A partir dos anos 90, a maioria da direção sindical e política do movimento operário – a Articulação – começa a desenvolver uma política para institucionalizar o movimento operário, retirando-lhe as referências classistas. Na verdade, esse processo se inicia com a “democratização” a partir da Nova República, em 1985, aprofunda-se com a Constituição de 1988 e se radicaliza com a queda do stalinismo no Leste e a contra-ofensiva lançada pelo imperialismo. No Brasil, esse momento se inicia com Collor que, logo que assume, consegue derrotar a heróica greve dos petroleiros.

A partir desse momento, reintroduz-se a velha concepção de colaboração de classes com o objetivo de transformar novamente os sindicatos em uma força auxiliar das políticas governistas. A direção majoritária da CUT começa a defender a chamada “negociação propositiva”, abandonando a atuação pautada na luta de classes. Como pano de fundo dessa mudança estava a tese de defesa de uma “abertura externa do país que, combinada com uma elevação da produtividade industrial, resultasse em crescimento econômico, benefício social como geração de emprego e distribuição de renda”. Tratava-se da “inserção soberana do Brasil frente à globalização”. Logo esse “sindicalismo propositivo” evoluiu para o chamado “sindicato cidadão”, modificando completamente os princípios fundacionais da CUT.

“Entendimento” com o governo Collor
Uma das primeiras manifestações da nova postura foi a resposta favorável do então presidente da CUT, Jair Meneghelli, de participar do “Entendimento Nacional” proposto pelo Ministro da Justiça Bernardo Cabral, em agosto de 1990, contrariando as resoluções do III Concut. Até então, a CUT se colocava contra os pactos sociais.

Segundo as resoluções da Central, não havia porque aceitar “pactos entre desiguais”, que não tinham outro objetivo senão “retirar direitos ou a liberdade que a classe trabalhadora deve ter para avançar nas suas conquistas”. Não foi por outro motivo que a central havia se negado a participar do pacto de “transição democrática” proposta pela Aliança Democrática no final da ditadura, em 1985, e também do “pacto” proposto pelo governo Sarney em 1988.

Depois de um forte debate na Executiva da central, sob o argumento de que não se tratava de um “pacto” mas de uma “negociação”, acabou se aprovando a participação no “Entendimento” com o governo numa votação apertada, de 8 votos a favor e 6 contra.

O acordo das montadoras
Outra manifestação dessa nova orientação foi a proposta de participação nas “Câmaras Setoriais” – setores produtivos -, elaborada pelo deputado Aloízio Mercadante (PT). A princípio, encabeçado pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC em 1992, foi assinado o primeiro acordo do setor automotivo com duração de um ano sendo, em seguida, renovado até 1995. O objetivo era aparentemente coerente: com a diminuição dos preços, o consumo e, por decorrência, a produção, aumentariam, acarretando mais emprego e maior salário. Além de ter sido vantajoso para os empresários, os resultados não foram animadores. A princípio houve um crescimento do emprego e da produção. Mas em seguida, enquanto a produção e a produtividade cresciam, o nível de emprego foi caindo abruptamente. Ficava clara a impossibilidade da conciliação dos interesses do capital e do trabalho.

O FAT e os programas de qualificação profissional
Coerente com o sindicalismo propositivo, a partir de 1994 a CUT passou a participar dos programas de requalificação profissional mantido com recursos do Fundo de Amparo dos Trabalhadores (FAT) visando a geração de emprego e renda.

Dessa forma, a Central incorporava a idéia difundida pelos empresários que o desemprego decorria da má formação profissional do trabalhador. Ao mesmo tempo, voltava-se à concepção assistencialista dos pelegos ao se buscar substituir o papel do Estado na educação. Desta maneira, o princípio da independência financeira frente ao Estado, que estava na base da rejeição do imposto sindical, era totalmente abandonado. Basta observar que, só no ano de 1999, a CUT recebeu em torno de R$ 21 milhões de repasse do FAT.

O “sindicato cidadão”
No 5º Concut realizado em 1994, há uma ampliação dessa visão ao se adotar como “perspectiva o avanço da democracia e da cidadania no Brasil”. Para isso, a chamada “sociedade civil” deveria buscar a hegemonia no interior do Estado. Assim, seriam indispensáveis as alianças no “campo democrático e popular”.

No 6º Concut realizado em 1997, a defesa do conceito de cidadania em detrimento ao de classe fica ainda mais claro. Basta dizer que o tema desse congresso era “CUT 2000: emprego, terra, salário e cidadania para todos”.

Dessa forma, a central se afastava definitivamente da estratégia da classe trabalhadora se constituir uma alternativa independente na busca de uma sociedade sem exploração, uma sociedade socialista. Voltava-se a adotar, com uma nova roupagem, a estratégia de colaboração do sindicalismo populista dos anos 60.

A negociação dos direitos previdenciários e trabalhistas
Em 1995, Vicentinho, então presidente da CUT, resolveu negociar os direitos previdenciários sem prévia autorização de qualquer fórum representativo da Central.

No decorrer das negociações, aceitou a proposta do governo FHC de acabar com a aposentadoria por tempo de serviço, substituindo-a pelo tempo de contribuição. Após fortes debates na Executiva, a Articulação venceu a proposta de que a CUT participaria das negociações, obtendo 12 votos a favor e 10 votos contra. Após o adiamento da votação no Congresso, as negociações acabaram não prosperando.

Ao mesmo, através da “parceria” com os patrões, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, outrora símbolo das lutas, passou a ser a vanguarda na implementação da flexibilização dos direitos, celebrando contratos de flexibilização da jornada de trabalho (banco de horas e de dias), dos salários (PLR), da terceirização além da contratação temporária.

Uma nova estrutura sindical burocrática
Ao longo desse período foi sendo introduzida uma nova concepção sindical. Na 8ª Plenária Nacional realizada em 1996, surge a defesa da proposta dos “sindicatos orgânicos”. Os sindicatos passariam a ser representados por ramos de atividade, passando a ser instâncias da CUT. Apesar dessa proposta ser aprovada, teve enorme resistência, já que ela amarrava os sindicatos às decisões da Central, liquidando com a autonomia e a democracia dos sindicatos.

No 60 Concut, realizado em 1997, a proposta foi ratificada, reafirmando a disposição de transformar a central num corpo monolítico, se distanciando definitivamente daquela central que nasceu contra o “cupulismo” dos antigos pelegos.

Com o governo Lula, todo esse processo dá um novo salto, a partir da transformação da CUT numa correia de transmissão do governo, anulando-se como instrumento de luta da classe trabalhadora. Diante disso, setores de esquerda do movimento sindical cutista (sindicalistas do PSTU, setores do PSOL e independentes), decidem romper com a CUT e construir uma nova alternativa de luta para os trabalhadores: a Conlutas.

Post author Paulo Aguena, da Direção Nacional do PSTU
Publication Date