Para grande parte da imprensa, o dia de paralisação foi um fracasso. Cabe à imprensa sindical e de esquerda mostrar o contrário

Se você estava em algum lugar do país no último dia 11 de julho, com certeza viu ou sofreu alguma conseqüência do dia nacional de paralisação e protestos convocados pelas centrais sindicais.

Pela primeira vez desde os anos 1980, grandes centros industriais pararam de forma simultânea, como a região do ABC e São José dos Campos (SP). Portos, como o de Santos, o maior da América Latina, além de várias refinarias também foram paralisados. Houve ainda bloqueios de importantes rodovias como a Anhanguera e Dutra em São Paulo, além de outras país afora. Capitais como Porto Alegre e Belo Horizonte viveram um dia de uma verdadeira greve geral, com o transporte público parado. Se você, porém, estava em alguma cidadezinha remota em que não houve greve ou manifestação, pode ter visto a cobertura no rádio e televisão em qualquer momento do dia.

Surpreendentemente, porém, no dia seguinte, os principais jornais trataram o dia de paralisação como um “fracasso”. A manchete da Folha de S. Paulo é um exemplo da contradição absurda entre fato e notícia, estampando que “Protestos sindicais afetam o país, mas têm baixa adesão”. Ora, como puderam afetar o país com baixa adesão? Manchete semelhante trouxe o concorrente Estadão: “Protestos têm baixa adesão em SP e confronto no Rio”, destacando na foto principal uma grande imagem aérea da Avenida Paulista, em que se pode ver praticamente toda a via, e em que a manifestação ocupa apenas uma pequena parte. A intenção era clara: evidenciar a “baixa” participação no protesto.

Poderia causar estranhamento, porém, no leitor que resolvesse abrir o jornal e se deparasse com a seguinte notícia: “Protestos afetam venda e produção”. Nele, ficamos sabendo, por exemplo, que “a produção foi paralisada em pelo menos quatro refinarias brasileiras e em oito unidades de montadoras. A fábrica da Renault em São José dos Pinhais (PR) deixou de produzir 1,3 mil veículos e 1,6 mil motores ontem. Já a Volvo, em Curitiba (PR), atrasou a produção de 115 caminhões e oito ônibus“. Ou ainda que, em Pernambuco, “manifestantes bloquearam os acessos do complexo industrial e portuário de Suape. Nenhum ônibus que transportava trabalhadores podia entrar no complexo, onde trabalham 75 mil pessoas em cerca de 150 empresas”. Um pouco demais para uma jornada com tão pouca adesão, não?

Para reforçar o aspecto supostamente artificial da jornada de lutas, tanto a Folha quanto o Estadão destacaram a presença de “militantes pagos” para participarem das manifestações e empunharem bandeiras. Teriam sido as dezenas de milhares de operários que cruzaram os braços nesse dia também pagos para isso?

Já vimos esse filme antes
No início dos protestos contra o aumento das tarifas do transporte, o estopim para o grande movimento que tomou conta do país, a grande imprensa foi quase unânime em tachar os manifestantes de “vândalos” e criticar o movimento. Ficou marcado o patético discurso de Arnaldo Jabor afirmando que os jovens que saíam às ruas não passavam de “rebeldes sem causa”. Foi obrigado a pedir desculpas dois dias depois, quando as manifestações ganhavam caráter de massas e se generalizavam. Também não passou em branco o editorial da Folha de S. Paulo exigindo que os protestos fossem tratados com maior dureza por parte da polícia. Também dois dias depois, sete repórteres eram feridos pela repressão que a própria empresa exigia.

Agora, a estratégia é outra. Trata-se de desqualificar a entrada em cena da classe trabalhadora. De reduzir o peso das organizações e das greves como métodos de luta. Trata-se, enfim, de enaltecer o caráter espontâneo das manifestações de junho e atacar as entidades, tanto os partidos de esquerda quanto as organizações de classe. Para isto, fazem uma contraposição entre a natureza dos protestos de junho e a recente mobilização. Enquanto que as jornadas de junho expressariam as justas reivindicações do povo brasileiro, o dia 11 teria sido uma manobra das entidades e partidos e seus “objetivos políticos”. As bandeiras vermelhas, ausentes em junho e onipresentes agora no dia 11, seria a prova disso.

Desconsideram, por exemplo, que a disposição dos trabalhadores de cruzarem os braços no dia 11 faz parte da mesma indignação que levou milhões de pessoas às ruas em junho. Foi dado destaque, por exemplo, ao caráter pelego e oficialista das grandes centrais sindicais, mas não se analisou a razão pela qual os trabalhadores fizeram greves, mesmo com essas centrais e, em muitos casos, até mesmo repudiando seus líderes. Ou seja, uma coisa não explica a outra.

Os grandes veículos de comunicação temem, na verdade, que esse processo de greves escape ao controle de suas direções e se encontre com a onda de protestos populares de massas. Sabem que, assim, mudanças realmente de fundo terão que ser feitas, a começar por essa política econômica do governo Dilma.

O papel das redes e da imprensa alternativa
Passado o dia 11 de julho, abriu-se uma disputa por seu real sentido. Cabe às organizações da esquerda e do conjunto do movimento sindical e popular desmentir o discurso construído pela grande imprensa, mostrando o caráter histórico desse dia, a maior onda de paralisações em pelo menos 23 anos. Desmentir a grande mídia é o desafio colocado aos jornais, boletins, panfletos, sites e demais meios de comunicação dos partidos de esquerda, sindicatos, entidades estudantis e organizações dos movimentos populares.

Nisso, as redes sociais também podem cumprir um papel determinante, como já vem cumprindo com a cobertura alternativa e a convocação dos protestos.  A Internet, seja através do Youtube ou do Facebook, por exemplo, questionou o “monopólio da verdade” da grande mídia. São grandes empresas capitalistas, é verdade, mas carregam essa contradição. Hoje é possível filmar e denunciar uma agressão policial, ou desmentir histórias inverossímeis mostradas na Globo, como engradados de coquetéis molotov’s surgindo do nada nas manifestações para justificar a repressão. A disputa ideológica também passa pelas redes.

A grande imprensa quer marcar uma oposição entre o “novo” versus o “velho”. Os novos movimentos versus os velhos. Os partidos e sindicatos versus redes sociais. Para enfrentá-los, precisamos mostrar que a verdadeira oposição não passa por aí, mas entre nós, sindicatos, partidos de esquerda, anarquistas, ativistas independentes se articulando pelas redes, e eles, ou seja, a burguesia, os governos, e também, a grande imprensa.

Publicado no Opinião Socialista 464

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