No dia 8 de março, durante um pronunciamento de mais de 11 minutos realizado em cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do “Dia Internacional da Mulher”, a presidente Dilma anunciou três medidas dirigidas às mulheres, em especial às mães de família mais pobres e de classe média, que como nas palavras da presidente, “dividem com seus maridos a responsabilidade pelo sustento da casa”. A medida de maior impacto foi a desoneração fiscal de oito produtos da cesta básica. Certamente o anúncio soou como um presente e tanto! Mas será mesmo?

Combate à inflação
Da forma como foi apresentada, a isenção fiscal desses produtos teria por objetivo minimizar um problema que no último período vem influenciando diretamente o bolso dos trabalhadores e das trabalhadoras, o aumento da inflação. Como o preço dos alimentos tem um peso maior nas despesas das famílias de menor renda, a consequência seria a redução do choque pelo aumento do custo de vida e a manutenção dos atuais padrões de consumo das classes mais baixas.

Mas explicar a medida somente por esse prisma é simplificar demais a questão. Em primeiro lugar porque, ao contrário do quer fazer crer o governo, do ponto de vista concreto, a repercussão nos índices de inflação será mínimo. Ainda que a isenção fiscal fosse repassada integralmente para o consumidor final, isso significaria um alívio de apenas 0,6 ponto para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo, o IPCA. Para o bolso dos brasileiros o impacto é ainda menos expressivo. Em termos monetários, por exemplo, segundo uma simulação feita pelo consultor em tributação Clóvis Panzarini, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, a desoneração equivaleria, ao consumidor paulistano, a uma economia de menos de R$ 10 no preço final da cesta básica, bem menos do que um quilo de carne. Assim mesmo, poucos analistas acreditam num repasse total da desoneração ao consumidor final. A avaliação geral é de que essa deve tirar algo entre 0,4 e 0,2 ponto do índice neste ano, os analistas mais coerentes, falam em uma redução em torno de 0,12%.

Cortesia com o chapéu dos outros
Em 2012, somente com a redução do IPI de carros e eletrodomésticos da linha branca o governo renunciou a R$ 7,1 bi, o que significou menos R$ 1,67 bi para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Para se ter uma ideia do quanto isso representa, a ampliação do bolsa-família anunciado no mês passado trará um custo anual adicional de R$ 928,4 milhões ao Governo Federal, isto é, o que o governo deixou de arrecadar em 2012 daria pra ampliar em mais de 5 vezes os gastos com o bolsa-família. Por outro lado, o aumento do salário mínimo que ocorreu em janeiro vai representar, segundo a Confederação Nacional de Municípios, um custo médio adicional para as prefeituras de todo o Brasil de 1,88 bilhão, praticamente o que deixou de ser repassado ao FPM. Vale ressaltar que uma das alegações do governo para não conceder um aumento maior para o salário mínimo é de que isso pode gerar custos muito altos para estados e municípios. Entretanto, através da política de renúncia fiscal, abre mão de impostos que poderiam ser repassados a esses mesmos estados e municípios para financiar um aumento maior na folha de pagamentos. É literalmente fazer cortesia com o chapéu dos outros.

Quem ganha com a renúncia fiscal do governo
Até agora, os grandes beneficiários da desoneração fiscal do governo tem sido as empresas. A venda de carros e veículos leves, por exemplo, bateu recorde e encerrou o ano com uma alta de 6,1%, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). No caso da atual desoneração dos produtos da cesta básica, cuja renúncia vai custar aos cofres públicos, R$ 5,5 bilhões em 2013 (praticamente o que foi cortado no orçamento da saúde no ano passado), podendo chegar a 7,4 bi em 2014, os beneficiados são os empresários do setor de alimentos e do comércio varejista que esperam com isso, recompor sua margem de lucro.
Não é à toa que, uma semana após o anúncio do governo cortando o PIS/Cofins de oito produtos de consumo básico, uma pesquisa realizada pela Fundação Procon de São Paulo em parceria com o Dieese constatou que o preço da cesta básica ao invés de baixar, teve uma elevação de 0,55%. Exatamente o mesmo percentual de redução anunciada nessa semana pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Isto é, aumentou primeiro pra abaixar depois. Entre os itens que subiram de preço, dois beneficiados pela desoneração, o açúcar refinado, que ficou 2,59% mais caro na pesquisa, e o creme dental, que subiu 0,7%.

Ponto sem nó
Que a desoneração fiscal tem sido uma medida amplamente adotada pelo governo não há dúvidas. Até agora 42 setores já foram beneficiados e o Ministro Mantega anunciou que essa política vai continuar. De acordo com declaração concedida durante coletiva de imprensa para comentar a reunião com empresários do setor de alimentação, a renúncia fiscal prevista para este ano com as desonerações será de R$ 53,2 bilhões.

A diferença nesse caso foi a forma como o governo tratou o caso na mídia. Assim como no episódio da redução da tarifa de energia elétrica, Dilma fez questão de anunciar a medida em cadeia nacional de rádio e televisão. Evidentemente isso não foi por acaso, considerando que em setembro do ano passado o governo vetou uma emenda de conteúdo idêntico, apresentada pelo deputado Bruno Araújo (PSDB/PE) à MP 563/2012 e que por sua vez já era, segundo o autor da emenda, o um “plágio do bem” de um Projeto de Lei de parlamentares petistas, fica claro que o anúncio tem vistas à campanha eleitoral de 2014, cuja disputa foi antecipada desde o mês passado quando do lançamento da candidatura de Dilma à reeleição pelo ex-presidente Lula. O resultado foi imediato, em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e realizada pelo Ibope entre os dias 8 e 11 de março, ou seja, imediatamente ao anúncio da desoneração, a aprovação de Dilma subiu. Como se pode ver o governo não dá ponto sem nó.

Os limites da política econômica do governo
A política econômica do governo foi definida em base a dois pilares: a produção para o mercado interno e a exportação de matérias-primas para o mercado mundial. Por um lado, os anos de crescimento econômico associado a uma política de estímulo ao consumo permitiram a incorporação ao mercado de um setor importante da classe trabalhadora, a chamada “classe C”. Por outro, houve uma ampliação do papel que o Brasil cumpre como exportador de commodities na nova divisão mundial do trabalho imposta pelas multinacionais com a globalização.

O problema é que, em ambos os casos, a economia já dá sinais de que está chegando ao seu limite. Primeiro porque a crise econômica mundial tem afetado as exportações, o saldo comercial de 2012, por exemplo, foi o pior em dez anos e representou um percentual 34% menor que em 2011. Segundo, porque o nível de endividamento das famílias e a inflação começam a incidir negativamente no consumo interno.

O governo tem lançado mão de todos os meios para fazer frente à desaceleração da economia e garantir a manutenção do lucro do capital: da redução na taxa de juros ao ataque ao funcionalismo público e aos direitos trabalhistas, passando pelas renúncias fiscais e aumento do crédito para as empresas, entre outras. Mas é preciso dizer que, até o momento, as medidas adotadas não tem conseguido evitar os reflexos da crise econômica mundial no país.

Reforma agrária e aumento de salários para combater a inflação
Independentemente de seus resultados é bastante claro que a política econômica do governo tem servido apenas às empresas e aos empresários. No caso da redução do preço dos alimentos, a maneira mais correta e mais eficiente, tanto no sentido de combater a desigualdade social, como de conter a inflação seria por meio da reforma agrária e aumento generalizado dos salários.

A maior parte da produção de alimentos para consumo interno é feita por pequenos e médios produtores que em geral vivem pressionados pelos bancos, pelo agronegócio e pelas grandes redes do varejo. O impacto da desoneração é pequeno porque se perde no caminho, na mão dos atravessadores e do varejo. E se o consumo aumenta, os preços voltam rapidamente aos patamares anteriores. Por isso, apenas uma reforma agrária que combata o latifúndio pode reduzir o preço dos alimentos de modo significativo, porque aumentaria a produção voltada para o mercado interno, reduzindo o preço dos alimentos (já que o agronegócio se concentra mais na exportação) e fixaria a população no campo, reduzindo o desemprego. Junto com isso é fundamental um aumento generalizado de salários que recomponha o poder de compra da população.

Basta de dar dinheiro para os patrões!
Por uma política econômica a serviço dos trabalhadores

Mas só isso não é suficiente, é preciso alterar radicalmente a política econômica do governo, colocando-a verdadeiramente a serviço dos trabalhadores e das trabalhadoras. Basta de dar dinheiro para os patrões, contra qualquer tipo de subsídio às empresas e seguir pagando a dívida interna e externa que esse dinheiro seja utilizado para melhorar a vida da população trabalhadora e pobre. Por outro lado, são as multinacionais aqui instaladas, as responsáveis pela redução da produção no país e pela ampliação das importações por isso é necessário controlar a entrada e saída de capitais e proibir as remessas de lucros. É preciso ainda estatizar o sistema financeiro para reduzir os juros e investir em projetos de interesse popular e anular imediatamente as dívidas abusivas dos trabalhadores; além de barrar a política de privatização do governo, através das concessões de portos e aeroportos e dos leilões de privatização do petróleo e reestatizar do todas as estatais privatizadas.