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Júlio Anselmo

As delações da Odebrecht revelam a serviço de quem está o regime político brasileiro. É mais uma prova de que vivemos uma democracia burguesa, dos ricos e poderosos.A empreiteira comprou parlamentares e bancadas inteiras, pagou para obter medidas provisórias favoráveis a seus interesses, escreveu e aprovou leis, financiou campanhas eleitorais, definiu programas dos candidatos e se meteu no debate televisivo da campanha presidencial.

Tais fatos colocam em xeque a democracia burguesa. Como falar de democracia? De governo da maioria? Poder do povo? Voto universal? Controle popular? Enfim vimos como o voto não serve para nada. As eleições são um jogo de cartas marcadas, influenciadas por milhões de reais. Vimos, ainda, que quem controla as instituições são as grandes empresas. A separação dos poderes é uma ilusão. O Parlamento é a casa dos ricos, e o Executivo é quem garante o máximo dos interesses da burguesia. A delação da Odebrecht demonstra como o Estado e suas instituições, o Congresso, a Presidência, as eleições, tudo isso existe para servir aos interesses dos grandes empresários, banqueiros e latifundiários.

Os números são alarmantes. Entre os pedidos de abertura de inquérito no Superior Tribunal Federal (STF), estão oito ministros do atual governo, 24 senadores, 42 deputados federais, um ministro do TCU, três governadores e outros 24 políticos e autoridades. Todos os ex-presidentes ainda vivos e o próprio Michel Temer foram delatados. O grau de submissão dos políticos burgueses aos interesses dessa empresa, o altíssimo nível de promiscuidade generalizada em todas as instituições e a profundidade da farra com o dinheiro público escancara que a Odebrecht exercia grande controle no executivo e no Legislativo por meios legais e ilegais.

O esquema, em resumo, é sempre esse: políticos burgueses enriquecem com as propinas e garantem financiamento de campanha para reeleição, e a empresa tem seus interesses garantidos e seus lucros multiplicados. Tudo regado a dinheiro público, já que a empreiteira pagava os subornos com os próprios contratos superfaturados e licitações fraudadasque os políticos garantiam.

Há, inclusive, razões de sobra para não limitar os fatos apenas à Odebrecht. Será que os poderosos bancos e o mercado financeiro não fazem o mesmo? Será que as multinacionais também não controlam o regime político brasileiro? Nunca antes a frase de Marx fez tanto sentido: “O Estado moderno é apenas um balcão de negócios da burguesia”.

Regenerar a democracia burguesa não é a saída para acabar com a corrupção
Há aqueles que diante desse cenário afirmam que é preciso regenerar o regime democrático burguês como se isso solucionasse o problema da corrupção. Rodrigo Janot, procurador geral da República, após a divulgação da lista Fachin, soltou uma declaração afirmando: “O sucesso das investigações sérias, conduzidas pelo Ministério Publico Federal até aqui, representa uma oportunidade ímpar de depuração do processo político nacional, ao menos para aqueles que acreditam verdadeiramente que é possível, sim, fazer política sem crime e que a democracia não é um jogo de fraudes, nem instrumento para uso retórico do demagogo”.

Sua proposta é mais uma farsa. Não leva em conta que a corrupção é inseparável da democracia burguesa, um regime de fraudes permanentes. Estamos assistindo a um caso excepcional de desvio dentro da democracia ou, de fato, está sendo revelado como a coisa toda funciona de verdade? Coube a Emílio Odebrecht afirmar que essas práticas são normais e acontecem há décadas. Disse até que a imprensa sempre soube. Portanto, o que está acontecendo é a revelação da verdadeira face da democracia burguesa, o seu funcionamento normal por trás dos panos.

Janot acha possível uma política burguesa sem crime. Mas se há crime na política é justamente pela prática burguesa na política. A democracia burguesa é sempre criminosa, pois é criminoso o que os políticos burgueses fazem com os trabalhadores. Por exemplo, o que o Congresso e o presidente Temer estão atualmente tentando aprovar, como as reformas da Previdência e trabalhista, é um verdadeiro crime contra os direitos dos trabalhadores.

O grande argumento dos defensores da democracia burguesa é que essa é verdadeiramente democrática por causa das eleições. Mas as eleições são categoricamente compradas. A Odebrecht financiava todos os grandes candidatos como PT, PSDB e Rede. O que demonstra que as diferenças entre esses partidos era só um teatrinho, pois, no fim das contas, quando chegassem ao governo, aplicariam o que tinha sido combinado com os empresários. Não é à toa que assistimos a inúmeros estelionatos eleitorais. Ou seja, o mecanismo que supostamente garante o controle democrático do Estado é ilusório. Trata-se apenas da escolha de qual o chicote que vai golpear os trabalhadores.

Está questionada até a divisão dos poderes entre eles, inclusive brigando entre si. Não é possível que eles se regulem, se julguem e se fiscalizem. Ladrão julgando ladrão é uma indecência grande. Se há corrupção nos cargos eletivos, há mais ainda nos cargos que são indicados, como STF e outros. Basta lembrar o acordão envolvendo o senado e o STF para salvar Renan Calheiros. Não é possível nutrir nenhuma confiança no Judiciário. Esse também não quer acabar com a corrupção, pois existe para assegurar os interesses dos ricos e poderosos, jamais levarão as investigações às últimas consequências com expropriação dos bens. Já pipocam acordos de leniência, prisões domiciliares etc. O próprio Janot já afirmou que a operação Lava Jato é pró-mercado e não quer atacar o capitalismo.

O Estado democrático de direito, que Janot e os políticos burgueses dizem defender, existe só para a burguesia. Para os trabalhadores, é salário de miséria, direitos sociais sendo destruídos, repressão e violência do Estado. Dizem que somos livres. Alguém é livre para decidir seu próprio salário? Os deputados fazem isso e recebem salários astronômicos.

É preciso punir todos os corruptos e corruptores, expropriar seus bens e estatizar as empresas corruptas. Mas é impossível acabar com a corrupção sem atacar os interesses da burguesia que sustenta esta democracia de mentirinha. Este regime está a serviço do sistema capitalista e perpetua a burguesia no poder.

Defesa da democracia burguesa unifica Lava Jato e PT
O PT seguiu a cartilha da democracia burguesa ao chegar no governo e deu no que deu. Está envolvido até o pescoço num emaranhado de corrupção junto com o PMDB, PSDB e outros partidos burgueses tradicionais. Agora, segue afirmando que é preciso frear a Lava Jato em defesa da democracia. O que os move é o medo da prisão de Lula. Querem acabar com a Lava Jato com o mesmo objetivo que a Lava Jato está sendo impulsionada?

Que um setor do Judiciário queira regenerar a democracia é um tanto óbvio, pois esse é seu papel no sistema capitalista. Mas ver a maior parte da esquerda mais uma vez embarcar nessa linha é lamentável. O PSOL oscila no debate. Entrou com um pedido para que Temer seja investigado, mas há nomes do próprio PSOL nas delações.Muitos parlamentares, como Marcelo Freixo e Jean Wyllys, afirmam que qualquer investigação não pode deslegitimar a democracia burguesa. O que isso quer dizer?

Luciana Genro, por sua vez, embeleza o Judiciário e defende todo poder a Sérgio Moro. Defende a radicalização ou o aperfeiçoamento da democracia. Na verdade, essa pauta é o que unifica todo esse setor da esquerda. Fazem críticas à democracia burguesa, mas para aprimorá-la e não para questionar seu caráter de classe e apontar a necessidade de mudar o sistema e o regime.

O capitalismo e a corrupção
Por mais que tenhamos alguns direitos democráticos – e tivemos de lutar muito para tê-los –, esses direitos não mudam o fato de que o regime serve aos interesses da burguesia e que essa detém de verdade o poder, independentemente de se quem governa é PSDB, PMDB ou PT.

Em situações extremas, os capitalistas mudam o regime para outros mais autoritários. Mas preferem a democracia, pois mistura repressão aos trabalhadores com a ilusão de que é o povo que manda com o voto. É uma ilusão que está cada dia mais frágil, pois os trabalhadores estão percebendo que quem manda de verdade é a burguesia e que o voto e as eleições não têm nada de livre e soberano, servindo apenas para dar um verniz democrático às maracutaias dos ricos.

A corrupção faz parte de qualquer regime político burguês, já que esses regimes servem para manter o sistema capitalista funcionando. Para os grandes empresários continuarem lucrando ao máximo, eles têm de se utilizar da troca de favores e da utilização legal ou ilegal das instituições do Estado.

Tanto é assim que nenhum país do mundo está imune à corrupção. As grandes multinacionais, volta e meia, estão metidas em escândalos. Por exemplo, a Volkswagen se envolveu num escândalo por fraudar a emissão de poluentes de seus carros. Um relatório da União Europeia de 2014 afirma que a corrupção envolve todos os membros da empresa com um custo de 120 bilhões de euros por ano.

A realidade é bem diferente da propaganda das grandes emissoras, do governo e dos grandes empresários em defesa do capitalismo em nome do empreendedorismo, concorrência e eficiência, que gerariam o progresso da nação. A principal empreiteira do país, até bem pouco tempo, exemplo de eficiência, foi pega não num esquema de corrupção qualquer, mas sim num emaranhado de corrupção que prova que o capitalismo é corrupto e nada tem a ver com eficiência e progresso.

Para lutar coerentemente contra os crimes dos políticos burgueses, além de exigir a punição de todos os envolvidos, é preciso ir à raiz dos problemas: o próprio domínio de bancos, grandes empresas e latifundiários sobre a economia, a política e a sociedade.

É preciso lutar para derrubar os governos da burguesia e para que os trabalhadores tomem o poder. Um governo dos trabalhadores, sem patrões, apoiados em conselhos populares. Essa sim é a verdadeira democracia, a democracia dos trabalhadores.Esse governo aplicaria uma política econômica a serviço dos mais pobres, acabaria de uma vez por todas com os ataques aos direitos sociais, garantiria emprego, salário digno, educação e saúde pública de qualidade. Para isso, teria de romper com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a submissão do país ao imperialismo, suspendendo o pagamento da injusta e ilegítima dívida pública que sangra nossos recursos para enriquecer os bancos.