O verdadeiro perigo para os trabalhadores hoje no Equador é o governo CorreaNo dia 30 de setembro no Equador, várias centenas de policiais tomaram os principais quartéis em Quito, contra a nova Lei do Serviço Público (LOSEP), que lhes retira direitos de bonificações e condecorações. Esta ação se espalhou a outros quartéis em várias cidades. Um setor minoritário das Forças Armadas aderiu à revolta ainda que por pouco tempo e um grupo de militares tomou o aeroporto de Quito, que esteve várias horas fechado durante o dia.

Frente a estes protestos, o presidente Correa foi diretamente ao quartel da polícia de Quito e, numa atitude desafiante, acusou os policias de conspiradores e traidores, tendo sido atingido por gás lacrimogêneo pelos policiais em protesto. Em conseqüência, o presidente foi levado para dentro do hospital da polícia, onde permaneceu vária horas.

O presidente afirmou que estava sendo alvo de um golpe de Estado. A sua permanência no hospital foi anunciada como um seqüestro. De dentro do hospital, o presidente manteve negociações com a polícia e acordou a sua saída do quartel. Ao mesmo tempo, foi montado um operativo pelo Exército e Forças Especiais para retirar Correa do hospital, que levou a confrontos com os policias em protesto. O presidente saiu do hospital, alertou contra os golpistas, anunciou firmeza e punição aos policias revoltosos. A calma voltou ao Equador.

Uma revolta policial, não um golpe
Está na memória dos trabalhadores da América Latina que, durante décadas, o imperialismo utilizou o método dos golpes de Estado para garantir os seus interesses na região. Milhares de trabalhadores, ativistas e militantes perderam a sua vida em golpes que impuseram ditaduras sangrentas. Contra um golpe militar, seríamos os primeiros a chamar a mobilização democrática nas ruas. No entanto, não pensamos que tenha sido esse o caso que se passou no Equador em 30 de setembro.

Dois aspectos centrais nos levam a afirmar que não existiu um golpe. Em primeiro lugar, nem a cúpula militar e nem a cúpula da polícia apoiaram as mobilizações dos revoltosos, tendo, ao contrário, estado desde o início fiéis ao governo. Os protestos que incendiaram o país no dia 30 de setembro foram levados a cabo por policiais de baixa e média patentes, contra a vontade dos seus dirigentes hierárquicos.

Em segundo lugar, não existia qualquer direção – nem sequer a dos policiais revoltosos – que reclamasse a destituição do presidente. Os policias revoltosos reclamavam a revogação da lei de serviço público, mas não a destituição do presidente pela força. Por outro lado, todos representantes do Estado burguês e da burguesia se pronunciaram contra o suposto golpe e pela defesa da “democracia”.

Tanto as instituições políticas como militares do Estado burguês, mostraram o seu apoio a Correa. A maior expressão disso é que o estado de exceção é uma medida que dá poderes excepcionais ao presidente para legislar por decreto e mais força ao exército para intervir. No entanto, o estado de exceção foi imposto pelo governo (e não pelos policiais em protesto), apoiado nos militares que estavam com o governo desde o inicio. Além disso, durante todas as operações (inclusive de dentro do hospital), Correa manteve o comando do governo e do país, comunicando-se livremente com o exterior

Além disso, foram os próprios militares que levaram Correa ao hospital da Polícia onde estava internado (pra ser tratado por médicos). Foram as forças especiais e o exército, portanto, que retiraram o presidente do seu suposto seqüestro, numa ação desnecessária, pois já estava acordada a sua saída de lá.

Finalmente, é de sublinhar que Correa teve, desde o início, o respaldo não apenas dos governos “progressistas” com quem se relaciona mais proximamente como Chavez ou Evo Morales, mas também dos governos mais de direita da América Latina, como do Chile, Colômbia ou Peru, tendo os países fronteiriços chegado a fechar as fronteiras. Finalmente, tanto a UNASUR como a OEA e ONU saíram em defesa do Presidente Correa e da legalidade democrática. A embaixadora dos EUA fez declarações no mesmo sentido, bem como outros países imperialistas como Espanha. Nesse sentido, o suposto golpe contra Correa seria extremamente estranho, pois teria contra si desde o principal país imperialista aos governos ditos “progressistas”.

Um protesto contra os ataques de Correa aos trabalhadores públicos
Este protesto policial não pode ser entendido como um ato isolado. Pelo contrário, ele é uma expressão distorcida do descontentamento popular, que se dá pela imposição de leis que cortam direitos dos trabalhadores e também dos policiais.

Por isso, o que faz explodir a atual situação é a provação da Lei do Serviço Público, que reduz os direitos dos trabalhadores públicos. No caso da polícia, corta diretamente as bonificações e condecorações. Este protesto dá-se ainda no contexto de um desgaste mais geral de vários sectores com as políticas e leis aprovadas pelo governo de Correa, como os estudantes com a LOES, os indígenas com a Lei da Mineração e dos trabalhadores públicos com a Lei do Serviço Público.

Esta sublevação dos policiais foi, como não poderia deixar de ser, utilizada por um setor da oposição, dirigido por Lucio Gutiérrez, para ganhar espaço contra Correa. O descontentamento frente à Lei do Serviço Público teve ainda reflexos no processo de votação na Assembléia. O Presidente Correa não conseguiu, por exemplo, que os assembleistas de Alianza Pais (movimento dirigido por Correa) aceitassem a lei tal como apresentada pelo presidente e votassem contra a proposta de que os trabalhadores se aposentem aos 70 anos.

Correa usa a ameaça de golpe para continuar a atacar os trabalhadores
Todos estes elementos conformam um crescente desgaste do regime e do governo de Correa pela recente aprovação das leis de ensino superior e hidrocarboros através de mecanismos autoritários como o dos vetos presidenciais. No caso de outras leis o presidente não conseguiu que fossem aprovadas, como foi o caso da Lei da Comunicação e a Lei da Água que foram arquivadas pela resistência indígena.

Este quadro provocou a fúria de importantes setores de trabalhadores, camponeses, indígenas, estudantes, servidores públicos que começam a se mobilizar. Ademais, alguns dos próprios membros do bloco governista começaram a questionar alguns aspectos das leis assinaladas. As mais importantes instituições do Estado, como a Assembleia, o setor judicial (recordemos o escândalo em que esteve metido o Fiscal Pesántez, milhares de delitos que ficaram impunes) e o próprio Executivo por suas atitudes claramente autoritárias, experimentam uma queda de sua popularidade e configuram uma crise do regime.

Frente a esta situação, ainda antes dos acontecimentos do dia 30, o governo já lançara a possibilidade de decretar o mecanismo constitucional chamado de “morte cruzada”, que lhe permite dissolver a Assembléia e convocar novas eleições. Ou seja, utilizar medidas autoritárias para conseguir levar a cabo a sua política anti-operária, garantindo assim melhores condições paras os interesses imperialistas na região.

A associação das mobilizações da polícia a uma tentativa de golpe servem assim plenamente às necessidades do governo Correa, ou seja, de ter maior poder para avançar contra os trabalhadores. O discurso do golpe e a sua resolução permitem-lhe assim sair mais fortalecido – depois de diversas manifestações nacionais em seu apoio – e desprestigiar a oposição de direita e esquerda.

Permite-lhe ainda justificar várias medidas autoritárias que ajudaram a disciplinar diversos setores à sua política. Neutraliza os mais críticos de seu próprio movimento e os submete à disciplina partidária. O governo assumirá a reestruturação da Polícia com plena legitimidade, além do que esta instituição tem uma má imagem ante os amplos setores da cidadania por sua corrupção e seus abusos contra os direitos humanos. Em definitivo, o governo busca reverter a crise de regime e avançar em seu projeto de reestruturação jurídica do Estado através da imposição das controvertidas leis consideradas prioritárias. Possivelmente já não necessitará da “morte cruzada”, que implicava um alto risco político.

A maioria da esquerda capitula a Correa
A CONAIE, principal organização indígena do Equador, e o outros setores políticos de esquerda como o MPD, se opuseram e denunciaram a manobra do governo Correa. Todavia, apesar dos diversos dados apontando para a não existência de um golpe, a grande maioria da esquerda apoiou Correa contra “suposta” tentativa de golpe.

Com isto, a grande maioria das organizações apoiou diretamente o governo burguês de Correa, que ataca os trabalhadores para melhor garantir os interesses do imperialismo na região. As manifestações contra o suposto golpe não foram mais que manobras de distração para o que se está realmente passando no Equador e em muitos outros países dirigidos por supostos governos “progressistas”, que governam para as burguesias contra os trabalhadores.

Para conseguir a aplicação das suas leis a serviço dos interesses do imperialismo, Correa já havia recentemente reprimido as mobilização indígenas e camponesas anti-mineiras e contra a Lei dos hidrocarbonetos que estão sendo entregue à exploração das multinacionais. Esta política da maioria da esquerda, de apoio a qualquer chamado de mobilização contra o suposto golpe, desarma a classe trabalhadora contra as medidas antidemocráticas e a repressão que o governo Correa leva a cabo para implementar suas políticas. Por isso, estamos contra qualquer punição aos policias revoltosos, que é apenas mais uma medida do governo para cercear a liberdade de protesto e contestação.

No entanto, a capitulação a estes governos desarma também os trabalhadores e povos para lutar contra a verdadeira política do imperialismo, de rapina dos recursos naturais e exploração cada vez maior dos povos da América Latina, que é levada a cabo por governos como o de Correa, Evo Morales, Lula, etc. Quando Chavez e Morales acusam os EUA pelo suposto golpe, estão na verdade escondendo a subserviência de Correa e dos seus governos aos interesses do imperialismo.

A grande ameaça para os trabalhadores e povo do Equador hoje é o governo Correa
Nós estamos contra os golpes militares, pois defendemos as mais amplas liberdades democráticas para que a classe trabalhadora e a população pobre possam levam a cabo as mais amplas lutas para derrubar o capitalismo.

No entanto, a grande ameaça hoje às liberdades democráticas dos trabalhadores é o governo Correa, pela repressão que leva a cabo contra os trabalhadores e as medidas autoritárias de governar por decreto e por veto quando não consegue o que lhe interessa na Assembleia. As medidas autoritárias do governo são uma necessidade da sua política subserviente ao imperialismo e de ataque aos trabalhadores.

Por isso estamos contra qualquer apoio a Correa e recusamo-nos a participar em qualquer frente para defender este governo de uma ameaça de golpe que não existe. Defendemos também a total independência de classe das organizações dos trabalhadores frente ao governo como a única forma de impulsionar uma ampla mobilização que possa derrotar estas leis antioperárias e autoritárias.

Secretariado Internacional da LIT-CI
São Paulo, 4 de Outubro 2010