13 de maio de 1888. Da sacada do Palácio Imperial, a Princesa Isabel anuncia a proclamação da Lei Áurea, decretando o fim da escravidão no Brasil. Nas ruas, país afora, em meio às inevitáveis comemorações, não são poucos os negros e negras que se questionam sobre o real significado daquilo tudo. Afinal, uma expressiva maioria deles (cerca de 95%) já estava “livre”. Algo que, contudo, não tinha resultado, de forma alguma, em uma mudança em suas vidas: continuavam a vagar pelas ruas e campos, presos aos grilhões do desemprego ou do subemprego, da falta de moradia ou de qualquer tipo de assistência social e, principalmente, continuavam a carregar em seu próprio corpo as profundas marcas do preconceito, da discriminação e do racismo.

Maio de 2008. Passados 120 anos desde que o Brasil se tornou o último país do mundo a oficialmente libertar seus escravos, cerca de metade da população brasileira, descendente dos africanos que para cá foram trazidos, tem muito pouco a comemorar.

País afora, negros e negras encontram-se entre a maioria dos desempregados; ganham, em média, metade (no caso dos homens) ou um terço (em relação as mulheres) dos salários pagos aos homens brancos; estão fora das escolas, principalmente as do ensino superior; são menosprezados e ridicularizados pela mídia; vitimados pela violência racial e policial e expostos, cotidianamente a uma infinidade de atitudes preconceituosas e racistas.

“Façamos nós, antes que eles o façam”
As raízes desta história encontram-se, em grande medida, no próprio processo que levou à assinatura da Lei Áurea.

Assinada em meio à profunda crise social, econômica e política em que se encontrava o Império e em meio às pressões internacionais que exigiam o fim da escravidão para que o Brasil fosse inserido no mercado consumidor necessário para alimentar os lucros das potências imperialistas da época, a Lei Áurea significou, de certa forma, a resposta institucional que a elite brasileira deu para um temor que ele expresso até mesmo no discurso de famosos abolicionistas da época, como Joaquim Nabuco: “façamos nós, antes que eles o façam!”.

Um temor pra lá de justificável. O “fantasma” do Haiti, onde os negros, no início do século, haviam – no processo de luta contra a escravidão – tomado o poder, eliminado a elite branca colonial e decretado uma república, ainda assombrava os governantes brasileiros.

Uma possibilidade que pra nada estava descartada por aqui. A intensificação das rebeliões negras, o surgimento incessante de novos quilombos e a atuação dos chamados “abolicionistas radicais”, como Antônio da Silva Jardim, José do Patrocínio e Luís Gama, anunciavam a possibilidade de uma radicalização do conflito. Algo que ficava evidente, principalmente, nos escritos de Luis Gama que, como advogado, defendia abertamente: “Ofendido em seu direito, o escravo que mata seu senhor, mata em legítima defesa”.

Seguindo a “lógica” de que é melhor perder os anéis do que os dedos, a elite da época aboliu a escravidão, decretando juntamente com isso o espaço desde então reservado a negros e negras: o das margens da sociedade.

Os grilhões do Capital
De lá para cá, esse “projeto” foi implementado das mais variadas formas. “Teorias”, como a do “embranquecimento” e da “democracia racial” foram criadas para justificar a opressão ou tentar mascarar o racismo.

Leis (ou o descumprimento delas) foram utilizadas para oprimir negros e negras. Práticas racistas de toda espécie foram “naturalizadas”, na tentativa de transformar a discriminação num “problema menor” ou num traço “cultural” de nosso povo. Contudo, por trás de tudo isso, encontra-se uma única coisa: o poder e os interesses do Capital. É isso que queremos lembrar quando citamos a famosa frase do líder negro norte-americano Malcolm X: “não há capitalismo sem racismo”. Ou seja, é parte da lógica do sistema se utilizar das diferenças étnico-culturais para superexplorar, além de oprimir, milhões de pessoas mundo afora.

Para os senhores do poder, é, literalmente, lucrativo manter um enorme “exército” de mão-de-obra desqualificada, subempregada ou desempregada e marcada pela discriminação e o preconceito.

Uma luta de “raça e classe”
E, por isso mesmo, a luta contra o racismo só pode ser travada de forma conseqüente quando se volta diretamente contra o sistema que tanto se beneficia dele.

Esta foi a lição que nos foi deixada por Zumbi e seus quilombolas de Palmares, quando, para lutar pela liberdade, fundaram uma República em pleno sistema colonial. Esta também foi a mensagem de João Cândido e dos marinheiros negros da Revolta da Chibata quando, em 1910, eles apontaram seus canhões para a sede do governo federal, para por fim aos castigos físicos que sofriam.

Lutas que são apenas dois exemplos das muitas que já foram travadas pelo povo negro, antes e depois da Abolição. Lutas que, acima de tudo, não podem ser lembradas simplesmente como marcos da história, mas sim, como exemplos a serem seguidos.

Os descaminhos do governo Lula e do movimento negro
Infelizmente, contudo, não é isto que temos visto na atualidade. Particularmente depois da ascensão de Lula ao poder, a grande maioria do movimento negro deu as costas para o passado e enveredou por um beco sem saída: o da ilusão de que é possível combater o racismo em “parceria” com aqueles mesmos que se beneficiam dele.

Seja através da malfadada Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), das ONGs ou de projetos sustentados por banqueiros e empresários (como a Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo), grandes parcelas do movimento negro aliaram-se ao “capital” e passaram a vender a farsa de que é possível conquistar a liberdade e a igualdade – rebatizadas de “cidadania” – através dos acordos e migalhas oferecidos por aqueles que nada mais querem do que continuar lucrando e mantendo seu poder através do racismo.

E é por isso, também, que a maioria destes setores faz “vistas grossas” (ou se cala por completo) diante da vergonhosa e criminosa ocupação que Lula está promovendo no Haiti.

Por um novo movimento negro: combativo e quilombola
Fundada com o objetivo de oferecer uma alternativa de organização para todos que já constataram a falência das direções tradicionais dos movimentos sociais – como a CUT, a UNE -, a Conlutas também se propõe a organizar os que querem lutar contra a opressão machista, homofóbica e racista, empunhando as bandeiras do classismo e da revolução socialista.

Para isso criamos o Grupo de Trabalho (GT) de Negros e Negras, que realizou, em novembro, um Encontro Nacional com mais de 600 ativistas. Para nós, o único caminho para se conquistar a liberdade e a igualdade que tanto queremos é o da unidade com os trabalhadores, a juventude e todos os oprimidos.

Por isso, também, neste “13 de maio”, conclamamos todos aqueles e aquelas que entendem que a luta anti-racista é, obrigatoriamente, uma luta anti-capitalista a se juntarem a nós, na construção de um “novo movimento negro”, cuja construção foi aprovada no Encontro Nacional e o lançamento será feito no I Congresso da Conlutas, em Betim (MG), entre 3 e 6 de julho, que recoloque na ordem do dia a luta sem tréguas pela liberdade que realmente queremos.

Junte-se a este quilombo de luta.

  • Baixe o Boletim do GT de Negros e Negras (.pdf)