Brasília- DF. 15-01-2019- Presidente Bolsonaro assina decreto liberando a compra de armas para cidadão de bem. Foto Lula Marques
Redação

Defendemos o direito ao armamento e à autodefesa da classe trabalhadora e do povo pobre. Mas, o decreto do Bolsonaro não garante esse direito aos pobres, pelo contrário, arma ainda mais os ricos para matar os pobres

Bolsonaro assinou nesta terça, 16, um decreto que flexibiliza a posse de arma de fogo. Em termos gerais, ele ameniza os requisitos para alguém adquirir uma arma e guardá-la em sua propriedade.

Esse decreto não deve ter o apoio da classe trabalhadora. Mas, não por causa dos argumentos que utiliza o PT ou os que defendem a proibição da posse e do porte de arma pela população em geral, como chegou a defender Haddad dizendo que “segurança é dos primeiros direitos assegurados pelo Estado moderno” (ou Estado burguês). Ora, a revolução burguesa exigiu o povo em armas. O monopólio das armas sob o Estado burguês foi uma medida dos grandes capitalistas contra a maioria, especialmente contra a classe trabalhadora, mas também os camponeses pobres e a classe média baixa.

O Estado burguês precisa do monopólio das armas por uma razão bem simples: os capitalistas são uma ínfima minoria que explora todas essas outras classes. Se elas resolverem se rebelar com armas, os capitalistas não duram um dia. Além disso, no dia-a-dia, o que vemos sãs as forças militares do Estado, forças paramilitares ligadas a negócios capitalistas como as milícias, bandos armados pelo tráfico e bandidos, atacando a população pobre e os que lutam por melhores condições de vida. Exemplo disso é o brutal assassinato de Marielle. Os trabalhadores devem ter o direito à autodefesa, coletiva inclusive. O decreto de Bolsonaro, porém, não permite que as maiores vítimas da violência possam se defender, pelo contrário.

Entenda o que muda
O decreta altera alguns requisitos para a posse de arma. A posse é a possibilidade de ter uma arma de fogo num local fixo: uma residência ou local de trabalho desde que a pessoa seja a responsável pelo lugar. É diferente do porte, que é o direito de carregar a arma pela rua. Este continua restrito às forças de segurança ou a algumas categorias profissionais, como juiz ou promotor, por exemplo.

Para ter a posse de arma é obrigatório, além de ser maior de 25 anos, ter qualificação, ou seja, fazer um curso para manusear a arma; exame psicotécnico; não ter antecedentes criminais ou responder inquérito; comprovar residência e “ocupação lícita”; e comprovar a “efetiva necessidade” de possuir uma arma. E é justamente essa “necessidade” um dos principais pontos que muda. Antes, ficava a critério subjetivo da Polícia Federal se há ou não necessidade de alguém ter uma arma. O texto assinado por Bolsonaro estabelece o que seria essa “necessidade” de forma bem ampla: estados violentos com mais de 10 mortes por 100 mil habitantes em 2016.

O decreto, porém, não permite a qualquer pessoa comprar uma arma, haja visto que todo o custo para isso, entre taxas e o preço da própria arma, facilmente supera os 10 salários mínimos, num país em que a enorme maioria da população ganha até um salário mínimo, se não estiver totalmente desempregada. É um “luxo” restrito a uma faixa mínima da população. O trabalhador da periferia que sofre uma dupla violência, tanto da PM, quanto dos bandidos e das milícias, vai continuar desarmado e vulnerável. A grande maioria dos 65 mil assassinatos que ocorrem todos os anos do Brasil são de jovens pobres e negros das periferias.

O decreto e a defesa dessa liberação de armas pelo governo Bolsonaro são uma carta branca para os ricos matarem os pobres e oprimidos. Bolsonaro quando assinou o decreto fez questão de deixar explícito a quem se endereça. “Com a possibilidade ainda, se tiver de comprar mais armas, tendo em vista o número de propriedades rurais, por exemplo, pode obter uma maior quantidade de armas“, disse. O texto fixa um limite de quatro armas por pessoa. O exemplo não foi à toa. A política armamentista do governo Bolsonaro visa legitimar a violência no campo contra sem-terras, que ele considera “terroristas”, e contra indígenas e quilombolas. Legitimar porque hoje ela já ocorre e já aumenta insuflada pelo discurso reacionário de Bolsonaro contra os pobres, os movimentos de luta pela terra, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, mulheres, etc.

Cortina de fumaça
É evidente que esse decreto, tal como seus possíveis desdobramentos como uma flexibilização maior no Congresso Nacional, não vai resolver o caos da segurança pública e a violência que atinge hoje, sobretudo, os mais pobres. Vai, antes de tudo, municiar os ricos e fazendeiros contra os pobres, que são quem eles realmente temem. Mas no primeiro momento, essa medida pode ser vista também como uma ação de marketing em meio às cabeçadas e escândalos de corrupção que atingem seu governo, como o caso do motorista-laranja Queiroz.

O problema da segurança pública hoje está ligado, em primeiro lugar, ao aumento exponencial do desemprego, da pobreza e da miséria. Uma brutal desigualdade social que só aumenta com a crise. Está ligado ao fato de que toda uma juventude sem qualquer expectativa de futuro se transforma num verdadeiro exército de reserva para o crime organizado. A mesma juventude, em geral negra e das periferias ou morros, que morre diariamente nas mãos da polícia ou vão lotar os presídios país afora.

Em segundo lugar, pela política de criminalização das drogas, levada a cabo por este governo e pelos governos que o antecederam, a mando dos EUA. Uma política que criminaliza a pobreza e mantem intacto o negócio ilegal, mas capitalista, do tráfico, cujos donos bilionários não moram nas favelas, nem vivem de fazer aviõezinhos. E só podem levar adiante seus negócios porque possuem ramificações no Estado, nas polícias, etc.

Essa política é uma das justificativas para o genocídio e encarceramento em massa da juventude negra. Com isso, matam e enchem as cadeias de pobres e negros, metade sem julgamento e a maioria sem antecedentes criminais. Repressão e controle social de um lado, lucros exorbitantes para um punhado de outro. A criminalização das drogas e o consequente tráfico perpetuam ainda uma enorme e vascularizada rede de corrupção com capilaridade em absolutamente todas as esferas do Estado. Do parlamentar, ao juiz, passando pelas milícias e o policial corrupto que cobra propina na biqueira.

Para reduzir de fato a dramática violência urbana, a primeira coisa a se fazer é acabar com o desemprego, a miséria, a falta de condições mínimas de vida para a maioria do nosso povo e da juventude, e junto com isso, descriminalizar as drogas, tirando o lucro que alimenta toda essa espiral de corrupção e morte, forçando esse negócio mostrar a cara, pagar impostos e estar sob controle do Estado. Mas não é essa a real preocupação de Bolsonaro ou da bancada da bala, que se promovem com o caos e a violência enquanto protegem os lucros de quem realmente ganha com isso.

Direito sim à autodefesa, contra o próprio Estado inclusive
Confiar no Estado burguês e legitimar o monopólio do uso da força e das armas por parte dele é legitimar a repressão e o massacre perpetrado contra a classe trabalhadora e os setores oprimidos. O assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, que fez 30 anos em dezembro, é exemplo disso. E a violência policial cotidiana praticada pela polícia nos bairros pobres e periferias reforça de forma dramática essa realidade.

A maioria da população não confia nesse Estado e em suas instituições para garantir a sua segurança, pois sabe que são eles os principais responsáveis por ataca-las. O referendo sobre o desarmamento em 2005, em que o PSTU chamou o povo a votar “não”, mostrou isso com mais de 63% das pessoas contrárias à medida.

A classe trabalhadora, os setores populares, os sem-terras, os indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, diariamente atacados, reprimidos e mortos pela polícia e forças paramilitares em geral ligadas à polícia e ao próprio Exército, tem sim o direito à autodefesa. Não se enfrentam pistolas e metralhadoras com rosas. Temos que defender o direito à autodefesa organizada e coletiva da classe trabalhadora e dos setores oprimidos, inclusive o direito à posse e ao porte de armas.

A população pobre das periferias que vive o cerco diário entre a violência policial e a violência do crime organizado deve ter o direito de se organizar e se autodefender com armas.