Desde a terça-feira, 8, o clima de confiança no ar da praça Tahrir é quase palpável. Embora o dia tenha trazido apreensões com a repressão em al-Wadi al-Jedid, que resultou em 4 mortes, e a ferocidade da polícia em Suez, estes acontecimentos parecem vindo de um regime que perdeu a mão e agora se debate.

A terça e a quarta foram dias dos heróis do movimento. Era o que se via nas imagens de mártires – hoje reunidas num pequeno jardim improvisado −, na foto do carcereiro morto ao tentar impedir a liberação de prisioneiros que formariam as gangues de Mubarak; e na euforia geral da recepção de Wael Ghonim, executivo do Google, encarcerado por 12 dias numa sala escura, por criar um grupo no Facebook.

O regime teve de soltá-lo, assim como teve de abandonar as gangues e outras táticas de terror. As que persistem, como deportações de jornalistas, interrogatórios da polícia secreta e poucas tentativas de forçar o toque de recolher, estão cedendo. Tornaram-se insustentáveis, como o resto do regime.

Seu último recurso foi forçar a volta à naturalidade, abrir as ruas e os comércios, no que constituiu mais um revés tático: as pessoas terminam mais cedo e vão à praça. Ou fazem greve e lembram de seu poder na economia, outra razão desta revolução.

Três elementos sustentam o regime. O primeiro e mais importante é a linha fina que mantém as partes do exército em um todo ainda coeso, mas por enquanto impotente. O segundo, uma polícia secreta infiltrada em toda a economia e sociedade – e que está na praça também, tomando o pulso e tentando pequenas intimidações. E, num terceiro lugar, nada irrelevante nesse momento de gota d´água, há os partidos de oposição, elementos adestrados por anos a fio pelo regime, que não conseguem (ou não querem) ouvir o brado da juventude nas ruas.

Um fator apenas conseguiria alinhar os três elementos num todo coerente: o homem de confiança, o interlocutor palatável. Omar Suleiman pode reunir a confiança dos generais e a folha de pagamento dos espiões da mukhabarat, mas não tem muitos cartuchos com a oposição. A insolência histórica o deixa cada vez mais isolado dentro de sua própria classe e na esfera política.

Na terça, terminou por afogar em vergonha pública o que poderia ser seu maior interlocutor, a Irmandade Muçulmana, ao ir a público novamente tentar acender o temor internacional de um hipotético regime islâmico. Em pura histeria, ainda ordenou aos manifestantes o fim da brincadeira: ou lhe dão seis meses para as mudanças ou o risco era um golpe militar.

Suleiman conseguiu esvaziar a quase nula crença na possibilidade de acordos. As emendas constitucionais, o fim do estado de sítio, a liberdade de expressão e organização política não emocionam os manifestantes, que querem garantias, não promessas.

Para eles, Obama não fia o contrato do novo condomínio. Os bons negócios das potências estão vulneráveis: a barganha israelense no gás egípcio fica a nu, os casos de corrupção com empresas estrangeiras de todo o gênero vêm à tona.

Nessa semana, os novos heróis da juventude se confirmam, mas não estão sós. Os trabalhadores industriais e de serviços, que têm um histórico próprio de lutas contra o regime, começam a chegar organizados à praça. Trazem a lembrança de seus próprios mortos, também a força viva de suas próprias táticas. Nas comunicações, dois jornais outrora do governo estão operando sob controle dos gráficos, unidos aos jornalistas. Nos transportes, os motoristas de ônibus do Cairo prometem greve para formar o sindicato e fornecer transporte livre para Tahrir. Nas empresas petrolíferas, há rumores de planos de ocupações nos poços. A lista prossegue, com os olhos voltados para Suez e os seis mil trabalhadores do canal.

Mubarak pode acabar saindo e levando os seus, mas sua obstinação terá detonado a maior avalanche de rebeliões sindicais e estudantis deste princípio de século.

Luiz Gustavo é historiador, pesquisa a causa palestina e a luta do povo árabe, e viveu no Líbano e outros países da região. Luiz é militante do PSTU e da LIT-QI e está no Egito desde o dia 2, como enviado especial do jornal Opinião Socialista. A cobertura será feita através de textos e conversas por telefone, disponíveis no portal do PSTU e no blog http://umbrasileironoegito.wordpress.com. Além disso, pequenos informes serão enviados pelo twitter, na conta @diretodoEgito.
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