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Flávia Bischain, de São Paulo (SP)

Flávia Bischain, professora da rede estadual de SP

Enquanto Bolsonaro segue do lado do vírus, afirmando que “estamos no finalzinho da pandemia” e que não vai tomar a vacina, Doria só tem um lado: o dele próprio. De olho nas eleições de 2022, o governador tucano se diz defensor da ciência e da vacinação, mas tudo não passa de hipocrisia. Prova disso é a posição da Secretaria da Educação de São Paulo de que as aulas presenciais irão retornar “ainda que o Estado esteja na fase vermelha”, pior fase de contaminação, e apesar do aumento do número de mortes.

As justificativas vão desde o fato de que a maior parte das crianças é assintomática e que o afastamento da escola pode trazer danos a elas, até à argumentação de que muitos países da Europa mantiveram as escolas abertas mesmo na segunda onda. A questão é que, embora o índice de crianças com sintomas seja realmente baixo, esses números têm crescido nos últimos meses. Um estudo da consultoria em saúde Vital Strategies, divugado pelo G1, mostra que mais de 6.300 pessoas com menos de 10 anos foram hospitalizadas no Brasil entre março e outubro, com Síndrome Respiratória Aguda Grave, provocada pelo novo coronavírus.

Além disso, o número de internações de crianças de até 14 anos dobrou de outubro para novembro na cidade de São Paulo, e esses índices também vêm crescendo em outros estados, como no Espírito Santo (aumento de 300% nos casos e de 130% de mortes de crianças) e em Rondônia (aumento de 50% das internações de crianças). Sem contar o fato amplamente conhecido de que, por serem assintomáticas, é mais fácil que as crianças transmitam o vírus sem que se possa perceber, aumentando o risco para suas famílias, vizinhos, usuários do transporte público e também aos trabalhadores da educação.

Ademais, muitos países da Europa, como França e Espanha tiveram que fechar escolas após casos confirmados de transmissão. Já na Alemanha, todas as escolas foram fechadas no último dia 16 e apenas os serviços essenciais são mantidos abertos, devido às novas restrições no país. Em Israel, ainda no primeiro semestre, 250 escolas foram fechadas apenas um mês após a abertura. Um caso emblemático foi o da professora de ensino infantil, Shalva Zalfreund (64 anos) que, depois de perceber a presença de crianças doentes na sala de aula, chegou a enviar uma carta aos pais pedindo que tomassem mais cuidado. Duas semanas depois ela veio a falecer pelo vírus.

A questão dos danos psicológicos, físicos e pedagógicos às crianças devido ao isolamento também foi debatida por um grupo de pediatras que iniciou uma campanha a favor da volta às aulas presenciais. Esses danos, sem dúvida, são reais e precisam ser combatidos com políticas efetivas dos governos, como a garantia de internet e equipamento para todos, de segurança alimentar e renda às famílias, acompanhamento psicológico virtual, proteção em caso de violência doméstica, entre outras coisas. A recuperação dos conteúdos pedagógicos deve ser feita com um plano elaborado junto às famílias depois da pandemia. Expor as crianças e suas famílias à contaminação em plena segunda onda, num país que diferentemente da Europa, tem como fator de risco também a pobreza e não apenas a idade, longe de resolver essas questões, só vai trazer mais danos.

Basta conhecer de perto uma escola pública para saber que não se sustenta a argumentação dos pediatras de que “a escola é o lugar mais seguro para as crianças por conta dos protocolos sanitários”: as escolas não têm ventilação adequada, nem funcionários em número suficiente e muitas têm banheiros e pisos em péssimas condições, pra citar só alguns exemplos. Embora o TJSP tenha acatado uma ação que determina que estado e prefeitura de São Paulo devam comprovar em 10 dias as medidas de adequação para a retomada das aulas, a verdade é que até aqui esses protocolos já não foram cumpridos. Nem mesmo para garantir a segurança dos funcionários que mantiveram a escola aberta durante esse período. Os inspetores e equipe gestora tiveram que trazer álcool-gel e máscaras de casa, porque não tinha nas escolas. Nem as funcionárias da faxina, demitidas no início da pandemia, foram recontratadas. Ou seja, grande parte das escolas está sem funcionários de limpeza!

Frente aos casos de contaminação, o Secretário da Educação, Rossieli, chegou a culpar as próprias escolas pela falta de EPI, alegando que elas não tinham solicitado. Tudo pra tirar o corpo fora. Não é por menos que a maioria da população segue contra a retomada das aulas presenciais na pandemia apesar de todas as dificuldades com o chamado ensino remoto. A nova pesquisa do Datafolha, realizada entre 8 e 10 de dezembro, demonstra que 2 a cada 3 brasileiros são a favor do fechamento das escolas, além dos bares e restaurantes e de restrições no comércio, para conter o aumento da contaminação. A lógica de reabrir as escolas porque o resto está aberto é absurda! Assim como é absurdo o governador João Doria mudar os critérios para permitir que se abra escolas na fase vermelha. O que é preciso fazer é exatamente o contrário: frente à segunda onda, reduzir a circulação.

Nesse momento de nova alta de casos, é urgente a vacinação para todos. Mas até agora, os planos são vagos e imprecisos, prevalecendo as disputas políticas. Também é urgente que haja uma segunda leva do auxílio-emergencial e o fechamento dos serviços não essenciais, para que os trabalhadores possam de fato fazer o isolamento, que até aqui não aconteceu. Vacinar apenas os trabalhadores da educação não é o suficiente para reabrir as escolas, uma vez que os alunos e seus familiares continuarão expostos. Nossa luta é pela vacinação para todos! Sem esse plano emergencial, que atenda às necessidades sanitárias e sociais mais imediatas do conjunto das famílias, os prejuízos serão muito maiores. E os culpados vão ser os governos, que tentam impor a falsa normalidade exigida pelo capital às custas da vida e da saúde da nossa classe. E não venham me dizer que a preocupação é com o “pedagógico”. Como tenho dito, quem não se preocupa com a vida, se preocupa muito menos com o aprendizado.