Decisão do STF tem que impulsionar a luta pela legalização do aborto

Nesse 12 de abril, o Supremo Tribunal Federal caminhava para definir como legal a realização de abortos de crianças anencéfalas, terminologia científica do feto que se desenvolve sem cérebro. Neste momento, o placar da votação dos juizes está em 7 a 1, faltando a votação de apenas 2 juízes (atualização: a definição do julgamento terminou em 8 a 2 a favor da interrupção da gravidez de anencéfalos).

Segundo o Código Penal atual, o aborto é legalizado apenas em casos de estupro ou em casos de risco de vida da mãe. Como o texto não trata dos casos de anencefalia, os tribunais brasileiros vinham julgando caso a caso, o que fez com que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ajuizasse uma ação em 2004 para que o STF julgasse essa possiblidade e ordenasse uma legislação comum.

A possibilidade de uma criança anencéfala sobreviver é muito remota, portanto, obrigar a gestante a viver uma gravidez que não resultará no nascimento normal do bebê é uma tortura física e psicológica muito grande. Por mais que pareça um assunto unânime, a votação do STF já teve um voto contrário à liberação e os setores conservadores se organizaram para protestar contra a possível decisão favorável.

O foco dos conservadores é outro
Várias organizações religiosas de católicos e protestantes fizeram uma ato em frente ao STF no dia 11, dia em que iniciou a votação, exigindo que isso não fosse debatido, visando a não aprovação deste caso de aborto.

Alguns manifestantes diziam que é possível a criança sobreviver, a campanha contou inclusive com uma foto divulgada pela internet de uma criança que não possuía cérebro, mas que “podia sorrir”. Além de a foto parecer ser claramente uma montagem, a campanha não dizia quanto tempo de sobrevivência a criança teria, nem tampouco falava sobre o sofrimento da mãe.

Mas o principal argumento dos manifestantes contra a aprovação era de que isso significaria um passo no sentido da legalização do aborto, como é permitido em quase todos os países da Europa, EUA, México, Canadá, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia, etc. Na maior parte desses países, o aborto é permitido até 12 semanas, ou seja, 3 meses de gestação, porque é o período em que sua realização corresponde a menos risco de vida para a mãe.

A depender dos argumentos dos juízes do STF, os setores conservadores podem ficar tranquilos, pois mesmo os que votaram a favor fizeram questão de frisar que são a favor “somente nesses casos” (de fetos anencéfalos), demarcando uma posição contrária à legalização da prática de forma mais geral. Mas a depender do ânimo das lutas das mulheres trabalhadoras, os setores conservadores podem ficar bastante preocupados mesmo, pois essa decisão com certeza anima a luta pela legalização do aborto no Brasil.

O Brasil está na contramão de quase todos os países do mundo, inclusive países mais frágeis economicamente. Essa condição é resultado da forte ofensiva dos setores conservadores e religiosos que impõe concepções religiosas sobre as políticas de Estado e ignoram uma realidade dada e inquestionável em nosso país: o aborto acontece e por ser em sua maioria feito de forma clandestina mata milhares de mulheres todos os anos.

O que fazer diante dessa realidade?
A maior parte das mulheres que fazem aborto no Brasil são católicas e a segunda maior parte são mulheres evangélicas, em terceiro lugar está todas as outras religiões, ou nenhuma delas. Esse dado demonstra que o que motiva a realização do aborto não é a crença religiosa, mas, sobretudo as condições para as mulheres terem filhos.

É extremamente irresponsável que o Estado brasileiro siga negligenciando essa realidade, afinal a quantidade de mortes por aborto clandestino – 200 mil por ano – aponta um problema de saúde pública, que deve ser resolvido nesses marcos, ou seja, investimento em saúde para que a prática possa ser realizada com segurança nos hospitais públicos.

Não podemos aceitar que o mesmo Estado que corta verbas da saúde, comprometendo qualquer programa de Educação Sexual ou de distribuição de anticoncepcionais gratuitos, puna as mulheres que, por não terem esse tipo de assistência, ficam grávidas várias vezes ou ficam grávidas muito novas. E as mulheres trabalhadoras são as que mais sofrem com essa realidade, pois as mulheres ricas podem pagar abortos em clínicas caríssimas e seguras.

Em um país governado por uma mulher,
nenhuma delas pode morrer por aborto clandestino!

O aborto é a terceira maior causa de morte das mulheres, além disso, milhares de mulheres sofrem com sequelas de abortos mal feitos, ou feitos nas piores condições. O governo brasileiro já constou que os gastos com o atendimento das mulheres que ficam com essas sequelas é maior do que os investimentos necessários para realizar o aborto nos hospitais públicos brasileiros.

No entanto, o governo do PT (primeiro Lula e agora Dilma) está comprometido com a bancada conservadora do Congresso que condiciona seu apoio ao governo à não realização desse debate no Congresso Nacional e na sociedade brasileira como um todo. Em 2009, o governo Lula assinou o Acordo Brasil Vaticano, que assegura à “santidade católica” que o Brasil não irá mexer na legislação relativa ao aborto. Da mesma forma, a submissão à bancada conservadora fez com que Dilma Roussef, que defendia a legalização do aborto, fizesse uma campanha eleitoral reacionária em relação ao tema e fez com que a nova ministra da Secretaria de Políticas para mulheres, Eleonora Menecucci, antiga árdua defensora da legalização do aborto, recuasse de sua posição.

Essas posturas criaram um cenário favorável ao pólo conservador nesse debate, expressão disso é a existência de um Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional, que cria o Estatuto do Nascituro e concebe direitos civis ao feto. Com isso, a mãe não poderia ter direito de tirar a vida do mesmo em qualquer circunstância, mesmo aquelas já previstas pelo Código Penal (estupro e risco de vida da mãe).

Avançar a luta: legalizar o Aborto Já!
Diante dessa polarização, a aprovação do STF, ainda que óbvia, abre um cenário importante para que os movimentos sociais brasileiros entrem ainda mais a fundo nessa disputa e nessa luta. Não podemos aceitar que as ideias reacionárias propagadas contra o aborto tomem conta da consciência da nossa classe, que é a classe que mais sofre com a proibição do aborto, sobretudo as mulheres trabalhadores.

Não é verdade que se o aborto for aprovado, as mulheres “vão sair abortando por aí”, porque fazer o aborto não é uma coisa simples, que pode ser feita a cada relação sexual desprotegida. Além disso, em muitos países, como Portugal, a quantidade de abortos diminuiu com a sua legalização e acreditamos que isso deve acontecer porque a legalização deve vir acompanhada de investimento público em saúde que permita atendimento integral à saúde da mulher, com orientações e educação sexual, com distribuição gratuita de anticoncepcionais, e sem burocracia, além do aborto legal e seguro, para não morrer.

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