Mais uma vez, a ANEL tem a oportunidade de demonstrar sua solidariedade ativamente à luta da juventude; dessa vez a chilena. Todas as universidades e colégios aqui estão “en toma”, ou seja, ocupados pelos estudantes. A juventude está protagonizando gigantescas mobilizações, que já chegaram a reunir meio milhão nas ruas, em diferentes partes do país. O frio, terrível, não é suficiente para deixá-los em casa. Muito menos a propaganda midiática, o gás lacrimogêneo ou os jatos d água tóxica da polícia.

“La educación chilena no se viende: se defiende!”
Desde que estou aqui, em todos os lugares a luta estudantil se faz presente. Há cartazes colados por toda a cidade de Santiago, qualquer universidade ou colégio que passo tem enormes faixas deixando claro a ocupação. A televisão e os jornais sempre cobrindo com matérias e, quase todos os dias, algum protesto nas ruas. Um estudante me explicava que no Chile, todo ano tem lutas em defesa da educação, que acontecem em maio e junho. Agora, além de estarem se desenvolvendo já em julho, no meio das férias, e sem data pra terminar, estão acontecendo as maiores mobilizações estudantis dos últimos 30 anos.

A defesa é de uma educação gratuita, 100% estatal e de qualidade, combatendo a lógica de educação-mercadoria. Aqui no Chile, o nível de privatização das universidades é enorme. É o terceiro setor mais lucrativo do país. O governo Piñera, em suas declarações, defende abertamente a entrega da educação nas mãos das empresas e é odiado pelos estudantes em luta. E o ministro da educação então, Joaquin Lavín, é ridicularizado com bonecos e palavras de ordem, como uma que diz assim: “Quien no salta es Lavín!” – e todos pulam juntos.

Ontem fiz uma entrevista com representantes de ACES (Assemblea Coordinadora de Estudiantes Secundários) e de CONFECH (Confederacion Nacional de Estudiantes de Chile). Fomos convidados para participar de uma matéria na Rádio Comunitária 1º de Maio. É uma rádio de esquerda, que além dos programas musicais, sempre faz entrevistas e matérias de apoio às mobilizações.

Na entrevista e na rádio, os estudantes chilenos afirmaram muito a necessidade de seguir lutando sem aceitar as propostas do governo Piñera, que não atende suas reivindicações. Defendem uma reforma estrutural da educação no Chile, garantindo sua completa gratuidade. Hoje em dia, não há nenhuma universidade pública que não cobre taxa. Falava com uma estudante de direito da Universidad de Chile, a universidade pública mais importante, que me dizia ter que pagar para se matricular 3 milhões de pesos chilenos por ano (quase 10 mil reais)!

Outro problema grave tem a ver com as consequências do poderoso terremoto que atingiu o país no dia 27 de fevereiro de 2010. Muitos colégios e universidades tiveram problemas estruturais e foram evacuados de sua atividade acadêmica. O problema é que até hoje, estão do mesmo jeito. Ou os estudantes estão em condições perigosas e precárias na estrutura do prédio, ou foram transferidos para outros locais sem quaisquer condições de lhes abrigar. Exigem reformas estruturais e reconstrução dos prédios já.

As federações estão reivindicando a realização de uma Assembleia Constituinte e um Plebiscito Oficial sobre a educação gratuita, além da queda imediata do ministro da educação. Ressaltam, para isso, a importância da aliança entre estudantes e trabalhadores, e a luta tem tomado cada vez mais um caráter amplo, em defesa dos direitos e da qualidade dos serviços públicos. Sem dúvida a principal articulação foi da aliança dos estudantes com os mineiros, que estão em luta pela renacionalização do cobre. O Chile produz mais de 30% do Cobre para todo o mundo. É o maior produtor mundial. Nesta segunda-feira, dia 11, os mineiros da Codelco, uma estatal chilena, fizeram uma greve geral de 24 horas, na qual todos os setores pararam de acordo com a Federação de Trabalhadores do Cobre, que reúne mais de 15 mil mineiros. Essa é a primeira greve dos últimos 18 anos. Os prejuízos estão em torno de 40 milhões de dólares. Os trabalhadores estão lutando contra o projeto de “modernização” que o governo Piñera está implementando, que na prática avança para a privatização da estatal. Este é, sem dúvida, um claro exemplo de como o movimento estudantil pode trazer os trabalhadores para a luta, e ampliar suas forças através da aliança operário-estudantil. As entidades estudantis agregaram à sua pauta de reivindicações a exigência da nacionalização e estatização do cobre, além de lutarem contra a privatização da estatal Codelco. Exigem que a riqueza nacional do país seja revertida para as áreas sociais, como educação e saúde.

No Chile, um novo movimento estudantil pede passagem
Todos que eu conversei me dizem que além de mais pessoas e mais tempo lutando, as mobilizações de 2011 tem trazidos novas formas de lutar. Com uma empolgação contagiante, usam da criatividade para inovar nas lutas. Estive hoje presente no “Carnaval em Plaza de Armas”. É uma atividade que reuniu cerca de 1.000 estudantes, com o rosto pintado, fantasiados, com instrumentos e cartazes coloridos. Muita irreverência para defender a educação gratuita.

Semana passada, dezenas de milhares fizeram o “besáton”, dizendo que a educação precisa de entrega e compromisso, que precisa de paixão! Passaram meia hora entre casais, hetero e homossexuais, se beijando. Um protesto organizado pelas redes sociais, que trouxe um novo gás para a luta.

As manifestações culturais e lúdicas sempre estão presentes, deixando cada mobilização com a criatividade típica da juventude. Ontem, dia 12, me deparei no meio da rua com um estudante vestido de roupa de ginástica, dando voltas e mais voltas correndo em torno de uma praça, onde fica o “Palácio de La Moneda”‘, onde é a sede do governo federal. Colocou-se o desafio de correr em volta da praça por 1.800 horas, e a cada vez que cumpre uma volta, seus colegas dão gritos de incentivo. Há outro estudante que está em greve de fome. Parece que por aqui, para defender a educação, tudo é possível.

Também estão recebendo muito apoio dos seus pais e mães. Hoje estive num colégio ocupado e haviam duas mães ajudando no preparo das refeições – com a ajuda dos estudantes! – e me disseram que os pais devem se engajar também, que a luta pela educação deve ser de todos. Estavam muito orgulhosas de seus filhos.

A ANEL construindo a solidariedade latino-americana
As principais federações que estão dirigindo a luta estudantil sabem que existe uma entidade no Brasil que apóia sua luta. Levei a solidariedade da ANEL à reuniões da FECH (Federacion de Universidad de Chile), a maior e mais tradicional, da FEP (Federacion de Estudiantes de Pedagógico), uma universidade de licenciatura, da ANES (Assemblea Nacional de Estudiantes Secundários) e ACES (Assemblea Coordinadora de Estudiantes Secundários), entidade secundarista de Santiago. Lembrei dos momentos de luta contra o REUNI, em 2007 e 2008, quando ocupamos as reitorias das principais universidades do Brasil.

Em todas, fiz uma saudação da ANEL, explicando a situação da educação pública no Brasil, que é muito parecida com a deles, e lhes contando de nossa campanha prioritária contra o novo Plano Nacional de Educação do governo Dilma, assim como a exigência do investimento de 10% do PIB em educação. Aqui, o governo Piñera investe cerca de 3% do PIB apenas, e os movimentos têm exigido pelo menos 7%, além de que a verba pública seja fiscalizada e garantida para apenas escolas e universidades públicas.

Contei-lhes do processo de reorganização que vive o Brasil e a importância de termos uma entidade hoje para defender os interesses dos estudantes, de forma democrática e independente. Em todas as reuniões fui recebida muito bem e todos ficaram muito contentes de ver que podem contar com o apoio dos estudantes brasileiros. O sentimento de sermos “hermanos latino-americanos” esteve muito presente. Já que o imperialismo através do Banco Mundial e do FMI ataca de conjunto nosso direito à educação, com projetos de privatização e reestruturação, nossa resposta deve ser também articulada e lutando juntos.

A todos que conversei, disse da experiência da ANEL no Egito, e da importância que as lutas da juventude do mundo árabe e da Europa. Eles também acompanham e se identificam muito com essas lutas. Sabem que tem um caráter de questionamento de regimes, como a derrubada das ditaduras e o questionamento da falta democracia do sistema capitalista. Querem que a sua luta pela educação se desenvolva e questione cada vez mais o sistema. Sabem que pra isso precisam da aliança com os trabalhadores. Precisam da solidariedade latino-americana. E agora sabem também, que para seguir e fortalecer com sua luta podem contar com a “Assemblea Nacional de Estudiantes Libre”, de Brasil.

Santiago, 12 de julho de 2011