Moatez Ed-Din é um farmacêutico egípcio que largou o emprego nos EUA e veio engrossar o caldo humano na praça. Quando o conheci no avião para o Cairo, ele fez o atendente da Lufthansa copiar para mim uma folha com algumas medidas que acredita fazer toda a diferença. Ao reencontrá-lo na praça Tahrir, ele seguia firme divulgando seu programa. “Quando Mubarak cair, todos vão querer um pedaço” , alertou sobre a divisão do poder. Ele teme uma nova ditadura e, por isso, quer que a transição seja decidida agora. “Agora mesmo” , reafirma.

Mas como pode ser resolvida a transição? E quem pode fazer isso? “O próximo governo tem que ser eles” , me diz Muhammad Fathi, advogado, apontando a massa de gente da praça. Tenho perguntado às pessoas como isso pode ser decidido. Moatez, meu amigo do avião, por exemplo, sonha com uma consulta pública na praça.

Nesse domingo, não era apenas a praça que voltava a encher, mas também os palácios. O “Comitê dos Homens Sábios” se reuniu para declarar que aceita o vice-presidente Suleiman na transição, até setembro. Entre os sábios estão Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe indicado por Mubarak e ex-ministro do Exterior, intelectuais e empresários multimilionários. A reunião com Suleiman incluiu a Irmandade Muçulmana, que como os demais, acordou com Suleiman uma comissão para propor mudanças na Constituição. El-Baradei não foi, mas um representante seu tem negociado com Suleiman.

Toda essa movimentação palaciana está bastante animada, mas sempre algo pode estragar a festa. De pé sobre uma lona na calçada na praça Tahrir, este espírito encarna em Zaki khelfak, diretor de curta-metragens que lançou o Comitê de Artistas pela Revolução, para estimular a expressão artística dos manifestantes. “A nossa arte é para as pessoas ficarem na praça e mandarem a mensagem para o governo”, avisa.

Parabenizo e saio, esquecendo de perguntar de que mensagem ele está falando. Antes que queimasse minhas credenciais de jornalista, um garoto de 20 anos me aborda, num inglês escasso, perguntando se estou fazendo uma reportagem. “Escreva aí: qualquer pessoa que trabalhou para Mubarak, não queremos!”

Luiz Gustavo é historiador, pesquisa a causa palestina e a luta do povo árabe, e viveu no Líbano e outros países da região. Luiz é militante do PSTU e da LIT-QI e está no Egito desde o dia 2, como enviado especial do jornal Opinião Socialista. A cobertura será feita através de textos e conversas por telefone, disponíveis no portal do PSTU e no blog http://umbrasileironoegito.wordpress.com. Além disso, pequenos informes serão enviados pelo twitter, na conta @diretodoEgito.
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