Cláudio Gurgel explica as razões que levaram o coletivo de militantes do Estado do Rio de Janeiro a romper definitivamente com o PT e aponta as perspectivas de atuação e os desafios da esquerda socialistaO que motivou a ruptura do Reage Socialista com o PT?
Nós, o Reage Socialista, originário do Reage PT, constituímos um coletivo de esquerda que, a exemplo de todos os coletivos, funciona em círculos. O círculo mais orgânico, incluindo a militância mais ativa, tem companheiros que há muito tempo já não estão no PT e outros que ainda se encontravam filiados. Isto nos fazia um coletivo diferente. Apesar de termos uma maioria ainda no PT, não éramos um agrupamento do PT e nem mesmo reconhecíamos o PT como uma direção política. A credibilidade do PT se havia perdido, até mesmo para nós, que continuávamos no PT. As posições do PT, conduzidas pela Campo Majoritário e principalmente pelo grupo Articulação, já presentes antes da eleição de Lula e agravadas com a reforma da Previdência, a nova Lei de Falências, as PPPs, a reforma Universitária, sem falar na remessa de tropas ao Haiti, a lei dos transgênicos e coisas do tipo… Tudo isto nos afastou definitivamente do PT.

Mas vários companheiros, que estão conosco desde os anos 1980, tinham dúvidas sobre se seria correto e necessário sair, ou se não havia alguma possibilidade de reversão da tendência que o partido assumia. Nós não queríamos sair sem eles. São companheiros que estimamos e respeitamos muito, que enfrentaram conosco várias situações difíceis e pelos quais nós levamos e levaríamos todo o tempo necessário. Por outro lado, o adiamento da construção do novo partido socialista, fruto das limitações e incompreensões sobre o momento político que vivemos, tiraram-nos a perspectiva imediata de uma militância nova e superior. A precipitação dos fatos recentes desnudaram tudo que ainda se encontrava coberto pelas esperanças e mistificações. O avanço da direita no contexto de desgaste do PT, também passou a exigir uma reflexão mais cuidadosa sobre a necessidade de reabrir os debates sobre a unidade da esquerda socialista.

`ClaudioÉ neste contexto, de esgotamento das expectativas de reversão do PT e evidência do imprescindível diálogo da esquerda, que se tornou viável e necessária a saída coletiva de mais de 100 companheiros, no ato que fizemos na Câmara Municipal, dia 15 de setembro. Vale dizer que antes do ato público de saída, tivemos dois meses de reuniões sucessivas com aqueles companheiros, quando pudemos não só definir a saída, como afinar posições para o futuro.

Como vê a situação nacional?
Bem, vejo de modo preocupado, porque nós, os socialistas, não conseguimos levar aos trabalhadores uma visão, uma compreensão de classe dos fatos recentes. A corrupção é um recurso que a burguesia usa no processo competitivo. Ela corrompe para ganhar licitações, para ganhar concorrência. O principal agente corruptor do PT é um empresário, que operou com um banco, o Banco Rural. Quem corrompe o Severino é um empresário, o tal Buani. A corrupção é um elemento do capitalismo, porque o capitalismo reifica, torna tudo mercadoria, inclusive a moral.

Mas também julgo que este processo desmascarou uma política que consistia em adotar práticas da classe dominante, em nome da transição ou transformação da sociedade. Na verdade, uma versão contemporânea do princípio maquiavélico de que os fins justificam os meios. Ficou claro que os meios constroem os fins. Ficou comprovado que a opção para construir o socialismo é a construção pelo trabalho, não pelo capital.

Além disto, este processo nos colocou a necessidade de retomar a discussão da unidade da esquerda. Porque ficou evidente que a direita cresce nesta conjuntura. É um emblema da esquerda, o PT, partido que para as amplas massas populares era a esquerda no poder, que se decompõe da maneira mais insólita, envolvido com caixa 2 e pego de cuecas, no exato sentido da palavra.

Portanto, é uma situação ambígua, com aspectos positivos e negativos.
Mas ainda pode ser pior, porque a sobrevivência de Lula no governo custará a ele uma maior submissão aos grupos econômicos nacionais e internacionais. Portanto, nós temos que reunir o máximo de nossas forças e definir conjuntamente uma agenda de lutas que nos permita entrar em 2006 em contra-ofensiva, que possa enfrentar a movimentação mais à direita que o eventual segundo governo Lula fará.

Quais as perspectivas da esquerda e qual a proposta do Reage Socialista?
Para nós só há uma perspectiva da esquerda. É a construção da unidade. Dizemos uma forma de unidade, porque não necessariamente um partido. Diríamos mesmo que a construção de um partido unificado, no sentido leninista da palavra partido, é um desafio que, infelizmente, não condiz com o grau de fragmentação. O corte de diálogo, que se deu no processo de construção do novo partido socialista, dá bem a idéia da dificuldade de, nas condições atuais, comporem-se os tantos agrupamentos existentes sob um único programa, mesmos princípios e mesma direção político-ideológica. Mas é possível algo que represente o estágio do acúmulo existente.

Isto é, uma engenharia política que nos eleve em quantidade, volume e qualidade de intervenção política é absolutamente necessária. A revolução é uma tarefa de milhões e Lênin dizia que em política só conta o que é de massa.

Portanto, esta é a proposta do Reage Socialista. Sentarmo-nos à mesa, reabrirmos as portas e passarmos a discutir sob duas óticas: o reconhecimento da necessidade de reagrupamento, para enfrentar os novos tempos, e uma agenda de lutas comuns. É esta agenda que provará na prática nossa capacidade de ação conjunta. Ao lado disto, uma pauta de debates teóricos, que coloque em discussão as questões capazes de aumentar a consistência de nossas propostas e a organização de nossa unidade. Neste plano, como uma conseqüência, se inclui a frente de luta eleitoral, uma dimensão importante, ainda que não principal. Ela será bem desenvolvida se as tarefas fundamentais forem bem cumpridas: a luta direta, a organização dos trabalhadores, a propaganda socialista e a formação política, nossa e dos nossos companheiros. Frente eleitoral não se efetiva e sobrevive sem estas questões fundamentais serem trabalhadas igualmente em frente.

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