General Hamilton Mourão
Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

O Brasil vive uma crise econômica, social e política. Sobre isso não há dúvidas. Especialmente a degeneração do regime político e das suas instituições e as revelações da corrupção desenfreada, que parecem não ter fim, provocam uma reação de setores populares. Essa reação é mais evidente na classe média, mas também se dá entre um setor de trabalhadores que anseia por ordem, por um novo ator com pulso forte que ponha fim à bandalheira dos políticos.

Este sentimento de um setor é o que explica o crescimento da popularidade do deputado Bolsonaro, que tem quase 20% das intenções de voto para presidente, segundo as pesquisas de opinião. É o mesmo motivo que leva esses mesmos setores a aspirar uma volta aos tempos da ditadura militar, que a maioria não viveu.

Alguns militares tentam se aproveitar deste sentimento para defender alguma intervenção como foi o caso do general Hamilton Mourão, secretário de Economia e Finanças do Exército, que afirmou que “...ou as instituições solucionam os problemas políticos, com o Judiciário retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso.”

Na conjuntura atual é pouco provável um golpe militar porque esta não é a política internacional do imperialismo nem da burguesia brasileira, já que certamente uma ação desse tipo provocaria mais polarização e instabilidade. No entanto, é importante desmascarar a falsa imagem que alguns têm da ditadura militar, como se esta tivesse sido um regime de defesa da pátria, incorruptível, de paz, ordem e tranqüilidade.

 

Ordem e tranqüilidade para os ricos e a paz dos cemitérios para o povo

O regime instaurado pelo golpe militar de 1964 se caracterizou desde o princípio por uma repressão generalizada. Começou prendendo cerca de 50 mil pessoas nos primeiros meses depois do golpe de 1 de abril de 1964, a grande maioria trabalhadores e estudantes. Além disso, 6.592 militares que não concordavam com o golpe militar foram punidos e quase todos expulsos das Forças Armadas.

Todos os partidos políticos existentes foram proibidos e somente dois foram autorizados a funcionar: a ARENA, partido de apoio ao regime militar e o MDB que agrupava a oposição moderada.

Mas, foi depois da Lei de Segurança Nacional (LSN de 1967) e principalmente do Ato Institucional n°5 (dezembro de 1968), que fechou o Congresso e todas as Assembléias Legislativas dos Estados por quase um ano, que as medidas de repressão aumentaram brutalmente.

As reuniões políticas foram declaradas ilegais a não ser que fossem autorizadas pela polícia. Atos e manifestações públicas foram proibidos. Idéias políticas socialistas ou comunistas eram consideradas subversivas e os partidos de esquerda foram proibidos e perseguidos. Quem tentasse organizar partidos que defendessem essas idéias era enquadrado na Lei de Segurança Nacional e se arriscava a uma pena de até oito anos de prisão. O AI-5 suspendeu o habeas-corpus para “crimes” de natureza política.

Estabeleceu-se a censura prévia para a imprensa, televisão, rádio e meios de comunicação em geral, assim como cinema, peças teatrais, músicas e manifestações artísticas.

O balanço dessas medidas repressivas da ditadura é brutal. 7.367 pessoas foram acusadas nos termos da Lei de Segurança Nacional (10.034 inquiridos). Além desses, 4.862 tiveram seus direitos políticos cassados. Cerca de 10 mil brasileiros, foram forçados a deixar o país, e tiveram que viver no exílio em algum momento.

Milhares de presos políticos passaram pelos cárceres da ditadura. A tortura foi adotada como método sistemático pela polícia política (DOPS) e pelos órgãos de segurança das Forças Armadas (DOIs-CODIs e outros). Entre os presos sob a guarda do Estado, a Comissão Nacional da Verdade identificou 434 mortos e desaparecidos.

As organizações de defesa dos direitos humanos estimam que cerca de 100 mil pessoas foram perseguidas, perderam seus empregos ou foram presas durante o período da ditadura. Grande parte delas sofreu torturas e humilhações.

Exploração e opressão contra os trabalhadores e os setores populares

É preciso entender contra quem era dirigida tanta repressão e porque o golpe militar procurou eliminar as liberdades democráticas. Nos anos anteriores a 1964 cresciam no Brasil a organização e a luta dos trabalhadores por melhores salários e condições de trabalho; dos camponeses pela reforma agrária; dos estudantes reivindicando mais verbas para a educação e dos militares por direitos democráticos dentro das FFAA.

O golpe militar de 64 visava acabar com a mobilização e a organização dos trabalhadores, camponeses e estudantes. E, especialmente eliminar qualquer tipo de reivindicação no interior das Forças Armadas.

Por isso, desde o primeiro momento a ditadura se preocupou em decretar a intervenção em mais de 400 sindicatos, nomeando interventores que impediam qualquer forma de organização independente e delatavam trabalhadores que procuravam se organizar nas empresas.

As greves foram proibidas e eventuais grevistas eram enquadrados na famigerada Lei de Segurança Nacional. Empresas estatais, multinacionais e nacionais criaram departamentos especiais de segurança que identificavam, despediam e denunciavam trabalhadores que lutavam por seus direitos.

Os funcionários públicos estavam proibidos de organizar sindicatos e realizar greves. Pior, o AI-5 dava poderes ao presidente da República para demitir sumariamente, sem julgamento, qualquer funcionário acusado de atividades políticas “subversivas”.

No campo, os trabalhadores rurais e pequenos proprietários que lutavam pela reforma agrária foram perseguidos e centenas de milhares expulsos de suas terras. Mais de 700 líderes camponeses foram assassinados.

A União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e as UEEs foram perseguidas e ilegalizadas. Todas as organizações estudantis de base foram reprimidas de alguma forma.

Dessa forma, o Estado favoreceu uma brutal exploração dos trabalhadores e setores populares. Não foi à toa que os grandes grupos econômicos, inclusive os grandes jornais e meios de comunicação apoiaram, sem exceção, a ditadura. O chamado “milagre econômico” do regime militar significou ao mesmo tempo um enorme aumento da desigualdade e da pobreza, inchaço das cidades com um crescimento vertiginoso das favelas, etc.

Sarney, Maluf e cia: corruptos criados pela ditadura

Maluf e Figueiredo

Muitos dos defensores da ditadura afirmam que este era um regime incorruptível. Aliás, uma das principais justificativas para o golpe de 1964 era acabar com a corrupção. Nada mais falso. Como um regime político repressivo que tinha como objetivo garantir a propriedade e os lucros dos grandes grupos capitalistas nacionais e internacionais, a ditadura inevitavelmente teria que se envolver na corrupção.

Os casos denunciados foram inúmeros: Caso Halles, Caso BUC, Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin, Caso TAA. Não vamos entrar na descrição de cada um deles porque esse não é o objetivo desse artigo, mas há uma vasta literatura sobre todos na internet.

O resultado desta corrupção foi o favorecimento de grandes empresários, principalmente de empreiteiras, que cresceram ou surgiram a partir dos contratos milionários de obras feitas durante os governos militares. É o caso da Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Mendes Jr., OAS (do genro de Antonio Carlos Magalhães, o ACM) e outras.

A outra cara desta corrupção desenfreada foi o enriquecimento astronômico de políticos que apoiaram o regime militar e enriqueceram da noite para o dia: José Sarney e família, Antonio Carlos Magalhães e família e Paulo Maluf são alguns dos exemplos mais conhecidos.

Por último, é preciso desmentir a idéia de que a ditadura defendia os interesses nacionais. Desde o princípio, o golpe foi articulado pelo Departamento de Estado estadunidense e pela CIA. No poder, os militares favoreceram as multinacionais, as montadoras de veículos, a remessa de lucros para o exterior e o endividamento externo com os grandes bancos estrangeiros.

OPINIÃO | Num momento em que um general do Exército coloca a possibilidade de intervenção militar, e setores, ainda que minoritários, da classe trabalhadora vêem com simpatia um governo militar, o Programa Opinião conversa com Luiz Carlos Prates, o Mancha, que discute o que foi a Ditadura Militar para os trabalhadores. Mancha estava na PUC quando a polícia invadiu a universidade e sentiu na pele a perseguição da ditadura aos dirigentes sindicais.

Posted by PSTU Nacional on Tuesday, October 3, 2017

Porque defender liberdades democráticas

Hoje a ditadura faz parte dos livros de história. A grande maioria dos brasileiros ou nasceu depois ou era criança quando findou o regime militar. Por isso, não se valoriza a imensa luta contra o regime militar que durou mais de duas décadas e que teve seus pontos altos na luta estudantil pela liberdade dos presos políticos, pela anistia e pela reorganização da UNE e das entidades estudantis; pelas grandes greves dos trabalhadores de 1978-1980 e pela campanha nacional pelas Diretas-Já.

Muitos podem pensar que nada mudou: vivemos em uma suposta democracia onde os trabalhadores são perseguidos dentro das empresas; os jovens negros são reprimidos e mortos pela polícia na periferia; sem-terra e sem-teto sofrem repressão e despejos. Tudo isso é certo: o capitalismo é um sistema de exploração onde a “democracia” na verdade é uma ditadura burguesa. Por isso, nós socialistas afirmamos que o capitalismo não pode ser reformado nem “humanizado” e lutamos por acabar com esse sistema de exploração.

No entanto, seria um grave erro não defender as liberdades democráticas tão duramente conquistadas. A liberdade de reunião, de manifestação, de organizar sindicatos e partidos socialistas, a liberdade de imprensa são fundamentais para que os trabalhadores e os setores populares possam se organizar para derrubar o capitalismo.

Sabemos que essas liberdades são limitadas dentro do capitalismo. Por isso, lutamos por uma democracia operária, radicalmente oposta à falsa democracia burguesa. Um regime democrático baseado em Conselhos Populares, sem os burocratas sindicais e políticos corruptos, onde os meios de comunicação sejam expropriados e postos à disposição das organizações populares, etc.

Ou seja, lutamos por um regime político infinitamente mais democrático que esta falsa democracia dos ricos, mas isso não significa que devemos permitir um retrocesso do regime atual para um regime militar que é a forma mais brutal de ditadura burguesa. A defesa das liberdades democráticas conquistadas é essencial para a luta pela libertação dos trabalhadores e do povo de todas as formas de exploração e opressão.

Publicado no Opinião Socialista nº 544