Dica: “Nina” traz Dostoievski para os dias de hoje

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Yara Fernandes Souza, da redação

Apesar de O cheiro do ralo, filme de Heitor Dhalia em cartaz nos cinemas brasileiros, ser sucesso inquestionável de crítica e público, vale a pena conferir também nas locadoras o primeiro trabalho do diretor, Nina. O filme é uma adaptação de Crime e Castigo, obra do russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).

A atriz Guta Stresser (irreconhecível, muito diferente da Bebel de A grande família) vive o Raskolnikov moderno. Ela é uma garota desajustada que mora no centro de São Paulo, em um quarto alugado no apartamento de dona Eulália, velha rabugenta e alvo de toda a loucura de Nina.

Nina expressa seu ódio pela velha proprietária e outros sentimentos obscuros através de seus desenhos, que em determinados momentos transformam o longa em animação preto-e-branco, tomando para si a narrativa.

Tais ilustrações são, na vida real, de autoria de Lourenço Mutarelli, que resgata a parceria agora em O cheiro do ralo, tendo seu livro adaptado por Dhalia.

O filme é pesado e nervoso, absorve os becos e o clima da noturna capital paulista. Entretanto, o nervosismo e o conflito psicológico do filme se passam antes do assassinato. No livro de Dostoievski, o crime ocorre quase em seu início e a trama se desenvolve e se concentra na loucura em que o personagem principal mergulha após o ocorrido. O filme seria muito bom, não tivesse a pretensão de ser a adaptação cinematográfica da obra russa, já que inverteu completamente sua lógica.

É provável que esta inversão tenha se dado pela tentativa de criar um certo suspense em torno do assassinato, algo comum no cinema do gênero, mas que nem de longe é o eixo de Crime e Castigo, que é um drama psicológico.

De qualquer forma, vale a pena conferir, pela boa trilha sonora, pela estética sombria, auxiliada pelas ilustrações, que se encaixam na loucura da personagem principal. Realidade e imaginação se confundem e se entrelaçam através dos desenhos. O filme mexe com o público e o transporta para aquela atmosfera mórbida e para os delírios de Nina.