Voluntário compara Gaza a Guernica, cidade destruída pelas tropas de Franco, pintada por Picasso
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Leia trechos do depoimento de Vittorio Arrigoni, um voluntário do movimento Free Gaza, após o primeiro dia de bombardeio

“Meu apartamento em Gaza está em frente do mar, com uma vista panorâmica que sempre provoca milagres em meu humor, desafiando freqüentemente a miséria que pode causar uma vida em estado de sítio. Quer dizer, antes desta manhã, quando o inferno golpeou minha janela. Nesta manhã despertamos em Gaza com o barulho das explosões das bombas, e muitas caíram a algumas centenas de metros de minha casa. Alguns de meus amigos morreram debaixo delas.

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É um banho de sangre sem precedentes. Arrrasaram o porto em frente a minha janela, e pulverizaram as estações das docas. Escuto por aqui que a imprensa do ocidente tem repetido os comunicados emitidos pelos militares israelenses, que dizem que os ataques foram disparados apenas contra bases terroristas do Hamas, com precisão cirúrgica.

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Pode imaginar como é Gaza? Cada casa encosta na outra, cada edifício se eleva sobre outro. Gaza é o lugar com a maior densidade populacional do mundo, o que significa que, qualquer bomba lançada do alto, inevitavelmente vai massacrar inúmeros civis. Eles sabem disso e são culpados do que se acusa. Não é um erro, não é um caso de dano colateral.

No bombardeio à estação central de polícia em Al Abbas, no centro da cidade, a escola primária, vizinha, foi seriamente danificada. A explosão aconteceu ao final do horário escolar, e as crianças estavam na rua. A maioria de seus aventais azul marinho ficaram manchados de sangue. Com as bombas sobre a academia policial de Dair Al Balah, algumas pessoas morreram e outras ficaram feridas em um mercado próximo, o mercado central de Gaza. Temos visto os cadáveres de animais e de pessoas, seu sangue misturado escorrendo pelas ruas de asfalto. Uma Guernica transformada em realidade.

Vi muitos cadáveres fardados nos diversos hospitais que visitei – conhecia muitos deles. Saudava-os todos os dias, quando os encontrava na rua a caminho do porto, ou no café central, pela tarde. Alguns eu conhecia pelo nome. Um nome, uma história, uma família mutilada. A maioria era de jovens, de dezoito ou vinte anos, e quase nenhum tinha tendências políticas, nem com Fatah nem com Hamas, simplesmente alistados na força de polícia ao sair da universidade, para ter um trabalho fixo em Gaza que, sob um criminoso bloqueio de Israel, tem mais de 60% de sua população desempregada. Não me interessa a propaganda. Deixo que falem meus olhos e meus ouvidos, onde ainda ressoam o apito das sirenes e o estrondo dos explosivos.

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Tenho uma câmera de vídeo, mas hoje descobri que sou câmera-man inútil. Não posso forçar-me a filmar corpos mutilados nem rostos banhados em lágrimas. Simplesmente não posso. Começo a chorar sozinho.

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Recebemos de Israel a terrível ameaça de que este é apenas o primeiro dia de uma campanha de bombardeio que pode durar até duas semanas. Querem convertê-la em um deserto e chamá-lo paz. O silêncio do “mundo civilizado” é mais ensurdecedor do que as explosões que cobrem a cidade como um manto de morte e terror.”

LEIA A ÍNTEGRA DO DEPOIMENTO

  • Em italiano (Il Manifesto.it)
  • Em inglês (freegaza.org)