Às vésperas da Rio+20, o Ministério da Agricultura divulga um documento oficial de contribuição ao desenvolvimento sustentável. Contudo, o centro do documento limita-se à defesa da liberalização dos mercados, em especial as exportações de biocombustíveis, o fim dos subsídios e o aumento da produtividade agrícola. Fala sobre um bom ambiente de negócio e ampliação de investimentos públicos. Pouco se fala das práticas produtivas e nada sobre qualquer mudança da estrutura fundiária. Em suma, é um documento do agronegócio para o agronegócio.

O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Mendes Ribeiro Filho, anunciou em 6 de junho o documento oficial do órgão para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável . O texto apresenta a avaliação da agropecuária 20 anos após a Rio-92 e a contribuição para fomentar o aumento da produção de alimentos, conservar o meio ambiente, garantir a segurança alimentar e nutricional, além de erradicar a pobreza nos próximos 20 anos.

Segundo Mendes Ribeiro Filho, nos últimos 50 anos, a produção de grãos cresceu 290% e o rebanho de gado 250%, com o acréscimo de área de apenas 39%. “Somos líderes na produção de alimentos, mas também somos líderes em áreas de preservação ambiental. Isso é possível porque estamos na dianteira da tecnologia de produção em áreas tropicais” afirmou o ministro.

A qualidade dos alimentos saudáveis é tratada no documento como fator primordial para a saúde e alimentação das pessoas, bem como a segurança alimentar e nutricional com atenção à produção. De acordo com o MAPA, a produção de alimentos deve estar focada na adoção de práticas sustentáveis. Além disso, ressalta que o setor agropecuário deve utilizar métodos de irrigação que diminuam o desperdício de água, além de reforçar a gestão agroclimática de culturas, produzir sementes e mudas melhoradas, ampliar investimentos para desenvolver tecnologias aplicáveis à biomassa (fonte renovável de energia que utiliza organismos vivos) e priorize a diversificação de culturas.

O documento ainda salienta a necessidade de se promover o acesso aos produtores das inovações tecnológicas agrícolas e o desenvolvimento de soluções que viabilizem a elevação do desempenho e a inserção econômica dos pequenos agricultores. Para tanto, o Brasil deverá enfrentar o desafio de melhorar as condições de infraestrutura, logística, assistência técnica e extensão rural, expandindo os investimentos públicos e ampliando a parceria com o setor privado.

A importância da liberalização dos mercados agrícolas é outro aspecto enfatizado com o objetivo de favorecer seu pleno funcionamento e estímulo à oferta de alimentos de qualidade, fibras e biocombustíveis pelos países em desenvolvimento.

Foram também apresentadas propostas para o desenvolvimento da economia sustentável mundial. Uma das recomendações é quanto à criação de um ambiente favorável ao aumento dos investimentos públicos e privados na agropecuária, com melhoria na qualidade e transparência das informações sobre os mercados, estimulando a oferta global de alimentos nutricionalmente seguros.

O papel da agricultura para sustentabilidade da matriz energética e a utilização de práticas como a produção orgânica e os sistemas agroflorestais (como o cabruca) também são destacados, porém em menor importância. Por sua vez, não se fala nada no documento sobre mudança do padrão produtivo agrícola e da estrutura fundiária a ele associado.

Nada se fala no documento do uso de maquinários agrícolas alimentados por combustíveis fósseis, emissor de gases contribuidores ao aquecimento global. Como também a mecanização com a respectiva liberação de mão de obra que, desocupada e sem terras próprias, se vê obrigada a empregar-se em atividades de extrativismo florestal predatório.

Ou ainda, que as lavouras para produção de agrocombustíveis (etanol, biodiesel, etc) estão se expandindo sobre fronteiras agrícolas, pressionando áreas remanescentes de florestas ou tradicionalmente usadas para produção de alimentos, em especial sobre terras de pequenos e médios agricultores. E que os produtores descapitalizados pela concorrência capitalista moderna, dominada na cadeia comercial pelas traders (atravessadores no abastecimento, armazenagem e distribuição) e por gigantes da biotecnologia, como Cargil, Bunge, Monsanto, Friboi, portanto, sem recursos à aquisição de métodos e ferramentas avançadas de produção, e acabam se vendo obrigadas a recorrer a métodos predatórios para sobreviver, com severos danos a natureza.

Nada se fala ainda sobre o uso de pesticidas e intensivos agrícolas, substâncias largamente aplicada no agronegócio – que de acordo com o relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), 90% da amostra de água e peixes do mundo estão contaminados por agrotóxicos.

O documento, por sua vez, não trata formalmente em nenhuma passagem sobre reforma Agrária. Não é um mero aumento da produtividade do campo que alterará o papel atual da agricultura sobre a degradação ambiental, e sim uma mudança do padrão produtivo agrícola, que passa também pela mudança fundiária e reordenamento agrário do país, consequência direta da reforma agrária. Em suma, é um documento do agronegócio para o agronegócio.

Com informações da Agência Brasil

Almir Cezar Filho é servidor do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), diretor da Associação Nacional dos Servidores do MDA (Assemda) e militante do PSTU