O assassinato de um jovem modelo e de um analista de sistemas, na semana passada, em São Paulo, chamou a atenção mais uma vez para os crimes cometidos contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transsexuais (LGBT).

Desta vez, ao contrário de incontáveis outras, o episódio ganhou enorme espaço na imprensa e, também como exceção à regra, o assassino, Lucas Rosseti, de 21 anos, foi preso no dia 29 de agosto, uma semana após o crime. Um fato que só pode ser saudado.

Contudo, as razões para a repercussão e a rápida prisão, longe de indicar uma mudança de postura das “autoridades” em relação à crescente onde de crimes homofóbicos, devem ser procuradas em outras particularidades desta história, que servem como exemplo de como a “classe social” determina os rumos da “justiça” na sociedade capitalista.

Primeiro, o crime acorreu em uma das ruas “mais nobres” da cidade, a Oscar Freire, sede das marcas e grifes mais caras do mundo. Segundo, enquanto uma das vítimas era um modelo de projeção internacional, a outra era o analista de sistemas Eugênio Bozola, de 52 anos, irmão do diretor-presidente da Prodesp (Companhia de Processamento de Dados de São Paulo), Célio Bozola.

Evidentemente, nenhum órgão da grande imprensa chamou muita atenção para este “detalhe”. Contudo, esta não tem sido a única, nem a mais grave omissão que, propositalmente, tem sido feita na cobertura do caso.

Pior tem sido a pouca atenção que tem sido dada para as mensagens que o assassino confesso deixou em seu twitter, dias antes do crime, que demonstram não só sua intenção, como também o porquê ele pensava que sairia impune.

Crônica de uma morte anunciada
Na sua conta no Twitter (@LZRosseti), Lucas ironiza descaradamente a impunidade esperada pela inexistência de uma lei que proteja a comunidade LGBT e, ainda, indica um possível “motivo” que reside por trás de muitos crimes homofóbicos: o ódio desenvolvido pela dificuldade do próprio indivíduo em lidar com sua orientação sexual, fruto, em última instância, da mesma homofobia desenvolvida por ele.

No dia 28 de julho, o autor da conta no Twitter postou: “eu nao sou gay, sou um espião! hahaha”; “estou infiltrado no mundo gay!”; e “ainda bem q homofobia ainda nao é crime kakaka”. Uma semana antes, no dia 14, o mesmo sujeito já havia postado: “Acordei com vontade de cometer um crime, o de pena mais longa!” .

E foi exatamente o que ele fez no dia 23 de julho: dopou, asfixiou e esfaqueou os dois moradores da Oscar Freire e depois fugiu levando o carro de Bozola, o morador do apartamento.

Não há muito que se comentar. Independentemente de qualquer outra coisa, o assassino tinha uma certeza: seu crime poderia ter “pena longa”, mas não pelo fato de seu ódio se voltar contra gays. Essa é uma garantia que lhe foi dada, até o momento, por Dilma e seus antecessores.

E a prova disto são os milhares de assassinatos cometidos contra LGBT nos últimos anos, a maioria deles sem um desfecho, como no caso da Oscar Freire.

Um LGBT morto a cada 36 horas
A “licença para matar” LGBT não tem sido dada apenas por Dilma, o Congresso Nacional e os homofóbicos fundamentalistas de plantão. Lula, FHC, Sarney, Collor (os ditadores dispensam menção) também tem participação nesta história.

Afinal, não é de hoje que ser gay, lésbica, bissexual, travesti ou transexual pode acabar num fim trágico e violento. Já demos, aqui, muitas vezes os números das pesquisas que o Grupo Gay da Bahia (GGB) vem desenvolvendo há três décadas. Mas, até mesmo porque nada tem sido feito para revertê-los, é necessário lembrá-los mais uma vez.

Mais de 3.500 pessoas dentre aquelas que têm uma orientação diferente da heterossexual foram mortas nos últimos 30 anos. E, para aqueles que ainda têm ilusão de que o lulismo iria por fim a este absurdo, cabe lembrar que é exatamente o oposto que está ocorrendo.

Segundo o GGB, em 2010, o número total de LGBT assassinados cresceu em 31,3%. Foram 260 assassinatos em 2010, contra 198 em 2009. O mesmo relatório apontou que, no Brasil, um homossexual é morto a cada 36 horas e esse tipo de crime aumentou 113% nos últimos cinco anos.

E, considerando-se os dados coletados até o momento e, principalmente, o completo descaso (ou cumplicidade criminosa, para ser mais exato) do governo Dilma, é muito provável que em 2011 tenhamos um novo recorde, já que, somente até junho, 144 mortes de gays, lésbicas, travestis ou transexuais já haviam sido registradas.

Chega de mortes! PLC original, agora e já!
Para aqueles que achem que afirmar que Dilma está expedindo “licenças para matar” LGBT é algum tipo de exagero, basta lembrar que foi a própria presidente que, recentemente vetou o kit anti-homofobia, num acordo espúrio com a bancada fundamentalista cristão, em troca de votos, numa tentativa desesperada de salvar o corrupto Pallocci.

Um kit que, mesmo com todas suas limitações, poderia ajudar no debate nas escolas, para evitar, inclusive, que outros meninos e meninas cresçam odiando sua própria orientação sexual ao ponto de se tornarem assassinos. Um material que, acima de tudo, poderia ajudar professores e alunos a combater o preconceito no interior das escolas e da sociedade.

Mas, não, Dilma preferiu os fundamentalistas. Como também a presidente e seus partidos aliados (PT e PCdoB à frente) têm dado mais ouvidos a Bolsonaro, Malafaia e aos homofóbicos em geral do que aos milhões que clamam pelo fim não só dos assassinatos, mas também do assédio moral, da perseguição, humilhação e discriminação que são praticados diariamente e jamais sequer chegam a ser investigados. Simplesmente porque não há uma lei para isto.

Tem sido esta aliança espúria que tem impedido que seja aprovado o projeto de lei que criminaliza a homofobia (e outras várias formas de discriminação), o PLC 122/6, assim chamado exatamente por estar nas gavetas de Brasília desde 2006.

E se o descaso não bastasse, agora já é público que, em nome do governo, Marta Suplicy (considerada sempre uma “aliada” do movimento LGBT) está em avançado processo de negociação para apresentar , juntamente com o fundamentalista cristão Marcelo Crivela, uma nova versão do PLC.

Desnecessário dizer que as notícias não são boas. Marta, nada mais nada menos, quer dar o “direito” de que a lei, na prática, não seja válida para tudo que ocorra dentro dos templos e cultos. Ou seja, com a benção do lulismo, se esta versão do PLC for aprovada, a homofobia poderá correr solta entre os púlpitos país afora, espalhando-se ainda através da infinidade de emissoras de TV e rádio controladas por estes grupos.

E, numa prova de que desgraça pouca é bobagem, Marta ainda pode estar estendendo, a padres e pastores, o “direito” de pregar o preconceito e a discriminação em relação aos muitos outros grupos que estão previstos na PLC, como mulheres, negros, deficientes físicos e idosos, por exemplo.

Por estas e outras, e para que crimes como os do Oscar Freire, da Peixoto Gomide, da Paulista, da Brigadeiro e de tantas outras ruas país afora não voltem a acontecer, é que precisamos da PLC original. E está evidente que, para isto, não podemos contar com Dilma, os partidos aliados ou o Congresso. Esta é uma luta que teremos que travar nas ruas.