Detalhe de ato em São Paulo contra o racismo

Nesse dia o movimento ‘Quilombo Raça e Classe´ da CSP-Conlutas faz várias mobilizações no país a fim de marcar a dataEm São Luís (MA), há mobilização do Moquibom (Movimento Quilombola da Baixada Ocidental Maranhense) no INCRA, em defesa dos quilombolas. Em Belo Horizonte (MG) , panfletagem e atividades sindicais nos hospitais e ato público na Ocupação Irmã Dorothy, que está ameaçada de remoção. Em Porto Alegre (RS), ocorre vigília e ato público no INCRA, em defesa do processo de demarcação e titulação do Território do Quilombo de Morro Alto. No Rio de Janeiro (RJ) há Panfletagem e debate sobre os movimento sociais e o Pinheirinho, na Uerj, e em São Paulo, panfletagem e ato público na Praça Ramos, no centro da cidade.

Leia abaixo o manifesto divulgado pelo movimento:

21 de Março : Dia Internacional de Eliminação do Racismo no mundo

Julio Condaque e Maristela farias

A data de 21 de março foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o “Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial” em memória do Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960, em Johanesburgo, na África do Sul, e que resultou na morte de 89 pessoas, além de ter deixado 186 pessoas gravemente feridas.

Naquele dia, cerca de 20 mil negros e negras protestavam contra a “lei do passe”, que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles podiam circular.

O crime praticado pelo regime do apartheid repercutiu no mundo inteiro e praticamente obrigou a aprovar uma convenção (da qual o Brasil é signatário) na qual se afirma que a “discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida.”

Um marco na luta contra o racismo
Evidentemente, sabemos que a ONU e os países que assinaram a convenção jamais tiveram sequer a intenção de realmente eliminar o racismo. Contudo, o estabelecimento da data teve sua importância principalmente porque foi um reflexo das vigorosas lutas que explodiram em protesto ao Massacre de Shaperville e alimentaram os “corações e mentes” dos milhões que, mundo afora, se levantaram contra as opressões nos anos 1960.

Transformado em exemplo mundial da face mais asquerosa do racismo, o Massacre, por exemplo, impulsionou o ascenso das lutas pelos direitos de negros e negras pelos direitos civis e ações afirmativas, nos EUA, tendo inspirado a militância de ícones do movimento negro como Malcolm X, Martin Luther King e os Panteras. Todos eles referências, até hoje, para nossas lutas.

Novos tempos, novos massacres
A reação mundial ao massacre obrigou alguns países a adotarem medidas efetivas para diminuir o abismo racial. Contudo, como tudo mais na sociedade capitalista, as poucas conquistas que foram obtidas foram sendo retiradas no decorrer das décadas seguintes, uma processo que, lamentavelmente, se acentuou a partir do final dos anos 1980, quando os planos econômicos e a ideologia neoliberais resultaram em profundos ataques às populações historicamente marginalizadas, negros e negras em particular.

Nas últimas décadas, na América Latina, em países como Brasil, Bolívia, Equador e Uruguai, o neoliberalismo combinou-se com a política de conciliação de classes promovida pelas chamadas “frentes populares” ampliando ainda mais os ataques às populações historicamente marginalizadas, incluindo seus povos nativos (indígenas).

O resultado não poderia ser outro: mundo afora, a opressão racial voltou a se intensificar, sendo cada vez mais colocada a serviço da superexploração de milhões de trabalhadores, sejam eles negros ou negras, indígenas, migrantes e imigrantes, “chichanos” (latinos nos EUA) ou simplesmente “desterrados”, que vagam de país em país em busca de empregos e melhores condições de vida. Todos eles submetidos aos piores empregos e condições de trabalho, à precarização e à vulnerabilidade.

É isto que faz com que os setores realmente comprometidos com o combate ao racismo falem, hoje, em um processo de “genocídio” contra a população negra, particularmente seus jovens. Genocídio praticado com as armas na nuca nos bairros pobres e periféricos das principais cidades do mundo. Mas, também, um “massacre” cometido cotidianamente ao impedir o acesso dessa mesma população ao trabalho, à saúde de qualidade, à educação e tudo mais que possa lhes garantir uma vida digna.

Uma situação que se agravado ainda mais com a explosão da crise econômica mundial. Exemplo disto é a onda de ataques neonazistas que está ocorrendo neste exato momento em Toulouse, na França, onde (como a imprensa tem noticiado), um esquadrão de ex-militares já promoveu três ataques contra representantes da população árabe, judia e latina (de Guadalupe, no Caribe).

Como também, certamente, é o racismo que está por trás da morte do jovem brasileiro na Austrália, também esta semana, e a infinidade de outros casos semelhantes que têm pipocado por Europa e Estados Unidos.

No Brasil, higienização étnico-social e criminalização da pobreza
Cinqüenta e dois anos depois do Massacre de Shaperville, no Brasil, o racismo também tem assumido formas cada vez mais perversas. Além das práticas neoliberais, a aproximação dos chamados “grandes eventos” (Copa e Olimpíadas) tem alimentado políticas de higienização social e criminalização da pobreza que, sem margem de dúvidas, atingem mais intensamente a população negra.

E é lamentável que estas políticas estejam sendo levadas a cabo pelo “lulismo” (PT e PCdoB à frente) que, no discurso, sempre se disse comprometido com a luta anti-racista e a defesa do povo negro. Um discurso que, hoje, não resiste à própria realidade. E os exemplos, infelizmente, são muitos.

Afinal, foi o governo Lula (e, agora, o de Dilma) que promoveu a vergonhosa invasão do Haiti, um dos maiores símbolos da luta e da resistência negra. Como também, foi este mesmo governo que mutilou o Estatuto da Igualdade Racial (retirando dele pontos fundamentais como as cotas e a defesa das terras quilombolas, isso pra não falar na simples menção ao termo “raça”).

Se isto não bastasse, os governos do PT e do PCdoB tem se caracterizado pela cooptação da lideranças e grupos do movimento negro (com entidades como a CONEN e Unegro, à frente), levando a um imobilismo ou à negociação de nossas bandeiras históricas, em trocas de favores (cargos gabinetes, mandatos parlamentares e secretarias institucionais).

Estimulados por este imobilismo e, principalmente, acobertados e protegidos pelo próprio governo (em troca de favores espúrios e da aprovação de projetos no congresso), a “direita” e os setores mais conversadores do país têm, literalmente, promovido um verdadeiro festival de atrocidades racistas.

Comandados por sujeitos asquerosos como Bolsonaro, Malafaia, Garotinho ou a chamada “bancada crist㔠estes setores têm se aproveitado da situação para promover todo e qualquer tipo de ataque contra negros e negras e demais setores oprimidos, principalmente gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT) e mulheres.

Os lamentáveis reflexos disto na sociedade lamentavelmente podem ser encontrados todos os dias nas páginas dos jornais. Somente em São Paulo, por exemplo, a lista parece não ter fim.

No início de dezembro, uma estagiária perdeu o emprego no Colégio Anhembi Morumbi porque se recusou a alisar o cabelo; dias depois, um garoto etíope foi jogado para fora de uma pizzaria por ser “confundido” com um garoto de rua; enquanto isso, na USP, um estudante “rasta” foi brutalmente agredido por um policial e um jovem trabalhador mofava na cadeia acusado de um crime que não cometeu (como ficava evidente em vídeo gravado no seu local de trabalho).

E as histórias não param. No último fim de semana, todos viram a brutalidade de um ataque contra um jovem negro, em Embu das Artes, também em S. Paulo, e, há meses, também temos denunciado a política elitista e racista da maior universidade do país, a USP, que tem feito uma verdadeira campanha para desabrigar o Núcleo de Consciência Negra, fundado em 1988.

Para além das fronteiras de S. Paulo, a situação não é diferente. No Paraná, um jovem negro foi torturado por 48 horas; no Maranhão, há alguns dias, outra estudante, Ana Carolina, foi impedida de entrar na escola por ter uma cabelo “black” e, no Pará, jovens negras foram “oferecidas” como objetos sexuais para os detentos de uma prisão.

Junte-se a isto a onda de ataques homofóbicos e as constantes denúncias de agressões machistas e tem-se um quadro bastante desagradável da situação dos oprimidos. Uma situação em muito agravada por outro aspecto do projeto de “higienização” em curso: a contra-reforma urbana. Afinal, não é preciso muito esforço para se identificar a cor da maioria daqueles que residiam no Pinheirinho, na Favela do Moinho, na “cracolândia” ou nas áreas, em todo os países, das quais as populações estão sendo removidas em função das obras da Copa e do PAC.

No que se refere à população negra, este projeto tem assumido um caráter particularmente criminoso através da intensificação dos ataques aos povos quilombolas ou as comunidades tradicionais, como foram os casos recentes do Rio dos Macacos, na Bahia, e da Matinha, no Maranhão.

Retomar as lutas, para honrar os mortos de Shaperville
Diante desta inegável onda racista, a primeira presidente-mulher do país tem dado as costas aos oprimidos e intensificado suas alianças com os reacionário e, consequentemente, potencializado o aumento da violência, das ameaças, do genocídio e mortes dos negros, jovens e mulheres das comunidades ocupadas pela “polícia pacificadora”(UPPs), dos lideres quilombolas e indígenas, que estão em luta por seu direito a terra.

Contudo, isto, felizmente, não tem acontecido sem a resposta dos movimentos que lutam contra a opressão e exploração. Podemos dizer que há um processo de reorganização dos movimentos negro, de mulheres, LGBT, sindical e popular, no mundo e no Brasil. Um processo ainda incipiente, mas que tem cumprido um papel fundamental na organização da resistência e na luta contra a opressão, a exploração e a discriminação da sociedade capitalista.

É isto que podemos ver no atos promovidos, desde o ano passado, pelo “Comitê de Luta contra o Genocídio da Juventude Negra” (constituído em São Paulo, como mais de 25 entidades, dentre as quais o “Quilombo Raça e Classe”, filiado a CSP-Conlutas); na resistência quilombola e popular no Maranhão e no Rio dos Macacos; na continuidade da luta e solidariedade ao Pinheirinho; em campanhas como “meu cabelo é bom, ruim é o seu racismo”, que começam a se popularizar país afora ou nas muitas atividades que estão sendo programadas para este dia 21.

Esse é o único caminho possível para impedir a continuidade dos “massacres” (físicos, psicológicos, sociais e políticos) que continuam sendo promovidos pelos representantes do Capital contra a população negra. Só a luta sem tréguas, em alianças com os demais oprimidos e explorados, pode nos fazer honrar a memória de todos aqueles e aquelas que tombaram lutando pela verdadeira liberdade. Este é o nosso compromisso. E é para isto que convidamos a todos a se juntarem à luta, neste 21 de março e até a vitória.