Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

“Nos poucos minutos de conversa por entre as grades,ele procurou fortalecer o ânimo dos jovens militantes“

Conheci Nahuel Moreno em 1978, durante a ditadura. Estávamos presos no velho edifício do DOPS paulista, toda a direção da Convergência Socialista e alguns estrangeiros.
Moreno visitava o Brasil, durante uma conferência pública da Convergência com a presença de 1.200 pessoas, onde se discutiam o programa e os estatutos para a fundação de um partido socialista no país. Mas o governo Geisel não estava disposto a permitir semelhante ousadia. Fomos todos presos um dia após o evento.
As semanas que se seguiram foram de tensão. Milhares de estudantes se mobilizaram por nossa libertação. Foi desencadeada uma campanha internacional para que a ditadura brasileira não deportasse Moreno para a Argentina, onde certamente seria morto pelo re-gime militar daquele país. Além da Anistia Internacional, pediram por sua liberdade figu-ras como Gabriel García Márquez, Felipe González, Juan Lechín, da COB, e Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal.
Nós, presos, nos somamos às mobilizações com uma greve de fome que durou 15 dias. Finalmente o governo Geisel cedeu e expulsou Moreno para a Colômbia, país onde estava exilado na época.
Depois de dias de isolamento e interrogatórios, nossos carcereiros permitiram que tivéssemos uma hora de sol a cada dois dias. Podíamos sair, cela por cela, em pequenos grupos, para um estreito pátio fechado por muros. Grades formavam o teto. As pequenas janelas das celas, também gradeadas, davam para esse pátio. Moreno, de braços dados com Rita Strassberg, sua companheira na época, caminhava a passos largos, indo e vindo.
Eu e alguns outros companheiros ainda não o conhecíamos porque sua estadia no Brasil era clandestina. Zezé, uma das fundadoras e, na época, a principal dirigente do partido, nos apresentou, ele no pátio e nós na cela. Foram poucos minutos de conversa por entre as grades, e ele procurou fortalecer o ânimo dos jovens militantes que enfrentavam pela primeira vez uma prisão. Ele mesmo já tinha passado por várias, no Peru, na Bolívia e na Argentina.
Desde 1973, Moreno já havia influído decisivamente na fundação da Liga Operária, o grupo que precedeu a CS, desempenhando um papel decisivo na formação de seus quadros e em sua política. Em sua visita de 1978, antes de ser preso, deu sua opinião de que a classe operária necessitava de um partido dos trabalhadores, que seria a organização política que mais corresponderia ao processo objetivo de surgimento de um novo sindicalismo no ABC. Propunha uma correção na orientação anterior da CS em favor da construção de um partido socialista. No ano seguinte, fomos os primeiros a lançar a proposta do PT.
Anos mais tarde, em 1982, eu e mais dois dirigentes da CS visitamos a Argentina. O país vivia os estertores do regime militar, Moreno tinha voltado do exílio, mas ainda vivia na clandestinidade em Buenos Aires. Aí se iniciou um período de anos de discussões com a direção brasileira sobre a crise e a posterior queda da ditadura no Brasil, a campanha das Diretas Já, o PT e muitos outros temas.
Em 1985, com a queda do governo militar, Moreno pôde voltar ao Brasil. Esteve em Belo Horizonte, como convidado do Congresso do SBPC, e visitou o Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem, que recentemente havia sido arrancado das mãos dos pelegos e era dirigido em maioria por militantes da Convergência. Esteve também no Rio e em São Paulo. Procurou transmitir sua experiência nos sindicatos argentinos, onde militou desde 1944, para nós, militantes brasileiros que atuávamos nas oposições sindicais e começávamos a dirigir sindicatos no marco da construção da CUT. Sua obsessão pela democracia operária, a realização de assembléias regulares e a luta contra a burocratização nos influenciou decisivamente.
Em todas essas ocasiões, Moreno nunca posou de “grande homem”. Foi um companheiro atencioso, que preferia se alojar na casa de companheiros e não em hotéis, que se divertia comendo uma pizza e tomando cerveja com dirigentes trinta anos mais novos que ele. Procurava sempre ilustrar suas intervenções políticas com histórias práticas de sua incrível vida militante. Assim, foi o mestre de toda uma geração de quadros trotskistas.

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