No último artigo, vimos que o conjunto de forças reunidas no governo FHC firmaram a negociação da dívida externa (Plano Brady) e o Plano Real, e impuseram mudanças na forma de espoliação das riquezas. Nele, analisamos as reformas que possibilitaram intenso processo de desnacionalização econômica. Neste artigo, veremos a relação entre a dívida externa e a interna, combatendo a falsa idéia de que o endividamento interno é fruto do aumento dos gastos sociais e da amplitude do Estado

A partir dos anos 80, intensificou-se o processo de internacionalização do capital. Os grandes capitalistas de países desenvolvidos aumentaram as exportações de capitais em busca de melhores condições de acumulação.Os governos de países dependentes, mais uma vez, resolveram surfar nessa onda, e passaram a adotar um modelo econômico baseado na total liberdade do capital e em mudanças institucionais (reforma do Estado, abertura comercial, “flexibilização” do trabalho). Desse modo, passaram a receber grande volume de investimentos estrangeiros, tanto na forma direta (controle gerencial de empresas produtivas) como especulativa (voltado para o mercado financeiro).

No Brasil, tal processo ganha forças a partir do governo FHC e do Plano Real. Na fase inicial do plano, a grande oferta de capitais provocou forte valorização cambial, gerando dificuldades para as exportações de mercadorias e serviços. A dificuldade para criar reservas internacionais mediante venda de mercadorias e serviços no exterior obrigava o governo a financiar as contas externas e o processo da dívida através de entrada de capitais estrangeiros.

Neste cenário, o governo de FHC (1994) lançou mão da tal “estabilidade econômica”, combinando controle de inflação e liberdade de mercado, para atrair investidores estrangeiros. O primeiro caso buscou-se através da adoção de uma política monetária baseada principalmente em operações com títulos públicos e altas taxas de juros internas. A grande rentabilidade oferecida atraiu capitais estrangeiros de caráter especulativo para o país, porém…

Crescimento da dívida interna
O grande volume de operações com títulos públicos, muitas vezes remunerados com taxas de juros exorbitantes, provocou o crescimento de outra forma de dívida ligada ao Estado: a pública interna. Durante o período, essa dívida cresceu em proporções sem precedentes históricos no país. No início de 1994, era equivalente a R$ 59,4 bilhões, e em janeiro de 2006 já tinha ultrapassado R$ 1 trilhão. Um crescimento em termos percentuais muito significativo para a economia brasileira.

Os serviços da dívida passaram a consumir praticamente toda a capacidade financeira do Estado. Somente em 2005, os governos federal, estadual e municipal pagaram montante de juros equivalente a R$ 157,1 bilhões.

Importante destacar que, mesmo sendo associada às finanças dos governos locais (federal, estaduais e municipais), durante o Plano Real o crescimento da dívida interna não resultou do aumento de investimentos destinados à manutenção de serviços para as famílias dos trabalhadores, como educação e saúde. Os gastos que explicam o crescimento da dívida são essencialmente financeiros, produto da taxa de juros e dos custos decorrentes da política monetária voltada para atrair capitais estrangeiros.

Nova rota para o dinheiro
É senso comum a idéia de que o dinheiro que pagamos na forma de impostos deve ser utilizado para prover os serviços sociais básicos, como saúde, educação, etc. No Brasil de FHC e de Lula, governos comprometidos com o processo das dívidas, isso é só conversa. A realidade é bem outra. Parcela significativa dos recursos apropriados pelo Estado é transferida para o pagamento dos serviços da dívida interna.

Praticamente se vendeu todo o patrimônio público. O processo de privatizações teve seu ponto alto durante o governo FHC, mas o governo Lula continua vendendo as poucas empresas estatais que restaram. Parte significativa do dinheiro arrecadado foi transferida para os serviços da dívida. Assim, os credores, além de lucrarem com esse mecanismo, ainda levaram, por preços de banana, empresas estatais estratégicas.

A carga tributária no país subiu de maneira significativa, onerando principalmente a parcela mais pobre da população. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que o brasileiro dedica 145 dias de trabalho somente para pagar tributos (impostos, taxas e contribuições) exigidos pelos governos federal, estadual e municipal. Além de pagar tantos impostos, ainda tem que utilizar parcela considerável de sua renda para comprar serviços que o Estado, devido às privatizações, deixou de prestar e hoje são comercializados pelo setor privado.

No que se refere às despesas do Estado, os governos de FHC e Lula provocaram redução dos gastos e investimentos e mudaram qualitativamente o papel do Estado no processo de geração de emprego e renda. Essa mudança talvez seja a mais sentida pelos trabalhadores. Muitas conquistas dos funcionários públicos foram destruídas, as privatizações geraram demissões em massa, além do arrocho salarial. A população mais pobre da sociedade sofre com a falta de serviços sociais básicos, antes prestados pelo Estado e agora comercializados pelo capital privado.

Se não bastasse, foram criadas leis para garantir a “disciplina financeira” dos governos. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, criada durante esse período, ao contrário da propaganda positiva veiculada pela imprensa, carrega o objetivo de garantir o superávit primário suficiente ao pagamento dos serviços da dívida interna.

Durante todos esses anos, os governos consolidaram uma “estabilidade” econômica para adaptar a economia brasileira ao movimento de internacionalização do capital.

As respectivas políticas provocaram aumento no endividamento interno do Estado e, por conseqüência, parcela importante de sua receita foi sendo transferida para o pagamento de juros e amortizações. Assim, a dívida interna levou à redução do tamanho da participação do Estado na economia, tanto no que se refere à propriedade de empresas estatais como nos investimentos e gastos sociais.

Analisando o mecanismo da dívida interna, pode-se compreender o porquê da ideologia burguesa de “Estado mínimo”, tão difundida nos últimos anos, inclusive pelos reformistas do PT, que insistem na pregação de um Estado burguês responsável e democrático. Os grandes capitalistas estrangeiros e seus associados na classe dominante brasileira mais uma vez tomaram de assalto o Estado. Estado mínimo para o trabalhador e máximo para os capitalistas. Esta é a verdadeira face do neoliberalismo.

Post author João Valentim, do Rio de Janeiro (RJ), e Cristiano Monteiro, de São Paulo (SP)
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