No artigo “Crise dos de cima e a frente ampla: Temos que nos aliar a um dos blocos burgueses?publicado há um mês neste site dizíamos sobre a possibilidade de prisão de Lula: é necessário distinguir entre os interesses de classe envolvidos nesta disputa, que estão difusos pelo discurso petista entre democracia, autoritarismo e liberdades democráticas.

Até então, o discurso da existência de um movimento fascista era patrimônio de alguns dirigentes do PT, mas agora foi incorporado pelos partidos da frente eleitoral dirigida pelo PT que tragou o PSOL e o PCdoB.

Democracia burguesa e liberdades democráticas
Quando os antigos gregos falavam em democracia, não lhes passava pela cabeça que os escravos ou as mulheres tivessem alguma voz ou direito de voto para escolher os homens que estariam à frente do governo de Atenas.

Isso porque o que se chama de democracia não pode ser visto por fora das classes ou dos setores da classe dominante que controlam o poder econômico e político. Não é nenhum capricho chamar a atual democracia de “democracia burguesa”, pois elas são as regras com as quais as diferentes frações ou setores da classe dominante governam se revezando no controle do aparato do Estado.

Estas regras variam de país a país, como resultado tanto da luta entre as classes fundamentais: a burguesia e o proletariado, mas e também, pela disputa dos distintos setores burgueses. No Brasil temos o presidencialismo, mas há outras formas, como o parlamentarismo, onde o primeiro-ministro é nomeado presidente de governo se consegue maioria no parlamento, para citar um exemplo. Todas essas regras mudam de forma, mas a sua essência permanece: ela se baseia no poder econômico dos grandes monopólios, os que verdadeiramente governam.

A manobra dos dirigentes do PT, PCdoB e do PSOL, é confundir deliberadamente a democracia burguesa: as regras com as quais as distintas frações burguesas se alternam no governo, com as liberdades democráticas para toda sociedade.

As liberdades democráticas como o direito de voto, a possibilidade de organizar sindicatos e fazer greves, o direito de expressar suas opiniões, o direito de manifestação, etc., foram conquistadas pelos trabalhadores com muita luta e muito sangue. Mas ainda assim, em um país como o Brasil, um capitalismo periférico e dominado pelo imperialismo, estas liberdades sempre foram restritas.

Em um país marcado por uma profunda desigualdade social, e pela opressão e violência do Estado exercida através das forças de repressão, sempre andou paralela às restritas liberdades democráticas a qual a maioria da população tem acesso. Diga-se de passagem, mesmo nos governos petistas, haja vista o número de trabalhadores rurais assassinados ou o encarceramento exponencial com a lei sobre drogas do governo Lula.

As regras com as quais as distintas frações da classe dominante se revezam no controle do governo podem variar, sem que isso modifique o regime de liberdades democráticas da sociedade? Pode.

Mas se a propriedade das grandes empresas estivesse ameaçada, a classe dominante poderia muito bem apelar para uma ditadura, exercida, em primeiro lugar, contra o proletariado e de quebra disciplinaria a própria classe dominante.

Neste caso deveríamos construir, no interesse do proletariado, uma ampla unidade na ação, inclusive com setores burgueses, para impedir o fim das liberdades conquistadas. Mas nunca uma frente eleitoral, pois se estivéssemos diante de uma ameaça de golpe, não se poderia detê-la utilizando os mecanismos do regime.

O dito anteriormente não implica em baixar a guarda contra toda e qualquer uma medida autoritária que atente contra os interesses dos trabalhadores, como é hoje a intervenção federal no Rio de Janeiro. Ou as contrarreformas como a da Previdência e a reforma trabalhista, estas sim que rasgam a Constituição.

Neste terreno somos partidários de toda unidade para manter e ampliar os direitos e as liberdades democráticas duramente conquistadas.

Porque se mudam as regras?
Em um artigo sobre a ameaça fascista, Lindbergh Farias comete um ato falho quando afirma que: O pacto da Constituição de 1988, que permitiu trinta anos de relativa estabilidade democrática ao país e revezamento dos partidos no poder, especialmente o PT e o PSDB, está sendo aceleradamente rompido. (grifo nosso)

Aqui todo o discurso do golpe cai por terra. Esta “estabilidade democrática” a qual se refere o senador não é outra coisa que as regras com os quais os partidos que mantiveram intactos os interesses da burguesia, governasse, e, “especialmente o PT e o PSDB”. Esta “estabilidade democrática” se manteve porque o PT não atacou nenhum dos interesses da grande burguesia, jogou com as regras da democracia burguesa, a corrupção, no período de auge do ciclo econômico.

A ruptura deste “pacto”, que tem a sua expressão mais alta na prisão de Lula, não é outra coisa que a expressão da profunda divisão interburguesa, que se expressa no seu regime. Com um presidente desmoralizado por denuncias de corrupção, e nem falar no Congresso Nacional, cabe ao Supremo Tribunal Federal exercer o papel de árbitro.

E o pano de fundo por trás desta divisão é a profunda polarização social que vive o país e a profundidade da crise econômica, na qual as distintas frações da classe dominante lutam para levar o barco nas águas turvas da crise capitalista, tanto no plano mundial como local. Em suma, qual o lugar que ocupará o Brasil na divisão mundial do trabalho da era Trump.

Em qual dos bandos burgueses?
A desconfiança e o descrédito nas instituições do regime pela maioria dos trabalhadores aumentam com a seletividade da “justiça”. Mas a profundidade da crise está no fato de que todos os dois campos burgueses – PT e PSDB – governaram utilizando a corrupção. Esta é a regra da democracia burguesa.

Em que pese os esforços para “estancar a sangria”, a crise e a polarização social presentes não somente nos altos escalões do STF; a dinâmica da crise empurra outros processos como o de Aécio, apesar da lambança para livrar Alckmin, candidato preferido do capital financeiro, que não decola e também é afetado pela corrupção.

Enquanto isso, o PSOL e o PCB, renunciam a dissipar a fumaça e resolvem aderir a um dos blocos burgueses em disputa. Em vez de exigir a prisão de todos os corruptos e corruptores e a expropriação de seus bens, são obrigados a dizer que a corrupção não é uma arma que se possa utilizar na disputa entre os blocos burgueses. E acabam por defender uma anistia ampla aos corruptos e corruptores.

Por fim, a frente política pelo “Lula Livre” não é uma frente pela defesa das liberdades democráticas. É uma frente pela manutenção das regras com as quais o PT jogou para se manter no governo durante mais de uma década, a utilização da corrupção para governar.

Portanto, é também uma frente política que resgata um programa, o da conciliação de classes e de um reformismo sem reformas. Justo quando os trabalhadores começaram a se afastar desse programa ainda de forma incompleta, por vezes de forma confusa bombardeado pela propaganda burguesa e a entrada da ultr direita na cena política e o aprofundamento da polarização social.

Tudo isso reafirma a necessidade de lutar pela independência de classe, pela mobilização independente dos trabalhadores e reafirmar a necessidade de outro programa, ao invés de tentar resgatar o PT como fazem o PSOL e o PCB.