Essa é a situação dos moradores do Pinheirinho, após a desocupação do terreno na zona sul de São José dos Campos, interior de São Paulo, em 22 de janeiro último. A indignação foi manifestada pelo advogado das 1.632 famílias, Toninho Ferreira, durante ato realizado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 8 de fevereiro. Ele fez relato dramático cerca de duas semanas após a ação truculenta. “Os abrigos são terríveis. Choca ver um idoso que perdeu tudo e fica o dia inteiro em torno de um colchãozinho.” Segundo Toninho, o cenário armado de guerra deixou traumatizadas as crianças, que não podem sequer ouvir helicópteros sem associar à invasão da Polícia Militar.

Questionado sobre se foram confirmadas mortes durante a desocupação, o advogado ponderou que não poderia afirmar, mas que ainda há desaparecidos. “Um garoto de quatro anos de idade foi visto dando entrada numa ambulância e não foi mais encontrado, nem sua mãe.” Conforme sua preleção, também é desconhecido o paradeiro de uma menina que teria levado um tiro de bala de borracha e tido seu pescoço dilacerado. Comprovado, de acordo com Toninho, é que houve um cidadão atendido com um tiro nas costas e outro, na perna. “Um senhor de 70 anos deu entrada no hospital com um coágulo na cabeça e corre risco de morte”, continuou.

A descrição das cenas de horror não para por aí: “Tudo leva a crer que duas moças e uma menina foram estupradas. Ficaram quatro a seis horas com dez a 12 policiais.” Ana Luiza, do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) – o qual organizou o ato -, denunciou a violência sexual como “a arma mais cruel que a burguesia utiliza em toda situação de guerra, tratamento dado no Pinheirinho”.

Perda da identidade
Líder daquela comunidade, Valdir Martins, o Marrom, pontuou que na desocupação, feita “como se os Estados Unidos invadissem o Iraque, destruíram não só sonhos, mas lembranças, histórias”. De acordo com sua narrativa, uma moradora cujo filho havia morrido tinha como única recordação um CD com imagens dele, que ficou entre os pertences que viraram entulhos na derrubada das moradias. “Perderam a própria identidade. Não têm mais para onde voltar, trator passou por cima das casas”, salientou Toninho.

Nesse ponto, impossível não fazer uma digressão e associar o tratamento recebido pelos habitantes do Pinheirinho ao dado aos palestinos em 1948, quando da limpeza étnica deliberada promovida como consequência da criação unilateral do Estado de Israel. Ali, foram expulsos 800 mil palestinos de suas casas e destruídas cerca de 400 aldeias. Numa tentativa de apagá-los do mapa e não deixar qualquer vestígio de sua existência, trator passou sobre as casas e memórias e, no lugar, outra paisagem foi construída.

Lamentar, sem perder o ânimo
Lá como cá, a luta continua. Voltando ao Pinheirinho, algumas conquistas foram obtidas, como um aluguel social a cada família no valor de R$ 500,00. “Foi uma vitória do movimento, mas se dispersar, não vai ter mais nada. Só vamos conseguir um teto se continuarmos unidos”, ponderou Toninho.

Ele traçou um histórico da organização no Pinheirinho e os avanços decorrentes para a cidade como um todo. “Após uma ação da Polícia Militar de retirada de 150 famílias, foi feita a primeira ocupação, em 26 de fevereiro de 2004. Em São José dos Campos, não havia Secretaria da Habitação; um ano depois, passou a ter.” Programa habitacional também foi uma conquista decorrente, como contou o advogado.

Após oito anos, a área – que antes era um pasto e foi transformada pelos habitantes num local agradável – foi entregue à massa falida da empresa Selecta. Tal pertence ao empresário Naji Nahas – o qual chegou a ser preso em 2008 por evasão de divisas e lavagem de dinheiro, mas aparentemente mantém seu poder de influência nos círculos da alta política. A intenção, com a reintegração de posse, seria especulação imobiliária.

Agora, a luta é para que o governo federal desaproprie o terreno de 1,380 milhão de metros quadrados e o entregue aos antigos moradores. “Essa é a maior reparação que esse povo pode ter. Cabe todo mundo ali e ainda sobra para construir casas populares”, enfatizou Toninho. Importante, como frisou Marrom, é que as áreas de preservação ambiental no local permanecem intactas. Assim como o ânimo para a luta. “Acharam que o movimento ia acabar, mas segue”, atestou o advogado.

Lembrando a política higienista de Alckmin, das prefeituras de São José dos Campos e de São Paulo, que também não tem ficado atrás, Ana Luiza concluiu: “É preciso unir os trabalhadores do movimento sindical e a população para que a resistência ganhe mais força.” A continuidade da luta no Pinheirinho será celebrada no dia 3 de março, em São José dos Campos. Marrom ressaltou: “Nos retiraram do terreno, mas o Pinheirinho somos todos nós. Vamos vencer.” O ato contou com a presença do deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), que tem acompanhado o caso.

Artigo publicado originalmente em
http://www.ciranda.net/porto-alegre-2012/article/desterrados-no-proprio-pais