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Governo e a imprensa utilizam reforma política para desviar o foco das reivindicações dos protestos

A tão aguardada reunião entre a presidente Dilma Roussef, os governadores e prefeitos das principais capitais, anunciada durante o pronunciamento em rede nacional na última semana, terminou sem qualquer proposta concreta às reivindicações levantadas nas ruas por milhões de pessoas nas últimas semanas. E mais ainda, com uma tentativa de distrair a atenção e jogar a crise política no colo do Congresso Nacional, com a proposta de convocação de uma constituinte exclusiva para uma reforma política.

A proposta, porém, causou ainda mais crise e gerou atritos entre Dilma, o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Parlamentares e ministros do STF afirmam que a única maneira de mudar a Constituição seria através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) aprovada pelo próprio Congresso.

A crise fez com que, em menos de 24 horas depois do anúncio da constituinte, o governo voltasse atrás passando a defender apenas um plebiscito sobre o tema. Ninguém sabe, contudo, quais perguntas esse plebiscito traria. A rejeição à ideia pela base do governo e a oposição de direita, por sua vez, pode resumir a questão a apenas mais um projeto a ser votado por esse parlamento rechaçado pelas ruas.

Além disso, o governo defendeu que a corrupção passasse a ser “crime hediondo”, em uma clara tentativa populista de atender uma das principais reivindicações dos protestos, que é o combate aos corruptos. A simples prisão dos corruptos, porém, ninguém defendeu.

Nada muda
O discurso de Dilma ao lado dos prefeitos e governadores, além de tentar desviar e estancar o desgaste que vem sofrendo nas ruas transferindo-o ao Congresso Nacional, reafirma a atual política econômica. Os "cinco pactos" anunciados  não prevêem qualquer mudança de fundo para o atendimento das necessidades que estão fazendo o país explodir. Mais ainda, reafirmam a atual política econômica que gerou essa situação.

Não foi por outra razão que o primeiro "pacto" anunciado pela presidente tenha sido a chamada "responsabilidade fiscal". Estabelecido pelo governo FHC, a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe um rígido controle dos gastos públicos, sobretudo sociais, para garantir que haja recursos para o pagamento dos juros da dívida público. É através dessa lei que são gerados os "Superávit Primários" com o dinheiro desviado das áreas sociais para os juros da dívida.

Isso significa que, logo de cara, o governo já sinaliza que sua gestão vai manter a prioridade de beneficiar os bancos e os rentistas estrangeiros, em detrimento da "voz das ruas" que clamam por saúde e educação.

Em relação à área da saúde, inclusive, a única proposta concreta do governo continua sendo a importação de médicos estrangeiros para atuarem no interior e em regiões com déficit desses profissionais. A medida, muito criticada por entidades de classe do setor, tem por objetivo rebaixar os salários dos médicos, sem garantir mais investimentos à saúde.

Sobre o tema que desatou a atual onda de mobilizações populares, o transporte público urbano, Dilma acenou com mais desonerações sobre o óleo diesel e energia para trens e metrôs, além de investimentos de R$ 50 bilhões para "mobilidade urbana", sem especificar, no entanto, de onde isso seria tirado e para onde iria. Apontou também a criação de um Conselho Nacional do Transporte Público, cujas funções também permanecem nebulosas.

Horas antes, quando se reuniu com representantes do Movimento Passe Livre (MPL), Dilma já havia afirmado que o tarifa zero era "inviável" e não se comprometeu com nenhuma medida concreta para a redução das tarifas no transporte público.

Sobre a educação, a proposta de Dilma repetiu o pronunciamento de TV, se comprometendo a aplicar 100% dos royalties do Pré-sal no setor. A medida, no entanto, que pode parecer progressiva à primeira vista, é insuficiente para atender as demandas de educação pública. Para se ter uma ideia, enquanto os movimentos sociais reivindicam que sejam investidos 10% do PIB para a educação, calcula-se que os royalties do Pré-sal somem apenas 1,2% do PIB. Além disso, a proposta indica que os leilões do petróleo ao capital internacional vão continuar.

Crise política e distração
Esse movimento do governo Dilma é uma tentativa desesperada de distrair a atenção da população e tentar fazer parecer que o governo está agindo para concretizar as reivindicações. Com o auxílio de grande parte da imprensa, enfocam o tema da reforma política como se ele atendesse ao conjunto das demandas colocadas pelas ruas. Desta forma, é bem possível que o PT e a CUT abarquem a proposta como forma de desviar as mobilizações.

No entanto, o governo apenas reafirma que vai manter sua atual política econômica, o que inviabiliza os atendimentos das principais reivindicações, que é mais saúde e educação, enquanto bilhões são gastos para a preparação da Copa do Mundo. Como atender isso sem mudar a atual política econômica? Isso o governo e a imprensa não querem discutir.