Com analogia no mínimo ridícula, o presidente Lula posou de Papa e, em visita ao Senegal, pediu desculpas pelos séculos de escravidão praticados no Brasil. Se não bastasse repetir as práticas da burguesia brasileira que perpetuam o racismo, o presidente aNo dia 14 de abril, em sua passagem pela ilha de Gorée, no Senegal — um dos pontos que serviram como entreposto para que milhões de negros e negras fossem enviados como escravos para as Américas —, o presidente Lula proferiu mais uma de suas absurdas metáforas, desta vez para pedir desculpas aos africanos pela escravidão praticada entre os séculos 16 e 19, no Brasil: “A dor da escravidão é como a dor do cálculo renal. Não adianta contar, só sentindo é que se sabe”.

Tendo ocorrido simultaneamente ao episódio racista que envolveu o jogador Ednaldo Libânio, conhecido por Grafite, o pedido de perdão foi saudado pela maioria da mídia e do movimento negro brasileiro como um ato de “nobreza” e indicador da preocupação do governo petista com o tema do racismo.

Contudo, o gesto de Lula só pode ser entendido como mais um capítulo da hipocrisia demagógica e espetacular que tem se tornado marca registrada de seu governo. Um capítulo que, lamentavelmente, vai se juntar ao livro de bombásticas e vazias declarações ou atitudes pontuais que vêm à tona depois de episódios como o assassinato da irmã Dorothy, da chacina em Nova Iguaçu e Queimados, da intervenção nos hospitais do Rio de Janeiro ou em tantas outras ocasiões.

Sempre que pode, e tem os holofotes voltados para si, Lula vem a público para declarar sua indignação com as crueldades do mundo e prometer miraculosas soluções. A morte da freira foi sucedida de declarações indignadas sobre a violência no campo e a necessidade de reforma agrária. O massacre policial na Baixada Fluminense também deu margem para promessas sobre o fim da impunidade. A crise da saúde no Rio está sendo respondida com um show pirotécnico e eleitoreiro.

Enquanto isso, de norte a sul do país, a população continua naufragando na miséria, na violência e na falta de assistência. Um naufrágio impulsionado pelas políticas que Lula e seus aliados vem implementando a mando do imperialismo e que, particularmente para a população negra, tem conseqüências tão devastadoras quanto aquelas que nos vitimaram em decorrência da dolorosa travessia do Atlântico rumo às senzalas do Brasil.

Escravidão não se perdoa, se repara
Assim como o pedido de perdão proferido pelo falecido Papa jamais poderá eximir a Igreja do crime que cometeu ao justificar e praticar a escravidão, o gesto de Lula não passa de hipocrisia.

É hipócrita porque se insere no mesmo projeto de fazer com que o Brasil desempenhe um papel de submetrópole imperialista na África, colaborando com o chamado Primeiro Mundo na exploração dos recursos africanos através da extensão dos tentáculos de empresas multinacionais brasileiras ao continente de nossos ancestrais. Na última viagem, por exemplo, o principal negócio fechado foi a construção, pela notoriamente corrupta e corruptora Camargo Correa, que agiu no Iraque após a invasão, de um gasoduto que ligará a Nigéria a Gana. Uma “benfeitoria” que renderá US$ 500 milhões à empresa.

E, como se não bastasse a promoção da ganância capitalista, há pouco mais de um mês, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ofereceu tropas brasileiras para mais uma intervenção da ONU, desta vez no Sudão, com a intenção de repetir o vergonhoso papel que o governo já está cumprindo no Haiti, um país majoritariamente composto por descendentes de africanos ao qual Lula, ao invés de oferecer perdão, enviou tropas de ocupação, repetindo a mesma história protagonizada por franceses e norte-americanos no passado.

É hipócrita, também, ao servir como festiva cortina de fumaça (embalada pelo ministro-cantor Gilberto Gil) para os muitos males que o governo petista vem causando aos descendentes dos escravos seqüestrados da África que hoje vivem no Brasil, na medida em que Lula, suas reformas e projetos neoliberais nada mais fazem do que acirrar as conseqüências do racismo que há séculos é utilizado para nos explorar e oprimir.

Foi assim com a reforma da Previdência, que distanciou ainda mais negros e negros de um direito do qual a enorme parcela desta população jamais usufruiu. É assim com a reforma Universitária, que através do Programa Universidade para Todos (ProUni) vende a idéia de que a juventude negra poderá ter algum futuro ao estudar em universidades de quinta categoria, enquanto, na verdade, o está ocorrendo é o beneficiamento escandaloso dos tubarões de ensino. E será assim, também, se forem aprovadas as propostas de reforma Sindical e Trabalhista, que irão atacar o conjunto da classe trabalhadora e ainda mais aqueles que foram historicamente marginalizados, através da redução de salários e do corte de direitos.

Enquanto faz seus discursos populistas na África, para a imprensa ver, são milhões os negros e negras que passam fome no país, que não têm onde morar, que transformam-se em alvo da violência policial e racial. Da mesma forma que a tal Secretaria Especial de Políticas de Promoção Racial (Seppir) foi criada como ministério e até hoje não vez nada.

O pedido de desculpas de Lula é puramente oportunista. Pedir perdão à África e não investir em projetos que realmente reparem os males que o capitalismo e as elites brasileiras provocaram à população negra, é mais do que demagogia. É uma desculpa esfarrapada incapaz de redimir o governo Lula de sua cumplicidade com as nefastas conseqüências da combinação de opressão racial e exploração capitalista.