinistas, dizem que a revolução socialista não é possível porque a burguesia imperialista é muito forte e a classe operária não está preparada. Segundo eles, não há correlação de forças para uma revolução. Por isso, querem continuar governando com o setor burguês supostamente progressista para tentar humanizar o capitalismo. Mas isso significa manter o capitalismo e preparar novos desastres. Mais de um século de governos de reformistas com a burguesia só levou aos mesmos planos neoliberais e à corrupção.

O capitalismo já mostrou todas as suas contradições, mazelas, fracassos e debilidades com a pandemia. Os partidos reformistas poderiam com facilidade convocar as massas a tomar seu destino em suas mãos. Mas na verdade os partidos e as direções reformistas têm sido um apoio fundamental da burguesia para que o capitalismo continue existindo.

Cedo ou tarde, a pandemia e a depressão econômica trarão revoltas e insurgências sociais. O problema é que essas revoltas terão de ser dirigidas contra esse sistema para superá-lo ou se perderão. Uma revolução exige um sujeito social, e a classe trabalhadora é a única classe revolucionária.

Para que o proletariado cumpra esse papel, é necessário que seus elementos mais conscientes, isto é, sua vanguarda, se livrem da influência nefasta de décadas de ilusões reformistas e oportunistas e sejam educados de novo com um programa e uma ideologia socialistas. Essa é a tarefa fundamental que está colocada para os socialistas revolucionários em todo o mundo. Para isso, é preciso construir uma direção revolucionária, isto é, um partido revolucionário mundial.