Ditador Médici manteve relação estreita com o empresariado

O trabalho, tese e ensaio, de Pedro Henrique Pedreira Campos, “A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985”, é excelente para entendermos as relações existentes entre os grande monopólios da construção civil e o governo ditatorial, instaurado no golpe de 1964.

Pedro Henrique é doutor em História Social pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e professor de Política Externa Brasileira na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Como ele próprio diz, “o regime político instituído em 1964 não deve ser entendido apenas como uma ditadura militar, com pleno poder nas mãos de militares ou mesmo preponderância dos mesmos sobre outros grupos sociais. As conclusões de nossa pesquisa parecem reforçar a noção de que tivemos no Brasil uma ditadura civil-militar, mantida por um pacto político de frações sociais que cruzavam as forças armadas e a sociedade.”

Este “pacto político” beneficiou certos grupos empresariais e, em contrapartida, foram os que mais sustentaram o regime. Entre estas frações da classe dominante que mais se beneficiaram, Pedreira Campos identifica os empresários de setor da construção pesada, ao lado dos banqueiros e da indústria pesada. Para Pedro Henrique, são eles que formaram o “bloco de poder” no regime pós-1964.

Ele parte das conclusões gerais de Maria Moraes e Guido Mantega, no livro: “Acumulação Monopolista e Crises no Brasil”, em que os autores afirmam que, no fim dos anos 70, a economia brasileira se encontrava sobre o domínio majoritário de grupos monopolistas estrangeiros, mas que agora estes coexistiam com grupos domésticos de grande porte, beneficiados pela ditadura cívico-militar-imperialista, a partir de sua política protecionista. Destacando-se ai, particularmente, três setores: “bancário e financeiro (com grupos como o Moreira Salles, Bradesco, Itaú), o industrial pesado (com os grupos empresariais Gerdau, Votorantim, Villares e outros) e o da construção civil (particularmente, com as quatro maiores empresas do setor, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht).

Esse capital monopolista da construção pesada (protegido durante a ditadura) formou um “oligopólio no setor” com atuação nacional e internacional. Setor industrial que já vinha crescendo com a política desenvolvimentista do governo Kubitschek, mas que ganhou mais impulso com a ditadura.

“A ditadura semeou assim a formação de grandes conglomerados nacionais da construção pesada, o que gerou a grita e revolta dos pequenos e médios empreiteiros (…) O processo de incentivo ao grande capital ficou ainda mais patente com o “convite” governamental, por meio de políticas favoráveis, à ramificação e diversificação das atividades das empresas de engenharia – o que ocorreu paralelamente ao incentivo à realização de obras no exterior –, fazendo com que elas passassem a atuar em ramos como a agricultura, mineração, petroquímica etc. Com isso, no final da ditadura, temos um quadro de quatro grandes grupos econômicos nacionais, liderados por empreiteiras, ao lado de outras pequenas e médias firmas em decadência ou em estado de falência”

As políticas favoráveis aos grandes empresários da construção pesada incluíam: reserva de mercado, isenções fiscais, incentivos e subsídios, e culminavam com a elevação dos recursos orientados para investimentos em obras de infraestrutura como grandes projetos de engenharia, as grandes rodovias e centrais hidrelétricas. Também houve ataques aos direitos trabalhistas com o aumento do arrocho salarial, precarização do trabalho e medidas restritivas de segurança do trabalho, fazendo com que estas empresas tivessem altos índices de acidentes de trabalho, cuja culpa recaía sempre sobre as próprias vítimas, ou seja os operários.

Por seu lado, para defender suas posições políticas, os empreiteiros “desenvolveram forte ação na imprensa, com a tomada do controle dos jornais Correio da Manhã e Última Hora, além do grupo Visão” . Desenvolvendo campanhas contra as empresas estrangeiras, defendendo a reserva de mercado no setor de obras públicas, contra a participação de agências estatais em obras, contra os cortes governamentais e a favor da “moralização das concorrências” (sic).

Enfim, a ditadura teve uma política de “forte beneficiamento e proteção a esse ramo industrial, sob a justificativa de se tratar de um setor de segurança nacional e também com a seletiva tese da defesa da empresa nacional”. A ponto do ex-presidente, Luís Inácio da Silva, afirmar que “Geisel foi o presidente que comandou o último grande período desenvolvimentista do país” .

Esta ação combinou-se com a atuação de seus agentes nos postos-chave do aparelho de Estado, com representantes diretos principalmente nos ministérios dos Transportes, Minas e Energia e do Interior. A ponto de que seu principal representante, entre 1967 e 1974, ser o próprio ministro dos Transportes, coronel Mário David Andreazza, responsável por obras como a Ponte Rio – Niterói e Transamazônica, e que no governo Figueiredo foi Ministro do Interior, o “tocador de obras”. Esteve envolvido em esquemas de corrupção, denunciado inclusive pelo general Hugo de Abreu.

Neste sentido, Paulo Henrique analisou também as “tenebrosas transações”: as irregularidades envolvendo empreiteiras na ditadura. Com o uso de mecanismos ilegais pelos empresários para a maximização dos ganhos com as obras e o uso da prática monopolista ou oligopolista por uma ou um grupo de empresas.

O clima de repressão ditatorial era ideal para corrupção e promiscuidade financeira. “Não à toa, o governo mais elogiado pelos empreiteiros foi justamente o que mais reprimiu e torturou, o do general Emílio Médici. O amordaçamento de mecanismos fiscalizadores, como a imprensa, o parlamento e parte da sociedade civil, permitia aos empreiteiros maximizar seus lucros com práticas ilícitas e tocar obras com rapidez, agilidade e sem preocupação com os impactos do empreendimento”.

Relata ainda que “a participação popular e eleitoral limitada garantia que os empresários do setor tivessem mais força nas agências estatais e junto a figuras presentes em posições-chave do aparelho de Estado, de modo a pautar as prioridades das políticas públicas, como grandes rodovias em locais inabitados e centrais elétricas de grande porte, com forte impacto social”. Com isso os recursos para saúde, educação, saneamento e habitação, ficaram restringidos, sendo desviados para as “necessidades” impostas pelos empreiteiros e seus representantes na sociedade política.

A ditadura, ao garantir uma larga margem de investimentos, com altos índices de formação de capital fixo, deixava de atender os anseios mais diretos da população, alocando verbas para o custeamento de amplos projetos de investimento, sobretudo em infraestrutura. Por isso o autor conclui: “Enfim, os alguns empresários do setor não só aprovavam a ditadura e participavam de seus projetos no setor de obras, mas partilhavam de seus valores e contribuíam também com sua política de terrorismo de Estado, que cassava guerrilheiros, torturava-os, prendia-os e matava-os. Apesar da heterogeneidade desse grupo de empresários, pode-se dizer que a maioria deles aderiu ao regime, assumiu a ditadura, a aplaudiu e, ao mesmo tempo, a sustentou. Com a idéia do regime de se auto-identificar com as próprias imagens das obras públicas de grande envergadura postas em prática durante o período, pode-se dizer que a ditadura tinha a cara dos empreiteiros e os empreiteiros tinham a cara da ditadura”.

Em época de Comissão Nacional da Verdade, a profunda investigação feita por Pedro Henrique Pedreira Campos nos dá dados fundamentais para entendermos a atuação dos financiadores do golpe e da repressão e suas profundas ligações com o aparelho do Estado. Investigação que pode ser a base de futuros processos de processualização e penalização dos que financiaram e se beneficiaram com a ditadura, e continuam ganhando muito até hoje.

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