O último relatório da ONU sobre desigualdade social e respeito aos direitos humanos é motivo de vergonha para todos nós e exige profunda reflexão e envolvimento da sociedade, a fim de exigir urgentes medidas para esta inaceitável situação:

– Com relação à distribuição da renda nacional, o relatório aponta que o Brasil é o oitavo país do mundo em desigualdade, perdendo a posição de campeão mundial apenas para a Guatemala e mais seis países africanos;

– Já nos direitos humanos, o Brasil ocupa a 63a posição, atrás de países bem mais pobres como a Macedônia e a Malásia.

Tais relatórios refletem as enormes injustiças sociais em nosso país: miséria, fome, desnutrição, desemprego urbano e rural, favelização, analfabetismo, violência, ausência de serviços de saúde e assistência social para grande parte da população… Quais as razões para essa vergonhosa situação, se somos um país potencialmente tão rico; com recursos naturais, humanos, culturais, econômicos de todos os setores – industrial, agrícola, comercial, serviços?

A grande amarra, que não deixa nosso país deslanchar, garantindo vida digna para todos os seus habitantes, é o modelo econômico equivocado, subserviente ao capital financeiro nacional e internacional, que gira em torno do questionável processo de endividamento interno e externo.

Superávit Primário
Uma das maiores armadilhas do modelo econômico atual é a política de superávit primário, exigida pelo FMI e pelos credores internacionais, que querem garantia de que o país está economizando recursos para garantir o pagamento dos juros da dívida pública. Essa “economia” representa enorme sacrifício para a sociedade, pois é efetuada tanto pelo lado das receitas – via aumento da carga tributária – quanto pelo lado das despesas, cortando-se gastos e investimentos públicos.

O constante aumento do superávit não tem reduzido a relação Dívida/PIB, pois impossibilita o crescimento econômico, além de impedir a realização dos gastos sociais. De janeiro a setembro de 2005, os governos federal, estadual e municipal geraram um superávit primário de 6,1% do PIB, bem maior que a meta de 4,25%, estabelecida para este ano. Somente a esfera federal gerou um superávit de R$ 53,5 bilhões nos primeiros 9 meses deste ano, valor superior à soma dos gastos do mesmo período com segurança pública, saúde, educação, cultura, urbanismo, habitação, saneamento, gestão ambiental, ciência e tecnologia, agricultura, reforma agrária, energia e transporte.

Para alcançar esse recorde de 6,1% do PIB o governo tem promovido sérios cortes, como por exemplo, o forte contingenciamento de R$15,9 bilhões ocorrido em fevereiro de 2005, logo após a aprovação do orçamento pelo Congresso. Nem os programas sociais foram poupados e algumas áreas sociais perderam quase todos os seus recursos.

A proposta da Lei Orçamentária Anual enviada pelo governo ao Congresso em agosto deste ano reserva R$ 179,2 bilhões para o pagamento de juros, estimado em cerca de 8,4% do PIB! Onde vamos parar com essa política que tem priorizado a satisfação do mercado em detrimento do atendimento às necessidades do povo?

Diante de tanta espoliação, cabe à sociedade exigir que seja cumprido o Artigo 26 das Disposições Transitórias de nossa Constituição, e seja feita a Auditoria Oficial de nossa Dívida Externa, respondendo de onde veio toda essa dívida e quem se beneficiou desse processo. O povo, que está pagando essa cara conta, tem direito de saber toda a verdade.

* Maria Lucia Fattorelli Carneiro é auditora-fiscal da SRF-MF, segunda-vice presidente do UNAFISCO Sindical – Sindicato Nacional dos auditores fiscais da Receita Federal – e Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul.

Post author Maria Lucia Fattorelli Carneiro(*)
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