Pronunciamento indica a manutenção da política econômica que provocou onda de protestos

Cinco dias depois que as manifestações massivas começaram a se generalizar para todo o país, a presidenta Dilma Roussef (PT) finalmente foi à TV nesse dia 21, sexta, em um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. Em uma fala de 10 minutos que tentou abarcar algumas das principais reivindicações levantadas nas ruas, Dilma se esforçou para aplacar a explosão de revolta popular dos últimos dias.

O discurso, porém, mostra que se por um lado o governo entendeu as demandas colocadas nas ruas, por outro não indicou que vá atendê-las. O discurso não apontou qualquer mudança na política econômica dos últimos anos que provocou a atual explosão social.

Discurso vazio
Quase metade do pronunciamento foi dedicada ao tema da “violência” dos protestos. "Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil", afirmou, como se o que envergonhasse o país não fosse a penúria dos serviços públicos e a situação precária das escolas públicos e dos hospitais.

A presidente conclamou que as manifestações fossem “pacíficas e ordeiras” e, em uma ameaça não tão velada, disse que as forças de segurança têm o “dever de coibir atos de violência e vandalismo”. Nenhuma palavra sobre a selvagem repressão policial que se abateu em inúmeros protestos pelo país, como no Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Salvador, nessas duas últimas cidades, aliás, com a Força Nacional de Segurança, de sua responsabilidade direta, que também atuou em Fortaleza. Nenhuma desculpa para o fato de seu ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, ter oferecido a Polícia Federal para o governador Geraldo Alckmin reprimir os protestos contra a tarifa em São Paulo.

A voz das ruas pede o combate sistemático da corrupção e do desvio de recursos públicos, todos me conhecem: disso eu não abro mão”, afirmou ao mesmo tempo em que mantém em sua base de sustentação no Congresso nomes como o do senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB), Renan Calheiros (PMDB) e um dos símbolos mais longevos disso no país que é José Sarney (PMDB).

Sobre os serviços públicos, Dilma Roussef limitou-se a dizer que iria conversar com “chefes de outros poderes para somar esforços” sobre um “pacto em torno da melhoria dos serviços públicos”, e se comprometeu a elaborar um plano de mobilidade urbana, sem entrar em detalhes sobre o que seria isso. Com quem seria esse “pacto”? Com a máfia dos transportes?

De propostas concretas, se comprometeu a brigar no Congresso para a aplicação dos royalties do petróleo para a educação. Ou seja, além de não falar sobre os 10% do PIB para a educação, reivindicação dos movimentos sociais, diz nas entrelinhas que seu governo prosseguirá na privatização do petróleo brasileiro. Só para se ter uma idéia, em 2020 a previsão é que os royalties, com o início da exploração do Pré-sal, alcancem a cifra de R$ 54 bilhões, ou seja, apenas 1,2% do PIB.

Já a proposta em relação à Saúde se resume à “importação” de médicos para atuarem no SUS, o que significa, na verdade, uma forma de achatar os salários dos profissionais da Saúde no país para não se investir mais no setor.

Ao final do discurso, Dilma negou que haja recursos públicos nas obras dos estádios, mas apenas “financiamento que serão devidamente pagos pelos que estão explorando esses estádios”. Segundo o site Contas Abertas, em sete anos já foram destinados mais de R$ 7 bilhões do orçamento público para obras não só de estádios, mas campos e centros esportivos. Só o Maracanã recebeu R$ 1,4 bilhão em dos cofres públicos antes de ser entregue nas mãos do empresário Eike Batista.

O governo custeia, além disso, estudos e consultorias para a Copa. Ainda segundo o Contas Abertas, só em 2013 foi autorizado o repasse de R$ 270 milhões ao programa de “Apoio à realização da Copa do Mundo Fifa 2014” que prevê, entre outras medidas, consultorias às empresas que atuarão aqui.

Dilma ouviu, mas não vai atender
Os temas tocados pelo pronunciamento de Dilma são os mesmos que aparecem em um organograma flagrado por uma equipe de TV durante uma reunião no Planalto na noite do dia 20.  Dilma sabe que a população está revoltada com os recursos gastos para a Copa enquanto os serviços públicos, como o transporte, saúde e educação, permanecem à míngua. No entanto, seu discurso aponta que nada vai mudar.

A onda de manifestações ocorre hoje não devido a “limitações econômicas e políticas” como afirmou o pronunciamento. A revolta popular que produz uma das maiores mobilizações que esse país já viu é provocada justamente pela atual política econômica levada a cabo pelos governos anteriores, tanto do PSDB quanto os 10 anos de governo PT, que incluem as privatizações e o pagamento da dívida em detrimento dos serviços públicos. Voltam-se também contra a corrupção endêmica dos últimos governos.

Como garantir saúde ou educação de qualidade se quase metade do orçamento está empenhado no pagamento dos juros da dívida pública? Como oferecer transporte público de qualidade sem atacar os lucros das empresas do setor? Como enfrentar a corrupção ao lado de Collor, Renan e Sarney?

A única medida concreta que o governo prometeu e tem cumprido é a repressão às mobilizações, como já tem feito em algumas cidades com a Força Nacional de Segurança.

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