Durante a campanha eleitoral, Dilma e o PT fizeram um discurso de “defesa” e “fortalecimento” dos bancos públicos (chegando a citar nominalmente o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal) e tentaram relembrar as privatizações – medidas altamente impopulares, sobretudo entre os beneficiários de programas sociais e os trabalhadores bancários – dos governos anteriores do PSDB para, com isso, crescer eleitoralmente em cima do temor do desmonte das estatais, caso Aécio Neves (PSDB) vencesse as eleições.

Mas, na última segunda-feira, 22, antes mesmo de assumir o seu segundo mandato como presidente, Dilma Roussef (PT) anunciou, num café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, que iria abrir o capital da Caixa Econômica Federal: “Vou, mas é um processo que demora” (Valor Econômico, 22/12/2014), disse a petista, tentando minimizar o peso da medida. Segundo a edição de alguns veículos da imprensa burguesa, o processo se daria em meados de 2016 (Folha de São Paulo), e seria precedido de um processo de “saneamento” da empresa.

Esta é a diferença entre o governo petista da campanha eleitoral e o da vida real. Passadas as eleições e depois da vitória conquistada nas urnas, Dilma vai precisar responder às ameaças de recessão econômica sem deixar de atender aos interesses daqueles que garantiram e financiaram a sua campanha: as grandes empresas e os investidores nacionais e internacionais.

O que é a abertura de capital e as razões da medida
A Caixa Econômica Federal – diferentemente inclusive de algumas empresas que são consideradas “estatais” pelo fato do governo brasileiro possuir a maior parte de suas ações, como Petrobrás e Banco do Brasil – ainda é uma empresa pública. Isto significa que a Caixa é propriedade integral do Estado brasileiro e, teoricamente, tem o dever de exercer atividades e serviços públicos que tenham como objetivo o interesse da coletividade.

A abertura de capital, em termos simples, significa quebrar esse controle e a propriedade exclusiva do Estado dividindo e negociando toda a empresa (sob a forma de um determinado valor em capital) através de papéis monetários chamados ações. A partir dessa divisão, qualquer pessoa poderia se tornar acionista da empresa, bastando para isso comprar esses papéis na Bolsa de Valores. Quanto mais papéis possui um acionista ou um determinado grupo de acionistas reunidos em função de um interesse, mais controle estes têm sobre a empresa.

Esta é uma medida genuinamente neoliberal, utilizada pelos governos para aumentar a sua arrecadação e, com isso, garantir o cumprimento de compromissos fiscais. A abertura de capital de uma empresa como a Caixa servirá para o governo dividir com os demais acionistas os riscos e os custos inerentes à atividade e, por outro lado, aumentar a receita na medida em que aparecem pessoas interessadas em comprar as ações para investir na empresa.

Desse modo, o governo economiza recursos e, na medida em que vende as ações e estas se valorizam, embolsa um aumento na arrecadação que irá principalmente para o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública (mecanismo utilizado pelo governo para manter a confiabilidade dos investidores internacionais na economia do país) e para retribuir aos bancos, agronegócio e grandes empresas que financiaram a campanha do PT com medidas econômicas (isenções fiscais, financiamentos públicos em condições ultra-favoráveis, etc.) que garantam a continuidade dos seus lucros, principalmente nos momentos de crise.

O modo petista de privatizar
Há uma posição de defesa oficial – encontrada em setores “críticos” e acríticos – do Governo Dilma que defende a abertura de capital como uma medida totalmente distinta das privatizações, tão amaldiçoadas pelo PT em discurso.

É verdade que esta não é uma privatização sob os moldes clássicos, em que o governo vai a leilão, oferece a empresa à venda e um grupo empresarial ou oligopólio a arremata com um lance. Mas não é correto dizer que a abertura de capital não é uma medida privatizante.

A admissão de sócios privados em uma instituição antes estatal representa, na prática, a admissão de novos proprietários imbuídos de um objetivo central: manejar os negócios da empresa de modo a aumentar sua rentabilidade, visando um retorno em forma de lucro. E quanto maior o número de ações negociadas, haverá uma maior quantidade de investidores pressionando a empresa para elevar seus resultados, conforme uma fórmula básica: reduzir custos e impulsionar receitas.

Segundo o jornal Valor Econômico, a sinalização inicial do governo seria abrir 25% do capital da Caixa na forma de ações. Isto representa, na prática, um punhado de capitalistas, voltados para o seu único e exclusivo interesse de lucrar, elaborando durante 24 horas por dia mecanismos e processos que reorientem a empresa para este objetivo.

A Caixa, que deveria ser utilizada como um banco 100% público e estatal, voltado para a erradicação completa do déficit habitacional via financiamento integral de moradias para trabalhadores que ganham até 5 salários mínimos, por exemplo; que financiasse os pequenos produtores, com crédito barato para todos aqueles que trabalham; que impulsionasse um plano nacional de obras públicas 100% financiadas para resolver o problema do saneamento básico, etc., perderá qualquer possibilidade de realizar tal papel.

A corrida pelo lucro e a concorrência travada com as demais instituições (sobretudo as privadas) no sistema financeiro fará da Caixa um banco tão privado quanto os outros na atuação no mercado e, conseqüentemente, na relação com os trabalhadores. Aumentará o ritmo de trabalho, a pressão por metas e as ameaças de demissão, sem contar o processo de “saneamento” anterior à abertura de capital, que na prática significa reestruturar a empresa com um corte de despesas inicial (e, portanto, mais ataques) para torná-la atrativa aos investidores.

Partindo dessa análise, o entendimento de que a única forma de privatizar é através do leilão e do arremate, é totalmente equivocada. Ainda que a abertura do capital não simbolize uma venda direta e mesmo que o percentual de ações negociadas não represente a maior parte do capital da empresa – mantendo o controle acionário com o governo –, a vida real revela outra coisa: refém dos investidores no mercado de capitais, o governo será obrigado a se submeter à lógica da rentabilidade imposta pelos acionistas, do contrário, não há razão para investirem e a operação inicial planejada pelo governo de usar a abertura do capital para reduzir custos e aumentar receita por meio da negociação de ações entrará em colapso.

Assim como as terceirizações, as parcerias público-privadas (PPP’s), as concessões e outras formas de “privatização branca”, a abertura do capital de uma empresa pública nada mais é do que uma medida privatizante disfarçada (assim como o governo do PT se mostra no terreno da aparência como um “governo de trabalhadores”), na medida em que o controle sobre a estratégia e o resultado das empresas ou dos serviços termina rompendo com a idéia de benefício coletivo e incorporando a lógica de interesse lucrativo privado.

Confiar no governo dos banqueiros ou ir à luta?
A idéia de entrega das estatais e dos serviços públicos à iniciativa privada é hoje majoritariamente rejeitada pelos trabalhadores e uma boa parte da população. Não é à toa que Dilma mentiu na campanha eleitoral em relação à defesa dos bancos públicos, e Aécio se viu obrigado a dizer que as acusações (hipócritas, mas verdadeiras) do PT sobre seu projeto de privatização eram “descabidas”.

Entre os trabalhadores das estatais e entre eles os bancários da Caixa, o temor do desmonte da empresa sempre foi presente e não é à toa que este foi um setor que assumiu ativamente a campanha de Dilma, pelo medo das privatizações do PSDB.

Mas, passadas as eleições, a força da realidade se impõe. Devemos confiar nesse governo, que entregou o Ministério da Fazenda para Joaquim Levy, um executivo do Bradesco? É correto depositar esperanças num governo que ainda sequer assumiu e já anunciou que irá abrir o capital de uma das empresas públicas mais importantes do país para os banqueiros e investidores?

Parte dos movimentos sociais, inclusive a CUT e seu braço no movimento sindical bancário (Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro-CONTRAF), mesmo depois do anúncio da reacionária equipe ministerial do governo e das suas intenções para com a Caixa Econômica Federal, pretende manifestar apoio à Dilma na festa de posse que irá simbolizar o início do quarto mandato consecutivo do PT na Presidência da República.

Este não é o momento de sair em defesa de um governo que vem mostrando abertamente que sua opção não é governar para a classe trabalhadora. É preciso organizar os trabalhadores para enfrentar a política econômica de Dilma e organizar a resistência para impedir a abertura do capital da Caixa e apontar a necessidade de resgatar os bancos públicos e o sistema financeiro para o controle dos trabalhadores, como única forma de garantir que esses instrumentos sejam utilizados em benefício dos interesses da coletividade.

Defender a Caixa e um programa socialista para o sistema financeiro– Não à abertura do capital da Caixa Econômica Federal! Caixa 100% pública e estatal!

– Em defesa da Caixa Econômica Federal e seus empregados!

– Fim imediato das terceirizações nos bancos públicos!

– Condições favoráveis de crédito para os trabalhadores e pequenos proprietários! Redução imediata da taxa de juros de empréstimos, cheque especial e cartão de crédito para a mesma taxa que o BNDES oferece as grandes empresas!

– Fim imediato de todas as tarifas bancárias!

– Eleição dos gerentes pelos trabalhadores do setor!

– Eleição dos Executivos pelos empregados e representações dos trabalhadores!

– Taxação sobre o lucro operacional dos bancos privados, direcionando estes recursos para um fundo dos bancos públicos controlado pelos trabalhadores.

– Estatização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores.