Os números sobre habitação no Brasil mostram uma dramática realidade. Não é à toa que o chamado “sonho da casa própria” seja o objetivo de vida para milhões. Num país em que o mercado imobiliário vive um “boom”, grande parte dos trabalhadores não tem garantido o básico direito de morar com dignidade.

Faltam casas
Oficialmente, o governo admite que o déficit habitacional no país ultrapasse 7,2 milhões de casas. A estimativa é da Fundação João Pinheiro que, em 2005, refez os cálculos sobre o problema de moradia para o Ministério das Cidades.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o déficit habitacional pode chegar a 1,5 milhão de moradias em São Paulo. Valdir Pinheiro é uma das pessoas que enfrenta essa situação. Natural de Chapecó, Santa Catarina, ele veio para a capital paulista há 14 anos e trabalhava como garçom. Mas, desempregado e sem dinheiro para pagar o aluguel, hoje mora nas ruas. A reportagem do Opinião falou com Valdir quando ele estava na fila de um albergue para moradores de rua. “Faz dois meses que ando pela rua, procurando emprego. Aqui no albergue eu chego cedo para não perder o lugar”, disse.

Porém, diferente do que possa parecer, a carência de moradias não se expressa somente nos indigentes e moradores de ruas, que dormem ao relento. Ela é mascarada por meio de situações como as habitações precárias ou os cômodos nos cortiços nos quais famílias literalmente vivem espremidas.

Por isso, o déficit habitacional é calculado a partir do número de famílias instaladas em condições precárias. Isso abrange tanto as que moram em casas degradadas ou em locais improvisados, que oferecem riscos à segurança e à saúde de seus membros, como as famílias que vivem acomodadas em um único cômodo, muitas vezes dividindo-o com outras famílias.

É o caso de Anderson Costa, 27 anos, nascido em Vitória da Conquista (BA), que vive em um cortiço na Rua Condessa de São Joaquim, centro de São Paulo. Anderson paga R$ 230 por mês para ocupar um pequeno quarto, onde só cabem uma cama de solteiro e uma geladeira. “Aqui ainda vivem pelo menos mais 50 famílias. Tem mais duas pensões como essa aqui do lado”, diz. Todas elas, explica, compartilham o mesmo banheiro e área de serviço. As crianças brincam nos sujos e úmidos corredores do cortiço, enquanto Ana Araújo, que veio do Piauí, lava roupas em um tanque. Ela mora com seus dois filhos e o marido em um quarto onde cabe apenas uma cama de casal. “No começo estranhei, mas depois me acostumei”, diz.

O déficit habitacional abrange ainda as famílias com renda de até três salários mínimos e que gastam mais de 30% da renda com aluguel. Uma situação muito comum nas grandes cidades, onde o preço do imóvel é inflacionado, mas os salários são miseráveis.

A cara do déficit
A falta de moradias se concentra no Sudeste e no Nordeste, com quase 80% de todo o déficit de casas no país (veja o gráfico). Isso significa uma necessidade de mais de 5 milhões de moradias nessas regiões.

A maior parte dele, 78%, representa a falta de casas para famílias que se veem obrigadas a viver apertadas em pequenos cômodos com outras, a chamada “coabitação familiar”. Em números absolutos, são mais de 3,2 milhões de famílias nessa situação. Outras 1,8 milhão vivem em habitações precárias.

Como não poderia deixar de ser, o déficit atinge principalmente os mais pobres. A maior parte, 82%, diz respeito a famílias com renda de até três salários mínimos. Já as famílias com renda mensal de três a cinco salários mínimos respondem por 9,4% do déficit.

O problema é ainda maior
Embora haja moradias já consolidadas, milhões de famílias sofrem com a falta de infraestrutura básica como energia elétrica, esgoto, água encanada e coleta de lixo.
É o que a pesquisa chama de “domicílios inadequados”. Só para se ter uma ideia, segundo os dados do IBGE de 2000, em torno de 3,3 milhões de casas no Brasil não possuem banheiro. As regiões Nordeste e, principalmente, Norte, concentram os domicílios enquadrados nesse critério.

O total de domicílios inadequados chega ao espantoso número de 11,9 milhões. Considerando que o Brasil tem cerca de 44,7 milhões de residências, cerca de 26% dessas habitações não têm as mínimas condições de segurança e saneamento e muito menos conforto.

O outro lado do déficit
Faltam 7,2 milhões de habitações em todo o país. Ao mesmo tempo, o número de imóveis vazios impressiona. São mais de 6 milhões no Brasil, a maior parte concentrada na área urbana, justamente onde o déficit é maior.

São imóveis abandonados ou utilizados apenas ocasionalmente, como casas de praia ou, a maior parte, simplesmente casas vazias à espera de um comprador ou locatário. No Sudeste, mais de 10% de todos os imóveis particulares estão vagos. Nessa região, o número de imóveis vazios, 2,7 milhões, supera o déficit habitacional, de 2,3 milhões.
Um dado que reflete a situação de profunda desigualdade social no país. Um grande número de imóveis que poderiam ser utilizados para resolver parte do déficit habitacional é destinado à especulação imobiliária.

Post author Diego Cruz e Jeferson Choma, da redação
Publication Date