Daniel Kraucher

Morreu em Goiânia, na noite dessa sexta-feira, 2 de maio, dom Tomás Balduíno. Fundador da Comissão Pastoral da Terra e conhecido como “o bispo da reforma Agrária e dos indígenas”, dom Tomás, de 91 anos de idade, não resistiu a complicações respiratórias. Sua morte levou ao pronunciamento imediato de uma série de entidades sociais, que lamentaram a perda de um aliado de luta.

Não foram poucas as divergências políticas que tivemos com dom Tomás. Entretanto, nenhuma delas nos faz desmerecer esse lutador que dedicou sua vida à causa da reforma Agrária e da defesa dos povos indígenas. Compartilhamos o luto das comunidades indígenas, dos movimentos sociais e dos pequenos camponeses dos diversos assentamentos que levam seu nome. Dom Tomás Balduíno, muito além das divergências políticas que tivemos, representa algo que nos une: a luta por uma verdadeira reforma Agrária, que acabe com o latifúndio e garanta vida digna, alimentação de qualidade e barata na mesa dos brasileiros.

A trajetória de dom Tomás foi sempre próxima das lutas sociais. Fez parte, por exemplo, dos setores da Igreja Católica que se opuseram ao golpe militar de 1964, tendo ajudado diretamente militantes perseguidos pela ditadura.

A luta por uma reforma Agrária que não pôde ver em vida
Como importante representante da Teologia da Libertação e da necessidade de se tomar um lado claro na luta dos ricos contra os pobres, dom Tomás costumava brincar, respondendo aos setores mais conservadores da Igreja que “se a Teologia da Libertação morreu, não me convidaram para o enterro”.

Ele fez parte da oposição aos governos da década de 1990, em especial pela ausência de uma política de reforma Agrária que pusesse fim à pobreza e à guerra no campo brasileiro. No começo dos anos 2000, dom Tomás acompanhou as expectativas de milhões de brasileiros de que o governo do PT romperia com o neoliberalismo e garantiria vida digna para os trabalhadores da cidade e do campo. Coerente com sua visão, assumiu em 2003 um cargo no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) do Governo Federal, cargo ao qual renunciaria pouco tempo depois por entender que, fruto da política econômica do governo do PT, o CDES, órgão de assessoria da presidência, “em pouco ou nada contribuía para as mudanças almejadas pela nação brasileira”.

Os números falavam por si só: se o governo de FHC e do PSDB havia assentado 59.500 famílias em seu primeiro ano e fechava seu mandato com apenas 3532 imóveis rurais desapropriados para fim de reforma Agrária, com uma média de 45 mil assentados por ano, Lula e o PT, mesmo com toda a expectativa e apoio dos trabalhadores sem-terra, haviam assentado apenas 36 mil famílias em seu primeiro ano de mandato, o menor número de famílias assentadas em um primeiro ano de mandato desde a Era Collor.

A partir daí, dom Tomás passou a ter uma postura crítica em relação aos governos do PT. De acordo com ele, “o governo Lula, que é de aliança com o capital, vai em outra linha que não é a de atender aos apelos das massas populares.”.  O prosseguimento dos acordos do PT com o agronegócio cobraria seu preço e confirmaria o prognóstico de dom Tomás Balduíno: ao final do mandato de Lula, foram feitos apenas 1990 decretos de desapropriação para a reforma Agrária.

Rompendo todas as expectativas, o primeiro mandato de Lula desapropriou a cifra desanimadora de pouco mais da metade dos imóveis rurais que seu antecessor tucano. Nem os mais pessimistas achavam que Lula faria tão pouco pela reforma Agrária. Já o governo Dilma virou ainda mais as costas para os trabalhadores sem-terra: com uma média ínfima de 20 mil assentados por ano e tendo desapropriado 86 imóveis rurais até 2013, Dilma fica atrás apenas de Collor no que tange a reforma Agrária, perdendo para Lula, FHC e, inclusive, Itamar e Sarney. A experiência petista mostrou que não é possível governar ao lado dos latifundiários e fazer a reforma agrária ao mesmo tempo.

“ Diante de governantes surdos, só mesmo uma sacudidela violenta”
Essa declaração de dom Tomás, defendendo as ocupações do MST, ilustra perfeitamente a situação que vivemos hoje, bem como a hipocrisia das declarações oficiais de “luto”, apresentadas em nota tanto pela prefeitura de Goiânia (Paulo Garcia-PT), quanto pelos governos estadual (Marconi-PSDB) e federal (Dilma-PT). Desde junho do ano passado, os trabalhadores e jovens brasileiros vêm mostrando sua força e voz, realizando manifestações, greves, cortes de estrada e ocupações. As vozes das ruas seguem ignoradas por todos os governantes. E contra a força do povo organizado, o governo tem respondido com a força das bombas, balas de borracha, prisões e inquéritos ilegais. Os governantes que agora se “solidarizam” com o falecimento de dom Tomás Balduíno são os mesmos governantes que nunca lhe deram ouvido.

Para nós, a morte de dom Tomás será sentida como a perda de uma voz que sempre se colocou a serviço das lutas do povo. Nossa melhor homenagem é seguir na luta, até que as vozes dos oprimidos se façam ouvir e imponham uma outra sociedade, onde os direitos sociais sejam garantidos e onde haja terra para os que querem nela trabalhar. Nesse sentido, junto dos movimentos sociais, repudiamos as “lágrimas de crocodilo” dos governantes que lançam seus “lamentos” pela morte de dom Tomás, sem nunca terem dado ouvidos aos apelos do bispo da reforma agrária e dos índios fazia.

O governo de Goiás (Marconi Perillo, do PSDB) é um histórico aliado do agronegócio e dos latifundiários. Em seu pronunciamento oficial sobre a morte de Dom Tomás, Marconi sequer mencionou a questão agrária, parte central da vida e luta do bispo. Também fingiu esquecer o fato de o bispo ter sido uma figura importante da campanha e das passeatas pelo “Fora Marconi”, que exigiam sua saída do governo.

Já o governo federal de Dilma tem um desafio. Em sua nota, a presidente diz render sua homenagem à vida de dom Tomás, relembrando a persistência do bispo na luta em defesa dos trabalhadores sem-terra e dos mais pobres. Chamamos Dilma a que essa homenagem não fique apenas em palavras. É necessário ter a coragem que dom Tomás demonstrou em vida. O governo federal do PT mantém uma dívida imensa com os trabalhadores sem-terra. A melhor forma de Dilma homenagear dom Tomás é rompendo com os latifundiários e realizando, de uma vez por todas, a reforma agrária pela qual dom Tomás lutou incansavelmente.

De nossa parte, seguiremos nas lutas, nas greves e nas ocupações. A luta de dom Tomás não foi em vão. Temos certeza de que toda vez que seu nome for chamado, em cada ato de rebeldia contra as injustiças sociais, os explorados e oprimidos responderão: “dom Tomás Balduíno, presente”!